A atividade de produção de informações foi, ao longo de séculos, desenvolvida num quadro de relações informais estabelecidas entre os monarcas e alguns dos seus oficiais de confiança. Nos primórdios da nacionalidade, a produção de informações esteve ligada às áreas mais sensíveis da governação; aos processos de reconquista territorial e de unificação política do Reino. A reconquista foi apoiada, em diversas ocasiões, pela ação de emissários e informadores encobertos.
A conquista de Santarém (1147), é disso um bom exemplo, preparada por agentes de confiança de D. Afonso Henriques enviados para recolherem informações sobre o estado das defesas muçulmanas e sobre os locais mais vulneráveis a um ataque noturno. É de destacar o papel desenvolvido durante esse período pelas ordens religiosas militares, com especial relevância na vigilância e recolha de informações. D. João I mandou criar um “serviço de ligações” dirigido por Martim Afonso de Melo, guerreiro da linhagem dos Fialhos, que prestou serviço nos quartéis-generais de Abrantes e de Estremoz. Foi também iniciativa sua a de enviar um “agente encoberto”, um emissário, a Castela, o qual a pretexto de ”parlamentar” com o monarca, deveria ir "guardando bem que gentes eram e como corrigidas e toda a sua ordenança". Este minucioso trabalho de informações culminou na vitória portuguesa em Aljubarrota (1385).
Durante o reinado de D. João II (1481-1495) a importância das informações foi patente nas áreas que entraram na sua preocupação governativa: a centralização e fortalecimento do poder real, o estabelecimento ou reforço das relações diplomáticas com países da Europa e o desenvolvimento da política de governação.
O cuidado e o esmero no desenvolvimento das vias negociais para a resolução de litígios conheceu no Tratado de Tordesilhas (1494) o seu mais acabado exemplo. Entidades há que defendem este representar um dos acontecimentos mais importantes na história das relações internacionais.
Desde o cuidado extremado na salvaguarda e resguardo do objetivo, ao reconhecimento da importância de uma política de segredo, concretizada em orientações precisas no acesso e uso de informações com penas graves previstas para quem as violasse, de que são exemplo o reforço das medidas de segredo: a aplicação de medidas restritivas no acesso e divulgação de informações:”(…) os roteiros, livros de bordo, relações de escrivães e cartas de marear… foram sistematicamente sequestrados de olhos indiscretos(…)”. Tudo o que se relacionava com cartas de marear, mapas mundi - estrangeiros ou portugueses - livros de marinharia, de astrologia ou de viagem, roteiros ou relações de escrivãs de bordo eram considerados património secreto do Estado”.(Jaime Cortesão, A Política de Sigilo dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, 1960, citado por General Pedro Cardoso in: “As Informações em Portugal”). A estas medidas “cautelares” devemos aditar a fraude cartográfica e a lenda feita circular quanto às características únicas das caravelas que lhes permitia ultrapassar e passar onde outros navios não conseguiam. Na defesa da exclusividade do uso português decretou a proibição de divulgação de planos de construção de caravelas bem como a sua construção para entidades terceiras, comportando o seu incumprimento pesada punição.
O reconhecimento por este monarca da importância das fontes humanas e da sua preparação cuidada, nomeadamente no domínio das línguas autóctones de longínquas paragens, deu bons frutos e tem o seu expoente máximo na figura de Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva, que nas suas expedições na busca do Prestes João, na Etiópia, nos deixaram relatos detalhados e minuciosos quanto aos usos e costumes dessas paragens e dos seus habitantes. O reconhecimento da importância estratégica das informações, da sua detenção e monopólio, fê-lo desenvolver, no decurso do seu reinado, por um lado, uma política intensiva de recolha de informações e, por outro, uma cerrada política de segredo, chancelando-o como património do reino. Os pilotos, os mestres e os marinheiros eram expressamente proibidos de servir nações estrangeiras, prevendo-se duras penas (degredo para a ilha de Santa Helena) para quem desrespeitasse aquela proibição. Além disso, todo o material relacionado com as atividades náuticas era reservado e considerado património secreto do Estado. Luís de Camões resume de modo admirável o objetivo das informações no contexto dos Descobrimentos:
" Adivinhar perigos e evitá-los ". Os Lusíadas, Canto VIII
Na segunda metade do século XVIII, a atividade de produção de informações foi dotada de uma estrutura própria.
Em 1760, o Marquês de Pombal criou a Intendência da Polícia da Côrte e do Reino, com amplos poderes em matéria de segurança pública que integrava uma "rede de espias e informadores", responsável pela recolha de informações de natureza política, fiscal e criminal. Foi seu primeiro Intendente o desembargador Inácio Ferreira Souto, que desempenhou um papel fundamental na perseguição à família Távora. Em 1780, a rainha D. Maria I nomeou como Intendente-Geral da Polícia da Côrte e do Reino Diogo Inácio de Pina Manique, que se manteve em funções até 1803. Na primeira década de Oitocentos, sob o domínio político-militar inglês, a Intendência não deu sinais de vitalidade, tendo sido reforçado o papel da Guarda-Geral de Polícia (criada em 1801).
