«Havana era publicitada como "uma mistura exótica de Casablanca, Las Vegas e Monte Carlo"»
Foto copiada da revista Visão
Antes da revolução, Cuba era o destino preferido dos gringos: para jogar nos casinos e ver espectáculos de sonho mas também para fazer negócios... nem sempre limpos. Um país-satélite dos EUA, transformado à medida por um ditador amigo da máfia
Durante sete anos, entre 1952 e 1959, Havana viveu um período de expansão económica nunca antes vista. Construíram-se grandes hotéis e casinos, túneis, pontes, auto-estradas. Os turistas chegavam aos milhões, todos os anos, sobretudo dos Estados Unidos.
Cuba fica a pouco mais de 150 quilómetros da costa norte-americana e, naqueles anos, a distância parecia ainda menor – a ilha de açúcar e do rum, da praia e do sexo, do mambo e do jogo, era, aos olhos dos americanos, uma espécie de paraíso na Terra. Com os pesos a circular, em vez dos poderosos dólares, tudo era ainda mais apetecível.
A boa vida e as noites loucas de Havana, descrita em panfletos turísticos da época como «uma mistura exótica de Casablanca, Las Vegas e Monte Carlo», serviram de engodo para atrair os homens de negócios. Depressa os principais recursos da ilha estavam na mão de empresas americanas: açúcar, fruta, madeira, mas também refinarias, hotéis, casinos, bancos e, claro, o sector automóvel, que inundou as ruas de Havana de Chevrolets e Cadillacs, até aos dias de hoje. Raro era o negócio que não envolvesse capital gringo e o investimento directo dos EUA em Cuba disparou de 142 milhões de dólares, em 1952, para os 952 milhões, em 1959.
Tudo isto foi possível graças à combinação de dois factores que só anos depois seriam revelados: a tomada do poder, através de um golpe de Estado, a 10 de Março de 1952, do general Fulgencio Batista, e o domínio dos negócios do turismo e do jogo pela máfia.
O actor George Raft (amigo de mafiosos) no Casino de Capri em Havana e gripo de turistas
americanos jogando a roleta no Casino do Hotel Nacional. Havana, Cuba. 1958. Francis Miller.
Essa aliança não foi fruto do acaso. Era um sonho acalentado desde os anos 20, quando a Lei Seca imperava nos EUA e a máfia começou a fazer fortunas traficando álcool de Cuba para a Florida (e daí para toda a América do Norte). Nesses tempos, a Rota do Rum, como ficou conhecido o trajecto entre as duas costas, era dominada pelo gangster de Chicago, Al Capone. Ele gostava de vigiar pessoalmente os negócios em Havana e tinha sempre reservado o quarto 615 do Hotel Sevilla Biltmore. Os loucos anos 20 ficaram conhecidos como «a Era da Dança dos Milhões», com o açúcar a duplicar o seu valor no mercado mundial e o álcool a inspirar viagens turísticas – e novas bebidas para gringos, como a Cuba Libre, casando rum com Coca-Cola. O guia turístico mais vendido na década, segundo o New York Times, tinha o sugestivo título de É hora de cocktails em Cuba.
No início dos anos 30, dois outros importantes membros da máfia começaram a olhar para Cuba como muito mais do que um mercado abastecedor de álcool. Para «Lucky» Luciano, o «patrão» de Nova Iorque, com o fim da Lei Seca e a perseguição da polícia americana aos negócios da «família» (Al Capone acabara de ser condenado a 11 anos de prisão, por evasão fiscal...), Havana parecia a capital perfeita para um império da máfia. Para isso, teriam de encontrar um cúmplice no governo, e o mafioso Meyer Lansky, que dominava a região da Florida, recomendou a aposta num sargento que começava a dar nas vistas: Fulgencio Batista.
Segundo revelou o gangster Joseph Stacher ao jornalista norte-americano T.J. English, que publicou em 2007 um livro sobre a aventura da máfia em Cuba (Havana Nocturne – How the Mob owned Cuba... and then lost it to the revolution, Ed. Harper Collins), Lansky chegou a acordo com Batista em 1933, num quarto do Hotel Nacional. «Garantimos-lhe 3 a 5 milhões de dólares por ano, mais uma parte dos nosso lucros, desde que nos assegurasse o monopólio do turismo e do jogo em Cuba», contou Stacher, que acompanhou Lansky nesse encontro. Como sinal de boa vontade, a máfia entregava a Batista, nesse dia, os primeiros 5 milhões. «Ficou a olhar para as malas de dinheiro, sem dizer palavra. Depois apertou a mão de Lansky e foi-se embora.» O negócio estava fechado.
