Relatório oficial, a que o DN teve acesso, refere pouco mais de cem mil trabalhadores do Estado fora dos quadros
O grupo de trabalho que o governo nomeou para fazer o levantamento do número de trabalhadores precários no Estado concluiu que há pouco mais de cem mil trabalhadores que não estão nos quadros - e o setor da Educação é o que mais se destaca: 26 133. Contudo, não sabe dizer quantos destes são situações de falsos precários (trabalhadores com um vínculo indevido) ou trabalhadores em que a situação precária se justifique.
Num documento intitulado "Relatório/levantamento dos instrumentos de contratação de natureza temporária na administração pública", o grupo de trabalho assume-o claramente: "Ainda não é possível identificar em concreto qual a dimensão da precariedade existente na administração pública (AP) e no Setor Empresarial do Estado (SEE), na medida em que a sua identificação estará associada à indevida utilização dos instrumentos contratuais contratuais utilizados pela AP pelo SEE".
Por exemplo: na Defesa haverá 12 271 "contratos de trabalho a termo resolutivo". Mas estes "correspondem, na sua quase totalidade, a efetivos militares que prestam serviço nos ramos das Forças Armadas em regime de voluntariado (RV), em regime de contrato (RC), e em regime de contrato especial (RCE)", ou seja, conforme previsto no Estatuto dos Militares das Forças Armadas.
Outro caso: no ministério da Administração Interna haverá 955 contratados a prazo. Mas entre estes "destacam-se os 920 contratos de trabalho a termo resolutivo celebrados pela GNR respeitam aos vigilantes florestais que guarnecem as torres de vigia durante a época estival, no período de maio a outubro de cada ano, no âmbito das fases Bravo e Charlie de combate a incêndios" - são portanto trabalhadores sazonais, dado o contrato a termo.
O grupo de trabalho assume que há ainda muito por fazer: "O próximo passo a desenvolver consiste na identificação das situações em que a utilização de instrumentos de contratação temporária esteja associada a necessidades de caráter permanente". Até ao final de março, "os serviços com recurso a instrumentos de contratação temporária deverão fazer uma análise detalhada das necessidades futuras de emprego público". E essa avaliação deverá "incluir uma projeção das saídas voluntárias (por aposentação, por exemplo)", bem como "a delimitação dos fatores que determinam a dimensão adequada do mapa do pessoal do serviço".
No quadro geral que já tinha ficado definido no Orçamento do Estado para este ano (OE 2017). Os precários que desempenham funções que "correspondam a necessidades permanentes dos serviços, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direção e horário completo" terão de concorrer a concursos em que a componente "experiência profissional no lugar a desempenhar" será "valorizada".
Ao governo competirá regulamentar "as condições em que o reconhecimento formal das necessidades permanentes dos serviços determina a criação dos correspondentes lugares nos mapas de pessoal". E "estes procedimentos devem ter início até 31 de outubro".
Ontem, o ministro das Finanças, Mário Centeno - que tutela o trabalho no Estado - reuniu-se (separadamente) com deputados do BE, PCP e PEV para lhes apresentar as conclusões do levantamento sobre número de precários. O documento será hoje publicitado oficialmente pelo governo.
O modelo que o BE adotou para negociar com o governo a vinculação ao Estado de trabalhadores atualmente em situação precária inspira-se no que foi utilizado em 1996 pelo primeiro-ministro socialista António Guterres e ainda num acordo assinado pelo próprio António Costa, enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, em 2008. Os dois processos implicaram, somados, que 40 800 trabalhadores passassem a ter um vínculo permanente e sólido: 40 mil no caso da lei de Guterres, 800 no da autarquia da capital.
Os partidos à esquerda do PS querem que os precários passem a ter vínculos permanentes e o que está agora em causa é como se fará isso, o ritmo da inclusão, por onde se começará e por onde se acabará. Até agora, o único número que conhecia era de 110 mil, revelado num estudo do economista do PCP Eugénio Rosa: 110 mil ao todo.
O modelo de Guterres que inspira o Bloco divide-se em duas partes. Por um lado, integrou nos quadros todos os trabalhadores contratados a prazo; por outro, abriu concursos à medida dos que trabalhavam no regime dos chamados recibos verdes. À medida porque podem ser concursos abertos a todos se valorizada a componente de experiência, criando assim um "fato à medida" da integração do trabalhador precário. Já o modelo com que António Costa colocou 800 funcionários nos quadros da Câmara Municipal de Lisboa previa, complementarmente, o uso de tribunais arbitrais em caso de controvérsia.
Já para o PCP uma coisa é certa: não são limitações orçamentais que podem condicionar a integração nos quadros do Estado de trabalhadores que atualmente sejam falsos precários.
Falando ao DN, Rita Rato disse que o governo "não se pode deixar condicionar neste processo por questões economicistas". Se os custos ultrapassarem o orçamentado, então - acrescenta a parlamentar comunista - o governo terá de "concretizar alternativas orçamentais". Ou seja: angariar fontes de receita suplementares.
Até agora, o processo de levantamento estatístico tem sido conduzido pelas Finanças. Porém, quem ficará a coordenar o ingresso dos precários nos quadros - e a negociar isso com a esquerda - será o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, José António Vieira da Silva.
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