A Constituição de 1822 veio conferir ao poder executivo competência para "(...) prover a tudo o que for concernente à segurança interna e externa do Estado, na forma da Constituição " (artigo 122º), determinando ainda a existência de " uma força militar permanente, nacional " para manter a " segurança interna e externa do reyno " (artigo 171º). Em cada província, eram criadas corpos de milícias (artigo 173º) e previa-se ainda a formação de uma Guarda Nacional (artigo 174º). A 8 de novembro de 1833, foi abolida a Intendência-Geral da Polícia da Côrte e do Reino, setenta e três anos após a sua criação. Em 30 de agosto de 1893, João Franco, ministro de D. Carlos, remodelou a Polícia, criando o lugar de juiz de instrução criminal. Cinco anos mais tarde, em janeiro de 1898, foi, de novo, objeto de reforma criando-se a Polícia Preventiva, encarregada de tomar conhecimento de todos os factos que pudessem ter influência na ordem e tranquilidade públicas e na administração e segurança do Estado, ainda que estes não constituíssem crime, devendo dar conhecimento desses factos ao Governo, através do Governo Civil. A Polícia Preventiva foi chefiada pelo juiz Francisco Maria da Veiga, que exercera funções de juiz de instrução criminal na Polícia desde 1893. Desde a sua criação foi apelidada de "polícia secreta", pelos republicanos que a tinham como encarregue de atividades de espionagem. Nos últimos anos do século XIX, setembro de 1899, reorganizou-se o Exército. Foi criado o Estado-Maior General e o serviço do estado-maior. No Estado-Maior funcionavam as 2ª e 3ª Repartições, encarregues de proceder à recolha de informações militares. À intensificação dos movimentos revolucionários e a crescente agitação social, o governo respondeu com a Lei de 19 de setembro de 1902, que decretou providências especiais, preventivas e repressivas, quanto aos crimes contra a segurança do Estado, atentatórios da ordem social estabelecida e de moeda falsa. Em dezembro de 1907, Francisco Maria da Veiga renunciou ao cargo de juiz de instrução criminal, que exercera desde 1893.
A I República criou, por influência francesa, o Ministério do Interior, através do Decreto de 8 de outubro de 1910, prosseguindo, de imediato, à extinção do juízo de instrução criminal. Em 4 de maio de 1911, nasce a Guarda Nacional Republicana e, nesse mesmo mês, foi regulamentado o Conselho Superior de Defesa Nacional e o Estado-Maior do Exército, criando, neste último, uma Repartição na qual se integrou uma estrutura especializada na área das informações militares. O Governo de Sidónio Pais procurou, desde o início, reorganizar os serviços de polícia. As alterações legislativas sucederam-se com notas sucessivamente mais repressivas: assim, no primeiro diploma, o Decreto nº 3673, de 20 de dezembro de 1917, designou-se pessoal específico para a Polícia Preventiva, que se mantinha na dependência da Polícia de Investigação. Três meses mais tarde, em março 1918, atribui-se autonomia à Polícia Preventiva e da sua regulamentação resultam poderes para “prender ou deter suspeitos ou implicados em crimes políticos ou sociais". Um ano mais tarde, mercê de uma reorganização global dos serviços policiais, através do Decreto nº 4166, de 27 de abril de 1918, foi criada uma Direção Geral da Segurança Pública, a funcionar no Ministério do Interior e na qual se integrava a Repartição da Polícia Preventiva. Com jurisdição em todo o continente da República, esta repartição era chefiada por um diretor, contando com um quadro de 20 agentes, 1 secretário, 4 amanuenses e 1 chefe. Poderiam ainda ser contratados agentes auxiliares "de todos os sexos e de todas as classes sociais", constando de um registo secreto e apenas com atribuições de vigilância e de informação.
Das competências atribuídas à Polícia Preventiva, destacam-se:
a vigilância e prevenção contra a tentativa de crimes políticos ou sociais;
a investigação de "crimes políticos ou sociais";
a prisão ou detenção de suspeitos de "crimes políticos ou sociais";
a organização de um cadastro de todas as "agremiações políticas e sociais" e dos seus membros.
Após o assassinato de Sidónio Pais e das tentativas de restauração monárquica, determinou-se que os Governadores Civis superintenderiam, na respetiva área, em todos os serviços policiais, com exceção dos de emigração (Decreto nº 5 171, de 22 de fevereiro de 1919). Mantendo-se na mesma estrutura orgânica – Direcção-Geral de Segurança Pública - e sob a tutela do Ministério do Interior, a Polícia Preventiva passou a designar-se, em 1919, Polícia de Segurança do Estado. Em 1922, o Decreto nº 8013, de 4 de fevereiro, substituiu a Polícia de Segurança do Estado pela Polícia de Defesa Social, colocada na dependência do Governador Civil de Lisboa (mantendo-se, no entanto, a subordinação hierárquica em relação ao Ministério do Interior). Acontecimentos que tiveram lugar no final de 1922, de entre os quais a "Noite Sangrenta", onde foram assassinados Machado Santos, Carlos da Maia e António Granjo - levaram à alteração não só da denominação da Polícia de Defesa Social para Polícia Preventiva e de Segurança do Estado, mas também, e em especial, à alteração do seu âmbito de competências, determinando-se que a nova polícia se destinava à “vigilância dos elementos sociais perniciosos ou suspeitos e ao emprego de diligências tendentes a prevenir e evitar os seus malefícios”. Em 1924, o Decreto nº 9 339, de 7 de janeiro, extinguiu a Direção Geral da Segurança Pública e, no mesmo ano, o Decreto nº 9 620, de 29 de abril, reviu o Regulamento Policial, determinando que a Polícia Preventiva teria competências para realizar:
vigilância secreta sobre todos os indivíduos que se tornassem suspeitos ou perniciosos, quer fossem nacionais ou estrangeiros;
vigilância secreta e preventiva contra as tentativas de crimes políticos ou sociais;
a organização secreta dos cadastros de todos os indivíduos ou coletividades políticas e sociais, mantendo-os o mais completos possível;
as diligências tendentes a prevenir e evitar os malefícios dos inimigos da sociedade e da ordem pública.
Em 1925, o Decreto nº 10790, de 25 de maio, criou um organismo semelhante à extinta Direção Geral de Segurança Pública: a Inspeção-Geral de Segurança Pública, chefiada por um oficial do Exército e destinada à coordenação das atividades de polícia.