Meyer Lansky, jogador e gangster da máfia em Havana, deixando o casino Riviera com uma
amiga e uma mala que continha 200,000 dólares da caixa. Havana, Cuba. 1958. Francis Miller.
Batista liderou, poucos meses depois, a «revolta dos sargentos», que determinaria a substituição do Presidente Carlos Manuel de Céspedes. Este assumira o cargo apenas três semanas antes, no calor de uma revolta estudantil, substituindo Gerardo Machado, o general que governava Cuba com mão-de-ferro desde 1925. O poder foi entregue, em Setembro de 1933, a Ramón Grau. E Fulgencio Batista, já promovido a coronel, assumia a chefia das Forças Armadas, controlando, de facto, o país. Cem dias depois forçaria mesmo o novo Presidente a demitir-se, substituindo-o por Carlos Mendieta.
![]() |
«MÁFIA - Meyer Lansky, «Lucky» Luciano e Santo Trafficante dominavam o turismo e o jogo em Havana» Copiada da revista Visão |
O ambiente político em Cuba era instável e Batista não tinha (ainda) interesse em assumir a Presidência. A situação não estava fácil para os seus «amigos» americanos. Depois de Al Capone ser «apanhado» em Chicago, o procurador de Nova Iorque decidiu seguir o exemplo e processar vários patrões da máfia por outras ilegalidades. «Lucky» Luciano seria acusado de 90 crimes de incentivo à prostituição e condenado, em 1936, a 30 anos de prisão.Meyer Lansky era um jogador sábio e não ousou apostar em Cuba sozinho. Mas não abandonou o sonho, diversificando os negócios no ramo dos casinos e da hotelaria (comprou parte da cadeia Hilton), com o objectivo de, um dia, avançar com o «plano Havana».
Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, tudo se complicou. O único desenvolvimento nesse período surgiu de forma inesperada, quando o FBI propôs, em 1942, um acordo a «Lucky». Os investigadores sabiam que, mesmo na prisão, o siciliano continuava a controlar os negócios da máfia e era respeitado no submundo nova-iorquino.
Só no mês anterior, 50 navios e submarinos americanos tinham sido afundados pelos alemães e as sabotagens aos navios no porto de Nova Iorque atingiam proporções dramáticas. O FBI acreditava que o porto estava cheio de espiões italianos que passavam informações aos alemães.
O mafioso tomou conta do assunto. Em menos de um mês, dezenas de pessoas foram presas e terminaram os ataques aos navios. E, assim que a guerra acabou, o governo americano cumpriu a sua parte do acordo, libertando «Lucky». Havia apenas um senão: ele teria de ser deportado para Sicília. E não voltar, jamais, aos EUA.
Sem poder controlar os negócios a partir de Itália, «Lucky» decide jogar a sua última cartada e viaja, em segredo, para Cuba, convocando uma reunião com todos os patrões da máfia, no Hotel Nacional. Essa semana em Havana ficou famosa pelo luxo e ostentação da «conferência» de criminosos – até Frank Sinatra cantou, em privado, para o grupo – e foi imortalizada no cinema por Francis Ford Coppola. No clássico O Padrinho, o grupo de gangsters celebra o fim das suas negociações cantando à volta de um bolo, com uma colorida Havana esculpida em açúcar. O bolo é dividido em pedaços e devorado avidamente pelos mafiosos – uma metáfora poderosa do que, realmente, estava prestes a acontecer.
Santo Trafficante, o mafioso dono do casino Sans Souci em Havana e Jake Lansky irmão
do gangster Meyer Lansky no Casino do Hotel Nacional. Havana, Cuba. 1958. Francis Miller.
Os planos sairiam furados quando o jornalista Robert Ruark escreveu sobre a amizade de Sinatra com «Lucky», mencionando as festas e orgias daqueles dias de 1946 e que fizeram furor em Havana. A história foi manchete nos jornais americanos, dias a fio.