O Governo saído da revolução de 28 de maio de 1926 extinguiu a Polícia de Segurança do Estado, considerando que as suas funções podiam ser desenvolvidas pela Polícia de Investigação Criminal. Em dezembro desse mesmo ano de 1926, criou-se a Polícia de Informações de Lisboa (Decreto nº 12 972, de 16 de dezembro de 1926), na dependência do respetivo Governador Civil. Em fevereiro de 1927 estrutura idêntica criar-se-ia no Porto. As Polícias de Informações de Lisboa e Porto tinham caráter secreto e eram chefiadas por um diretor livremente contratado e destituído pelo Ministro do Interior. Um ano mais tarde procedeu-se à fusão das Polícias de Informações de Lisboa e do Porto, que foram colocadas na dependência do Ministro do Interior (Decreto nº 15 195, de 17 de março de 1928). Ainda em 1927, restabeleceu-se a Direção Geral de Segurança Pública, tendo por vocação primordial a vigilância das fronteiras terrestres do País. Integrando a Guarda Nacional Republicana, as polícias em geral, o Comissariado Geral dos Serviços de Emigração e a Polícia Internacional Portuguesa, passou a funcionar junto da Polícia de Informações. O Código de Processo Penal de 1929 veio atribuir à Polícia de Informações e à Polícia de Investigação Criminal amplos poderes na fase de instrução pré-acusatória.
No início dos anos trinta, as polícias foram reguladas por uma sucessão vertiginosa de diplomas legais. Esta sucessão de diplomas culminaria com a fusão da Polícia Internacional Portuguesa e da Polícia de Defesa Política e Social. Criou-se, assim, em agosto de 1933, a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (P.V.D.E.) aquela que se pode considerar a primeira grande organização policial de natureza política do Estado Novo. Funcionando na dependência do Ministério do Interior, a PVDE tinha duas secções: a Secção de Defesa Política e Social, à qual competia especialmente a prevenção e repressão contra os crimes de natureza política e social; e a Secção Internacional, à qual competia verificar a entrada e a saída de estrangeiros, a detenção de estrangeiros indesejáveis, o combate à espionagem e a colaboração com os organismos policiais de outros países. Em 1934, a Secção Internacional da PVDE tornou-se responsável pela luta contra os engajadores de emigrantes e pelo licenciamento e pela fiscalização das agências de passagens e passaportes. No mesmo ano é criada uma nova secção - denominada Secção de Presos Políticos e Sociais - à qual competia " prover ao sustento, manutenção, guarda e transporte dos presos por delitos políticos e sociais, quer preventivos, quer já condenados.
Em 1935 foi extinta a Direção Geral de Segurança e criado o Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública. No ano seguinte (1936), procedeu-se à reorganização dos Serviços Prisionais. A Reforma Prisional de 1936 previa que os criminosos políticos fossem enviados para "colónias penais no Ultramar" ou encarcerados em estabelecimentos especiais. É neste contexto que se cria a Colónia Penal de Cabo Verde, no Tarrafal, e se entrega o Forte de Peniche ao Ministério da Justiça, para nele cumprirem pena os delinquentes políticos.
O campo do Tarrafal seria encerrado em 1954, mas posteriormente reaberto, nos anos sessenta, para os presos dos movimentos de libertação das colónias. Até 1936 - data da criação do Tarrafal - a atividade da PVDE foi muito incipiente e pouco estruturada, com um quadro de pessoal reduzido e mal preparado.
A Guerra Civil de Espanha (1936) e o atentado contra Salazar (julho de 1937) marcaram um ponto de viragem na ação da PVDE. A partir daqui assumiu um conteúdo ideológico mais definido, orientando-se predominantemente para o combate ao comunismo. A reestruturação da PVDE foi apoiada pela polícia fascista de Mussolini (através da Missão Italiana de Polícia, dirigida por Leone Santoro) e pelos serviços alemães (o SD - Sicherheitsdienst - de Reinhard Heydrich e a GESTAPO). A II Guerra Mundial trouxe algumas modificações em matéria de segurança. Foi alterado o Código Penal de 1886, na parte relativa aos crimes contra a segurança exterior do Estado, tendo-se atribuído à PVDE competência para prevenir e combater os novos crimes contra a segurança do Estado e para emitir passaportes.
Durante a II Guerra, Lisboa e a Costa do Estoril tornaram-se lugares-chave para a ação dos serviços secretos. A intensa atividade destes serviços levou os americanos a difundirem, em 1943, um documento sobre os hotéis considerados "seguros" para os Aliados: o Aviz, o Palácio Estoril, o Metrópole ou o Europa. Os hotéis pró-Eixo eram o Avenida Palace, o Hotel Suíço, o Tivoli e o Vitória (considerado o mais perigoso de todos pelos americanos). A Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) foi criada em 1945. Nos termos do preâmbulo do diploma constitutivo, a PIDE é concebida como "organismo autónomo da Polícia Judiciária", invocando-se para o efeito o modelo da Scotland Yard. Colocada na dependência do Ministério do Interior, a PIDE dispunha de competência para proceder à instrução preparatória dos processos respeitantes a crimes contra a segurança do Estado. A PIDE tinha funções:
administrativas;
de repressão e de prevenção criminal.
No âmbito das funções administrativas, a PIDE encarregava-se dos serviços de emigração e passaportes, de passagem de fronteiras terrestres e marítimas e da permanência e trânsito de estrangeiros em Portugal. No âmbito das funções de repressão e de prevenção criminal, competia-lhe a instrução preparatória dos processos respeitantes a:
crimes de estrangeiros relacionados com a sua entrada ou com o regime legal da sua permanência em território nacional;
infrações relativas ao regime da passagem nas fronteiras terrestres e marítimas;
crimes de emigração clandestina e aliciamento ilícito de emigrantes;
crimes contra a segurança exterior e interior do Estado.
O ano de 1945 - ano da criação da PIDE - é marcado por uma viragem qualitativa da repressão política, apoiada nas seguintes medidas:
criação do Tribunal Plenário Criminal;
reorganização da polícia judiciária; atribuição às polícias de competência legal para proceder, em detrimento do poder judicial, à instrução dos processos, com uma autonomia quase plena na determinação da prisão preventiva;
extensão progressiva das medidas de segurança ao campo da "delinquência política"
Em 1949, foi criado o Conselho de Segurança Pública, destinado à coordenação dos diferentes órgãos de segurança pública. Mais tarde, em 1954, a PIDE foi reorganizada. Criou-se o quadro para as ilhas adjacentes e o ultramar. A PIDE passou a ser a única entidade responsável pela troca de informações com serviços estrangeiros. A atividade de recolha de informações, concentrada na PIDE, contou com diversos instrumentos:
Uma rede policial diversificada (Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana, Polícia Judiciária).
A ação vigilante das autoridades administrativas, da Legião Portuguesa e de cidadãos anónimos.
A colaboração de uma parcela significativa da magistratura, designadamente ao nível dos "tribunais plenários".
A cooperação com outras entidades ligadas à recolha de informações, como o Gabinete dos Negócios Políticos (Ministério do Ultramar), a Direcção-Geral dos Negócios Políticos (Ministério dos Negócios Estrangeiros) e a 2ª Repartição do Secretariado-Geral da Defesa Nacional (Ministério da Defesa Nacional).
O uso da tortura e da pressão psicológica: milhares de cidadãos foram presos ou "internados", muitos detidos morreram na prisão, outros saíram dela com graves perturbações psíquicas ou em estado de saúde muito debilitado.
A Guerra de África levou ao reforço dos serviços de informações militares e da atividade da PIDE nas colónias portuguesas.
Em 1961, o general Venâncio Deslandes, Governador-Geral de Angola, cria o Serviço de Centralização e Coordenação de Informações, o qual foi dirigido pelo major Silva e Sousa. Em Moçambique e na Guiné foram organizados serviços semelhantes.
Em 1969 é extinta a PIDE, pelo governo de Marcello Caetano e, em sua substituição criada a Direcção-Geral de Segurança (DGS) que teve como último diretor o major Silva Pais. Na sequência da revisão constitucional de 1971, o Código Penal foi revisto em 1972. Esse diploma, para além do mais, limitou a prorrogação das medidas de segurança. No mesmo ano foi abolida a medida de segurança de internamento para delinquentes políticos e, em articulação com a revisão do Código Penal, aligeirou as penas aplicáveis à criminalidade política.
Na sequência da revisão constitucional de 1971, também o Código Penal foi revisto em 1972, tendo sido limitada a prorrogação das medidas de segurança. No mesmo ano, foi ainda abolida a medida de segurança de internamento para delinquentes políticos e aligeiradas as penas aplicáveis à criminalidade política.
Após o 25 de abril de 1974, a Junta de Salvação Nacional extinguiu a Direção-Geral de Segurança e, num primeiro momento, a orientação e coordenação da atividade das informações foi atribuída ao Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas (Decreto-Lei n.º400/74). Após tentativas mal sucedidas de criação de organismos tendo por objetivo a produção de informações (Serviço Diretor e Coordenador de Informações – SDCI – e Departamento Nacional de Informações – DNI) esta atividade foi, após o 25 de novembro, centralizada na 2ª Divisão do Estado Maior General das Forças Armadas, conhecida por DINFO.
Dos três serviços previstos na Lei de 1984, lei orgânica do Sistema: o Serviço de Informações de Segurança, o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e o Serviço de Informações Militares só os dois primeiros foram efetivamente criados. O primeiro, o SIS, em 1985, pelo decreto-lei 224/1985, de 4 de julho e, o SIED, 10 anos depois em 1995, pelo decreto-lei 254/95, de 30 de setembro.
A Lei Orgânica do Sistema de Informações da República Portuguesa conheceu em 2004, pela letra da Lei 4/2004, de 6 de novembro, uma revisão de grande envergadura. Esta consagrou a tutela direta do Sistema pelo Primeiro Ministro e criou, no seu seio, a figura do Secretário-Geral do Sistema, ao qual é atribuído estatuto equiparado ao de Secretário de Estado e a quem são atribuídas funções de coordenação e direção dos Serviços.
A criação de estruturas administrativas comuns de apoio aos dois Serviços de Informações foi uma das alterações desenhadas ao Sistema, tendo a sua regulamentação acontecido com a Lei 9/2007, de 19 de fevereiro.
Já em 2014, quer a Lei 30/84 de 5 de setembro quer a Lei 9/2007, de 19 de fevereiro foram objeto de revisão.
O texto revisto da lei 30/84 de 5 de setembro, na letra da Lei 4/2014, de 13 de agosto e o texto da lei 9/2007, de 19 de fevereiro tal como alterado pela lei 50/2014, de 13 de agosto constituem o quadro legal que conforma a ação do Sistema de Informações.
Todas e quaisquer queimadas são totalmente proibidas a menos de 30 metros de casas ou habitações limítrofes, em razão dos elevados riscos de poderem causar incêndios urbanos, com a destruição de habitações e outros bens privados ou públicos de elevado valor patrimonial.
Temos de nos perguntar o que fazem as polícias, GNR e PSP, perante estes perigosos eventos que pululam um pouco por todo o lado, ou se haverá desconhecimento geral da respetiva legislação em vigor.
Ora, perante tantos tontinhos e as tontinhas a fazerem queimadas dentro dos meios urbanos, pondo mesmo em risco imóveis e bens alheios de elevado valor, fazendo fumarolas malcheirosas e poluentes (chegando mesmo a queimarem lixos vários, plásticos, madeiras e papéis, entre outros materiais perigosos) no meio das vilas e cidades de Portugal, convém recordar a legislação em vigor:
Ao realizar queima de sobrantes em períodos proibidos ou realização de queimadas e fogueiras sem licenciamento, incorre em contraordenação, cuja coima pode ir de 140€ a 5000€, para pessoas singulares, e 800€ até 60000€ para pessoas coletivas (Decreto-Lei n.º 17/2009, de 14 de janeiro).
Em caso de originar um incêndio, pode incorrer em crime de incêndio florestal (Lei n.º 56/2011, 15 de novembro).
Pratica o crime de poluição, p. e p. pelo art. 279º, n.º 1, do Código Penal quem, por meio de poluição do ar, da água, ou do solo, ou por qualquer forma degradar as qualidades destes componentes ambientais, causando “danos substanciais”.
Este tipo de ilícito visa a protecção de bens jurídicos colectivos (o ambiente) e individuais (vida, integridade física e bens patrimoniais), agravando-se a punição quando a poluição constitua perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado, conforme previsão do art.º 280º do C. Penal
A realização de queimada ou fogueira, só é permitida após licenciamento na respetiva Câmara Municipal, ou pela Junta de Freguesia se a esta for concedida delegação de competências, na presença de técnico credenciado em fogo controlado, ou, na sua ausência, de Equipa de Bombeiros ou de Equipa de Sapadores Florestais.