Sinatra negou tudo e, no auge da sua carreira, escapou incólume ao que classificava de «boatos». Mas «Lucky» acabava de ser exposto – tinha-se comprometido a ficar em Itália e, afinal, estava tão perto dos EUA. O presidente Harry Truman pediu a Cuba que o expulsasse, acusando-o de «inundar de droga» o seu país. Durante semanas, as relações diplomáticas azedaram, com Havana a recusar a deportação de um italiano com o passaporte em dia... Truman decidiu então cortar o abastecimento de «drogas legais» a Cuba enquanto o «traficante» não fosse expulso. Não havia volta a dar. Até ao fim dos seus dias, «Lucky» viveria isolado numa mansão de 60 quartos, em Nápoles... chorando a sua má sorte.
Sem o cabeça de cartaz da «operação Havana», a máfia recuou para os seus territórios, nos EUA. Só Lansky continuou a acalentar o sonho, mantendo contacto regular com Batista. O coronel tinha assumido a Presidência entre 1940 e 1944, e, segundo a Constituição, só poderia voltar a candidatar-se depois de um interregno noutros cargos públicos. Por isso, entre 1948 e 1951, ocupou um lugar no Senado.
No ano seguinte, candidatou-se à Presidência mas, segundo indicavam as sondagens, ficaria em último. Nunca se soube quem ganhou: Batista não queria esperar mais e orquestrou um golpe, impondo-se como «presidente provisório». Estava aberto o caminho para fazer rolar os milhões da máfia pelas ruas de Havana.
Baile de Carnaval em Havana. 1954. Robert W. Kelley. E, Fulgencio Batista com a sua mulher,
um ano antes de fugir de Cuba e vir parar ao Estoril. Havana, Cuba, 1958. Joseph Scherschel.
Meyer Lansky foi convidado para ser «conselheiro especial para a reforma do Jogo», com um salário de 25 mil dólares anuais. Era uma fachada para legitimar a ligação entre o político e o a máfia. Com Lansky viajou também o «patrão» Santo Trafficante, que assumiria o controlo da «família» em Havana.
Foram criadas leis de incentivo à promoção turística, à construção de hotéis e de casinos e, em poucos meses, a capital estava transformada num estaleiro. Nos negócios da noite, ao clássico Nacional e aos famosos Sans Souci e Tropicana, que já existiam, juntou-se o luxuoso Riviera, projecto pessoal de Lansky, onde os empregados vestiam smoking e nenhum cliente entrava sem traje de gala. A inauguração do Copa Room Cabaret foi abrilhantada por Ginger Rogers e transmitida na televisão norte-americana. Nos anos seguintes, era vulgar ouvirem-se em Havana alguns dos maiores artistas da época, como Nat King Cole, Ella Fitzgerald e, claro, Frank Sinatra...
Segundo T.J. English, as contas de Lansky e de Batista na Suíça engordavam a olhos vistos. O Presidente receberia, só em percentagens legais, mais de 10 milhões de dólares por ano.
O esquema sonhado durante tantos anos terminou abruptamente, numa noite de réveillon, com muito mambo e bailarinas gingando as suas ancas, champanhe francês e roletas ao rubro. A 1 de Janeiro de 1959 Batista demitia-se, vergando-se ao poder do movimento de Fidel Castro.
Lansky voou nessa noite para a Florida, Batista fugiu para a capital da República Dominicana. Nunca mais regressaram ao «seu» paraíso. A festa tinha acabado.
Patrícia Fonseca
Texto e titulos
Visão História
22-12-2008
A Revolução vinha a a caminho: Sinais anti-Batista na entrada principal
da Universidade de Havana. Cuba. 1958. Joseph Scherschel.
A Revolução vinha a a caminho: Os líderes rebeldes Victor Bordon (com chapéu) e Ernesto
Che Guevara na ocupação de Villas Fomente, Cuba. 27-12-1958. Foto encontrada na net.
A Revolução vinha a a caminho: Ernesto Che Guevara e outros rebeldes descansando depois
de assumir o poder em Villas Fomente, Cuba, 28 de dezembro de 1958. Foto encontrada na net.
A Revolução tinha chegado. Camilo Cienfuegos e "Che" Guevara em Havana. Cuba,
1959. Joseph Scherschel.
citizengrave.blogspot.pts)