Durante o período crítico (de 15 de Maio a 15 de Outubro) não é permitida a realização de fogueiras, queima de sobrantes, ou queimadas, em todos os espaços rurais.
Mas, estas restrições mantêm-se sempre que índice de risco temporal de incêndio for igual, ou superior, a muito elevado.
Definições:
Queimadas – Uso do fogo para renovação de pastagens e eliminação de restolho e ainda, para eliminar sobrantes de exploração cortados mas não amontoados.
Fogueira – Combustão com chama, confinada no espaço e no tempo, para aquecimento, iluminação, confeção de alimentos, proteção e segurança, recreio ou outros fins.
Devem ainda ser observadas as normas de segurança estipuladas no n.º 1 do art.º 39.º do Decreto-Lei n.º 310/2002, de 18 de Dezembro, que diz o seguinte: “É proibido acender fogueiras nas ruas, praças e mais lugares públicos das povoações, bem como a menos de 30 metros de quaisquer construções e a menos de 300 metros de bosques, matas, lenhas, searas, palhas, depósitos de substâncias suscetíveis de arder e, independentemente da distância, sempre que deva prever-se risco de incêndio”.
Levava consigo a célebre Mona Lisa e milhares de desenhos e outros manuscritos. O mestre da Renascença passava, assim, a ser o pintor do rei de França. O seu atelier no palácio de Francisco I já está aberto ao público.
Em Setembro faz 500 anos que Leonardo da Vinci, um dos mestres incontestados do Renascimento, chegou a casa do seu último mecenas, o monarca francês Francisco I. Foi no Palácio de Clos Lucé, no Vale do Loire, a escassos 700 metros do castelo real de Amboise, que o artista italiano viveu os últimos três anos, dividindo o seu tempo entre a arte e a ciência. Trabalhava nos jardins e no atelier, rodeado de algumas das pinturas que fez questão de manter até ao fim, entre elas a célebre Mona Lisa, o retrato que ainda hoje continua a intrigar académicos e curiosos, dando origem a um sem-número de teorias, umas mais fundamentadas do que outras.
Diz-se que recebia com frequência o rei, que para ali chegar percorria um túnel subterrâneo que liga o castelo ao palácio de meados do século XV e assim mantinha discretas as suas visitas ao pintor.
As divisões que Leonardo (1452-1519) terá ocupado em Clos Lucé estão agora totalmente restauradas. Desde Junho, é possível percorrer três novas salas em que foi recriado o ambiente de trabalho do mestre, e que estavam até aqui encerradas. O seu atelier, a biblioteca e o gabinete de curiosidades (um espaço onde arte e ciências naturais se encontravam, “antepassado” daquilo a que hoje chamamos “museu”) foram recompostos com todo o cuidado, procurando reproduzir mobiliário, desenhos, frescos e até a luz ao mais ínfimo pormenor, recorrendo a documentação da época.
Sobre a mesa vêem-se agora pigmentos vários – sanguínea e terra de Siena, entre muitos outros – e utensílios para trabalhar em papel e metal: há compassos e réguas, penas de ganso e pontas de prata, mas há também velas, lupas e pontas-secas que usava, certamente, para a gravura. Nas prateleiras estão arrumadas reproduções dos livros que nunca deixava para trás, grossos volumes em papel velino de obras de cientistas-historiadores como Claudio Ptolomeu e Plínio, o Velho.
François Saint-Bris, presidente do Palácio de Clos Lucé, faz parte da família que em 1854 comprou esta propriedade carregada de história e abriu as suas portas ao público. Depois de 15 anos de trabalhos, que custaram 12 milhões de euros, inteiramente autofinanciados (este palácio-museu recebe 360 mil visitantes por ano), a última casa de Leonardo, a mesma onde o rei francês passou boa parte da infância, tem agora uma atmosfera muito próxima da que teria no Renascimento, disse ao diário francês Le Monde o presidente e proprietário: “Era preciso devolver a Leonardo o que lhe era devido – o espírito e a aparência do século XVI.”
As obras de conservação e restauro que permitem mostrar Clos Lucé como ele seria quando o mestre da Renascença ali viveu e trabalhou fazem parte de um ambicioso projecto de intervenção que começou em 2003 com o restauro das fachadas do palácio e da capela e a criação do Parque Cultural Leonardo da Vinci, com 20 modelos das suas máquinas à escala natural. Seguiram-se melhoramentos no exterior do edifício e nos jardins – em 2008 foi inaugurado um espaço com muitas das mais de 300 espécies botânicas desenhadas pelo artista – até que, nos últimos seis anos, os trabalhos passaram a concentrar-se no interior.
O quarto onde terá morrido e de onde se via muito bem o castelo do rei ficou terminado em 2011, enriquecido com preciosos móveis da época, escreve o diário francês, chamando a atenção para um contador napolitano em ébano e marfim que aparece em grande destaque nas fotografias do site oficial do palácio. Quatro salas na cave mostram o Leonardo-engenheiro em 40 modelos das suas máquinas construídos a partir dos esboços e das anotações que deixou. São aeroplanos, tanques, helicópteros, automóveis, máquinas visionárias que reflectem o génio de um homem que viveu sempre à frente do seu tempo e que, muito provavelmente, gostaria de ver instalado nos domínios de Clos Lucé, recentemente acrescentados, o centro de investigação em arte e ciência que a família Saint-Bris, segundo o jornal britânico The Telegraph, planeia ali ter construído até 2025.
Três pinturas na bagagem
Leonardo da Vinci tinha 64 anos quando atravessou os Alpes de mula, carregando três das pinturas em que trabalhou até morrer, a 2 de Maio de 1519. Segundo os relatos conhecidos, tê-lo-ão acompanhado nessa longa viagem o seu fiel criado milanês, Battista de Villanis, e Francesco Melzi, o discípulo dilecto a quem deixaria em testamento os seus manuscritos e desenhos. É que, além das pinturas – Mona Lisa, São João Baptista e A Virgem e o Menino com Santa Ana –, Leonardo levava consigo milhares de notas e esboços sobre astronomia, hidráulica, anatomia, arquitectura, cosmologia, geologia e até paleontologia reunidos nos seus famosos cadernos, hoje espalhados por várias instituições em todo o mundo, como as bibliotecas Britânica (Londres) e Ambrosiana (Milão), o Museu Victoria & Albert (Londres) e o Castelo Sforzesco (Milão), a impressionante casa dos duques de Milão (um deles, Ludovico Sforza, foi o grande patrono do mestre da Renascença).
Teatro, galinhas e ovelhas… como era a vida nas naus portuguesas?
A água não se podia beber, os ratos eram uma constante... mas também havia ovelhas e galinhas. E teatro. Como era a vida nas naus portuguesas?
Os marinheiros das naus eram, muitas vezes, criminosos obrigados pelo estado a cumprir a sua pena ao serviço dos descobrimentos devido à falta de voluntários (muito por causa do facto de Portugal ter menos de 1 milhão de habitantes naquela época e ter construído um império que se espalhou por todo o mundo, havendo por isso falta de mão de obra).
Interior de uma nau
Os porões dos navios viviam infestados de ratos e baratas. A maioria dos tripulantes fazia suas necessidades ali mesmo. Por isso, uma série de doenças acabava matando muita gente a bordo. A principal delas era escorbuto, causada pela falta de vitamina C no organismo.
O alimento básico eram 400 gramas de um biscoito duro e salgado, distribuído diariamente. O tal biscoito era descrito como “fedorento” e “podre das baratas”.
Todos os tripulantes recebiam também a cada mês: 15 quilos de carne salgada, cebola, vinagre e azeite. Os capitães eram autorizados a transportar galinhas e ovelhas para completar sua alimentação.
Teatro, galinhas e ovelhas… como era a vida nas naus portuguesas?
A água não se podia beber, os ratos eram uma constante... mas também havia ovelhas e galinhas. E teatro. Como era a vida nas naus portuguesas?
Os marinheiros das naus eram, muitas vezes, criminosos obrigados pelo estado a cumprir a sua pena ao serviço dos descobrimentos devido à falta de voluntários (muito por causa do facto de Portugal ter menos de 1 milhão de habitantes naquela época e ter construído um império que se espalhou por todo o mundo, havendo por isso falta de mão de obra).
Interior de uma nau
Os porões dos navios viviam infestados de ratos e baratas. A maioria dos tripulantes fazia suas necessidades ali mesmo. Por isso, uma série de doenças acabava matando muita gente a bordo. A principal delas era escorbuto, causada pela falta de vitamina C no organismo.
O alimento básico eram 400 gramas de um biscoito duro e salgado, distribuído diariamente. O tal biscoito era descrito como “fedorento” e “podre das baratas”.
Todos os tripulantes recebiam também a cada mês: 15 quilos de carne salgada, cebola, vinagre e azeite. Os capitães eram autorizados a transportar galinhas e ovelhas para completar sua alimentação.
Retrato robô de Guilhermina Adelaide, que ficou conhecido por "A Pianista" ou "A Cepa", concebido a partir de escassa descrição e um retrato antigo
JOÃO ROBERTO
Roubava o que estava à mão enquanto dava lições de piano. Como nunca foi apanhada, passou a atacar ourivesarias. E começou a dar nas vistas, apesar de se conseguir safar atirando as culpas para o filho. Foi presa várias vezes, mas o pior aconteceu quando se ligou ao Mesquita. Este é o segundo caso da série “Crime à Segunda”, que o Expresso está a publicar sobre criminosas portuguesas
Acontecia a mãe bater-lhe, mas José António sabia que era apenas para evitar que chamassem a polícia. Guilhermina Adelaide, mais conhecida por "a pianista", usava o filho menor nos roubos de roupas, tecidos e joias que depois vendia ou empenhava. Presa por diversas vezes, conseguiu livrar-se de ir a julgamento até que arranjou um amante e... foi degredada.
O país andava entusiasmado com os últimos acontecimentos no Parlamento: na sessão de sábado 7 de maio de 1887, um deputado exaltado dera uma bofetada ao ministro da Marinha quando se discutia o incidente com marinheiros bêbedos no Arsenal. A dada altura, Henrique de Macedo, de 44 anos, levantou-se para proferir na cara de Ferreira de Almeida, de 40: "Não tenho medo do senhor, nem aqui nem lá fora". Disse-o por três vezes. Nas duas primeiras, o deputado respondeu-lhe por palavras, à terceira foi com a mão.
Seis horas depois, o autor da bofetada era metido na cadeia por quatro meses. A ordem de prisão foi assinada pelo próprio ministro do governo do Partido Progressista. Perguntará o leitor: e o que é que resultou deste "estranho incidente"? "Um ministro fora do poder e um deputado fora da Câmara: um conselheiro da coroa saído dos conselhos da dita coroa, e um oficial de marinha encarcerado nos ferros de el-rei: dois homens ao mar", lê-se numa crónica na revista literária e artística "Ilustração Portuguesa", de maio de 1887, em que se critica ainda o facto de o deputado estar preso "sem culpa formada e sem intimidação de culpa".
O deputado da oposição, também oficial da marinha, no tempo do rei dom Luís e do "primeiro-ministro" José Luciano de Castro foi detido mais rapidamente do que Guilhermina Adelaide, cuja prisão o matutino "O Século" apenas noticiaria dois dias depois. Há muito que esta professora de piano, bem vestida, elegante e simpática roubava casas e lojas lisboetas. Todavia, até à véspera do dia da bofetada, conseguira passar despercebida.
Era "uma industriosa", como titularam os jornais, mas foi um sinete de ágata com incrustações de prata dourada, no valor de cinco libras, que a tramou. Nos primeiros dias desse mesmo mês de maio, o senhor Coimbra, que possuía um bazar na rua do Alecrim, em Lisboa, fez queixa à polícia de que lhe desaparecera um desses objetos com que se imprimia no lacre brasões ou iniciais para autenticar ou garantir a inviolabilidade de cartas, encomendas e afins.
O cabo Loureiro, encarregado de investigar o furto, percorreu os caminhos habituais dos ladrões e encontrou o sinete no ourives Abranches, que lhe explicou tê-lo acabado de comprar (por menos de metade do valor) a uma mulher que prometera voltar para lhe vender uma medalha e outros objetos, os quais disse estarem empenhados e serem de uma senhora muito nobre, como conta o "Diário Ilustrado".
Guilhermina voltou à ourivesaria no dia seguinte, conforme previsto, mas o negócio saiu-lhe mal. Abranches chamou o cabo e a professora de piano e bordados foi detida. E levada para o Governo Civil, onde a apalpadeira - era tempo sem mulheres-polícia - lhe descobriu "uma cautela do Montepio Geral" referente a um alfinete de ouro com brilhantes que empenhara depois de o surripiar.
Palavra passa palavra, e outros comerciantes começaram a perceber como é que estavam a ser roubados, em especial os ourives da rua Larga de S. Roque (atual rua da Misericórdia) e da Praça de Dom Pedro V (Jardim do Príncipe Real), as maiores vítimas da pianista. Guilhermina Adelaide, acompanhada do filho de dez anos, entrava numa loja, fosse de ouro e prata ou de fazendas, dizia querer ver determinada coisa, depois ia pedindo mais; no ínterim, enquanto o caixeiro ia e vinha, o rapaz guardava no bolso o que a mãe lhe indicava.
Guilhermina Adelaide ia dizendo ao lojista ter sido "encarregada da escolha por uma pessoa de alta posição", para justificar no final porque não comprava nada, após lhe exporem tanta mercadoria no balcão - alegava que andava só a ver para informar eventuais compradores. A maior parte dos comerciantes, ludibriados sem no imediato se aperceberem, apenas a considerava uma "freguesa maçadora".
Se o comerciante ou o caixeiro, como se denominava o empregado de balcão, desconfiava do miúdo ou dava pelo furto, "a mulher ralhava com o filho, chegando mesmo a bater-lhe, mostrando-se muito indignada, pedia desculpa, e retirava-se em paz. Quando não davam pela maroteira punha-se a andar tendo feito um bom negócio", lê-se no "Diário Ilustrado" de 7 de maio de 1887.
PRESA, SOLTA, PRESA, SOLTA... SEMPRE LADRA
Do Governo Civil, Guilhermina Adelaide, de 27 anos, foi transferida para o Aljube e a criança para o antigo convento das Mónicas, transformado em casa de correção de rapazes, já que não apareceu ninguém para pagar a fiança. Dez dias volvidos, a professora estava cá fora, retomando a sua vida normal, ou seja, o crime. Cinco meses depois, a 6 de setembro, mais ou menos quando o esbofeteado ex-ministro da Marinha resolveu desafiar para um duelo o deputado Ferreira de Almeida, é presa de novo, suspeita de "uma fornada de crimes".
Desta vez, a segunda, a professora esteve no Aljube sete dias. Ao que parece, tinha uma certa ligação com um advogado cheio de arte que conseguia desfazer o processo antes de o escrivão o organizar a tempo de não ultrapassar os oito dias de prisão preventiva. "Seja como for, a verdade é que a criminosa tão depressa era presa pela polícia como liberta pela justiça... por falta de provas", conta Ferraz de Macedo na revista "Galeria de Criminosos Célebres em Portugal: história da criminologia contemporânea", começada a publicar em 1896.
No início do ano de 1888, a 3 de janeiro, Guilhermina voltou a ser detida, por furto de um corpo de vestido e de um chapéu da casa de duas modistas na baixa de Lisboa, numa área que parece ser das suas preferidas, especialmente depois de se tornar demasiado conhecida dos comerciantes do Bairro Alto. Desta feita, teve azar e ficou 13 meses no Aljube, local no bairro de Alfama que desde a era dos árabes na Península Ibérica tem servido de prisão, "muito embora o tempo lhe tenha atribuído características diferentes", como explica Eliana Catarina Gonçalves de Oliveira na sua dissertação de mestrado em História Contemporânea.
"No período medieval foi prisão para os delinquentes em matéria eclesiástica, vertente que se prolongou até à implantação do liberalismo no século XIX, altura em que se extinguiu o foro eclesiástico e todos os cidadãos passaram a ter uma justiça comum. Entre os finais do século XIX e inícios do século XX, o edifício do Aljube serviu de prisão de mulheres", resume a autora da tese "Aljube, uma história política".
Na época de Guilhermina Adelaide, o edifício situado um pouco mais acima da prisão para homens no Limoeiro, de quem vai da baixa para o castelo de S. Jorge, serve de estabelecimento prisional para criminosas comuns. "Até à data do seu encerramento em 1965 - adianta Eliana de Oliveira - o Estado Novo usava o Aljube como cadeia para encarcerar os presos políticos na fase instrutória dos processos." Por isso é, desde 2015, o museu da "Resistência e Liberdade", com o qual se pretende, como afirma a direção, "assegurar que o nosso futuro não seja amputado do nosso passado".
O edifício do Aljube, em 2001, antes de ser transformado em museu. Nesta altura, assemelhava-se ainda à cadeia onde esteve presa Guilhermina Adelaide
ANA BAIÃO
Francisco Ferraz de Macedo, que nasceu para ser alfaiate como o pai mas acabou por se formar em farmácia e em medicina, conheceu Guilhermina Adelaide: "Quem a visse por então, aí nos anos 1887 ou 1888, alta, delgada, fisionomia atraente, vestida com elegância e até com luxo; quem a ouvisse falar com aquela facilidade e largueza de expressão de quem sabe muito bem o que dizer, não julgaria estar diante de uma mulher padecendo de todos os vícios até à escala do crime".
"Esta mulher tinha recebido uma educação aprimorada, no sentido que estas duas palavras em conjunto possam ter, tratando-se de maiores ou menores habilitações literárias realçadas pelas prendas com que é de uso dotar as meninas nascidas num certo meio de abastança", afirma o investigador, conhecido pela sua coleção de mais de mil crânios e mais de cem esqueletos humanos.
"A pianista" ou "A Cepa", como a polícia e os jornais a tratavam, era uma mulher inteligente, com alguma cultura, falava línguas, sabia bordar e tocar o instrumento que, à época, qualquer menina de família devia saber aprender. Terá sido no domicílio das suas alunas que começou a roubar, ganhando o à-vontade de quem não é apanhado. E não o foi, durante uns anos. Os donos das casas davam pela falta de objetos ou de roupas, mas nunca desconfiavam da professora de piano cheia de maneiras e "excelente aparência".
Ferraz de Macedo também conheceu o marido da pianista - aliás, é por causa de respeitar esse "honesto comerciante de província" que não divulga os apelidos da criminosa. No entanto, os jornais não os poupam: Guilhermina Adelaide Couto Melo Araújo e Cepa, de nome completo, casou cedo, aos 17 anos, provavelmente (assim acontecia) por conveniência da família ou porque já estava grávida. Se José António tinha dez anos quando Guilhermina deu entrada nas Mónicas, significa que nasceu no ano do casamento, isto é, em 1877.
O marido, cujo nome se evaporou no tempo, quando soube não quis acreditar. Casou apaixonado pelo "anjo de candura" que a rapariga parecia ser e viveu feliz os primeiros anos de matrimónio. Quando se foi apercebendo de que vivia no engano, deixou-se sugar pelo desgosto e pela própria mulher. Perdeu tudo - “a honra, os meios de ganhar a vida e até a razão!” -, e, segundo constou, passou a viver da caridade de alguém amigo.
"Felizmente para esse infeliz, a idiotia primeiro e depois a morte privaram-no de assistir ao desenrolar de todo o pungitivo drama de que foi protagonista sua mulher", escreveu Ferraz de Macedo, homem de ciência e de teorias avançadas no campo da criminologia, estudioso de diversos casos do século XIX.
A FAMIGERADA CEPA E O MESQUITA
Ao invés de a afastar do crime, as estadas na prisão levaram Guilhermina Adelaide a refinar o talento com as convivas do Aljube e a envolver-se, nos períodos de soltura, com gente marginal. Ainda não era viúva quando se apaixonou por um ladrão especialista em arrombamentos, conhecido por Mesquita.
Quando saiu da cadeia, ao fim de mais de um ano, Guilhermina resistiu apenas um mês e pouco em liberdade. Numa loja da mesma rua onde roubara o chapéu à mademoiselle Clément, "empalmou um corte de fazenda para calças de homem". Se calhar roubou para vestir o Mesquita, mas perdera a destreza para entalar o roubo no vestido ou escondê-lo debaixo da capa, como dantes era perita.
O falhanço valeu-lhe mais quatro meses atrás das grades. Foi solta a 16 de agosto de 1889. Neste ano, irá aguentar-se em liberdade, não contará para a estatística das prisões, não será uma das 11.940 pessoas presas, menos 422 do que no ano anterior, numa Lisboa com cerca de 300 mil habitantes.
Já não é tão fácil roubar como dantes. Os comerciantes atravessam um período de crise provocado pelas dificuldades financeiras que afetam o reino, o que os torna mais sensíveis à gatunagem disfarçada. O poder de compra diminuiu, associado ao aumento de impostos e ao corte nos ordenados; o crime amenta, assim como a experiência das vítimas. Há mais queixas de furtos.
A vida também se complica para Guilhermina. Já se tornou demasiado conhecida dos possíveis alvos e da polícia, mas tem de sobreviver. Então, viúva e sem a tutela do filho, foi morar com o seu namorado Mesquita. Aguentou dez meses "tocando piano pelos cafés refilões sem que a polícia tivesse conhecimento de alguma nova partida da ladra", elucida Ferraz de Macedo. De facto, não se ouve falar dela durante esse tempo: ou conseguia fazer a coisa bem feita ou dedicou-se mesmo ao trabalho.
Em Outubro de 1890, porém, tudo voltou ao mesmo mas para pior. O casal mudou-se para um quarto andar do nº 17 da rua da Padaria, que liga a rua dos Bacalhoeiros ao largo de Santo António da Sé, e reparou que a mulher a quem subalugaram o quarto possuía papéis que valiam dinheiro, e uma boa quantia.
A arrendadora era, de facto, inquilina desse quarto andar, mas recebia outros "hóspedes". Ora, quando deu por falta das três inscrições de dívida pública, desconfiou que o ladrão fosse um deles e não esperou para fazer queixa à polícia. As chamadas inscrições valiam 300 mil-réis, o vencimento anual dos contadores dos tribunais administrativos, uma espécie de auditores de contas.
A notícia da prisão de Guilhermina Adelaide, no "Diário Ilustrado" de 7 de maio de 1887
HEMEROTECA MUNICIPAL DE LISBOA
O comissário da primeira divisão, ao saber que entre os hóspedes se encontravam "a famigerada Cepa e o Mesquita", mandou logo dois polícias "deter os dois figurões", noticiou o "Diário Ilustrado", acrescentando: "O Mesquita, porém, que é fadista de marca, pegou numa garrafa e deu com ela na cabeça do 107, ferindo-o gravemente na testa. Um burburinho diabólico, que acabou pela prisão da Cepa e do Mesquita".
Já no comissariado, Guilhermina negou o roubo, como sempre fizera quando era apanhada. O seu companheiro também se disse inocente, mas no dia 22 de outubro de 1890 ela dava entrada no Aljube e ele no Limoeiro, atualmente o Centro de Estudos Judiciários. Os dois são condenados, sem apelo nem agravo, ao degredo em África. A pianista foi deportada para Angola no dia 6 de maio de 1892, morrerá poucos anos depois.
Como diz o criminologista desse tempo, Ferraz de Macedo, "os gatunos têm um lado de semelhança com os toureiros: por mais hábeis, por mais cautos e peritos que sejam, lá vem um dia em que são colhidos".