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POESIA E MÚSICA DA RESISTÊNCIA

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15
Mar17

A história da mulher com células imortais que salvam vidas há 60 anos

António Garrochinho
Células de Henrietta LacksDireito de imagemGETTY IMAGES
O ano de 1951 marcou o início de um grande avanço para a biotecnologia. Tudo começou com a chegada de uma mulher de origem humilde a um hospital nos Estados Unidos. As células dela revolucionariam a ciência médica.
Henrietta Lacks teve câncer no colo do útero pouco antes de morrer, e um médico retirou um pedaço de tecido para uma biópsia, sem pedir autorização, já que na época ainda não havia legislação específica sobre o assunto.
Desde então, as células removidas do corpo dela vêm crescendo e se multiplicando. Há bilhões delas em laboratórios do mundo todo sendo usadas por cientistas, que as batizaram de linha celular HeLa, uma referência ao nome de Henrietta.

"Não dá para saber quantas células de Henrietta ainda circulam. Um pesquisador estima que, juntas, pesariam 50 milhões de toneladas, algo inconcebível, porque cada uma pesa quase nada", disse Rebecca Skloot, autora do livro A Vida Imortal de Henrietta Lacks.
Como a retirada foi feita sem autorização, os familiares dela - ainda vivos - precisaram lutar por muitos anos por seus direitos e chegaram a acionar a Justiça por uma compensação financeira, já que são cobrados altos valores pelas células de Henrietta.
No mês passado, o filho mais velho, Lawrence, afirmou que os parentes devem ainda neste ano tentar novamente processar o Centro John Hopkins, onde o procedimento foi feito.
Henrietta LacksDireito de imagemSCIENCE PHOTO LIBRARY
Image captionHenrietta teve cinco filhos e morreu de câncer no colo do útero

História

Em 1860, o proprietário de uma plantação na Virgínia chamado Benjamin Lacks se casou com uma das mulheres que trabalhavam na fazenda. Eles tiveram dois filhos.
Em 1942, Henrietta Lacks decidiu se mudar para a cidade, por isso, seu marido - bisneto de Benjamin - a levou para Baltimore: em tempos de guerra, o trabalho era escasso.
A 10 km de onde morava Henrietta, ficava o laboratório do Dr. George Gey, cuja ambição era livrar o mundo do câncer. Ele estava convencido de que encontraria a chave para a cura da doença nas próprias células humanas.
Por 30 anos, ele vinha tentando cultivar células cancerosas em laboratório. Para isso, misturava tecidos doentes com sangue de corações de galinhas vivas, esperando que estas células doentes se reproduzissem para que ele pudesse estudá-las. Mas elas sempre morriam.
Até que, em 1º de fevereiro de 1951, Henrietta Lacks foi levada ao Hospital John Hopkins. "Eu nunca vi nada assim, nem nunca voltei a ver", disse o ginecologista que a examinou, Howard Jones, à BBC em 1997.

George Gey
Image captionO doutor Gey queria encontrar a cura do câncer
"Era algo muito diferente e especial, que se revelou um tipo de tumor. A história era simples: ela sangrava entre as menstruações, tinha dores abdominais, o que não é necessariamente um sinal de câncer", diz o médico.
"Quando examinei o colo do útero, fiquei surpreso, porque não era um tumor normal. Era roxo e sangrava facilmente quando tocado."
O tumor não respondeu bem ao tratamento, e Henrietta Lacks morreu de câncer cervical em outubro de 1951, quando tinha apenas 31 anos.Sua família a enterrou perto das ruínas da casa onde ele nasceu. E a ciência a esqueceu.

Células imortais

As células do tumor que foram retiradas do corpo de Henrietta foram mantidas na unidade hospitalar de câncer do hospital, porque Gey havia descoberto que elas podiam ser cultivadas indefinidamente no laboratório.
Era o que ele tinha procurado por tantos anos e até batizou a sequência celular de HeLa, pelas duas primeiras letras do nome e do sobrenome de Henrietta Lacks.
"Em poucas horas, a HeLa pode ser multiplicada prolificamente", diz John Burn, professor de Genética na Universidade de Newcastle, Reino Unido.
De fato, uma leva inteira de células de Henrietta pode ser reproduzida em 24 horas. Foram as primeiras células humanas imortais cultivadas em laboratório e já vivem há mais tempo fora do que dentro do corpo de Henrietta.

Por que são tão importantes?

Tumor sangrando
Image captionHenrietta tinha um tumor que sangrava muito
"Há muitas situações em que precisamos estudar tecidos ou patógenos no laboratório", diz Burn.
"O exemplo clássico é a vacina contra a poliomielite. Para desenvolvê-la, era necessário que o vírus crescesse em células de laboratório, e, para isso, eram necessárias células humanas".
As células HeLa acabaram sendo perfeitas para esse experimento, e as vacinas salvaram milhões de pessoas, fazendo com que essa linha celular ficasse mundialmente conhecida.
Elas não somente permitiram o desenvolvimento de uma vacina contra a poliomielite e inúmeros tratamentos médicos, mas foram levadas nas primeiras missões espaciais e ajudaram cientistas a prever o que aconteceria com o tecido humano em situações de gravidade zero.
Célula HeLaDireito de imagemGETTY IMAGES
Image captionAs células Hela já foram usadas em centenas de experimentos
Além disso, os militares dos EUA colocavam grandes garrafas com células HeLa em lugares que em que eram realizados experimentos atômicos.
Elas também foram as primeiras a serem compradas, vendidas, embaladas e enviadas para milhões de laboratórios em todo o mundo - alguns deles dedicados a experiências com cosméticos, para avaliar os eventuais efeitos colaterais indesejados dos produtos.
Resumindo, além da contribuição científica, faturou-se bilhões de dólares em produtos testados em células HeLa. E tudo foi feito sem o conhecimento e consentimento da família de Henrietta Lacks.
"Nos anos 1940 e 1950, os tumores e tecidos retirados em um procedimento médico eram considerados como "abandonados", e, por isso, não estava claro que seria necessário pedir permissão para usá-los em investigações que iriam além do tratamento do paciente.

Família

Foi somente em 1973 que a família de Lacks soube pela primeira vez que as células de Henrietta ainda estavam vivas. Uma equipe de geneticistas procurou os familiares para fazer um exame DNA após a suspeita de uma teoria de que a cura do câncer poderia estar na manipulação dos genes.
Eles encontraram o marido de Henrietta e seus quatro filhos, que ainda viviam em Baltimore. Foi um verdadeiro "choque de culturas", como classificou e descreveu Rebecca Skloot quando publicou no livro sobre a história de Henrietta.
"Um dia, um pesquisador de pós-doutorado chamou o marido de Henrietta, que não tinha terminado a escola e não sabia o que era uma célula e disse a ele: sua esposa viva em um laboratório e a utilizamos na pesquisa científica há 25 anos. Agora, quero examinar seus filhos para ver se eles têm câncer", resumiu ela.
"Eles tiraram amostras de sangue de todos os filhos de minha mãe e disseram que queriam verificar se o que ela tinha era hereditário", disse David Lacks Jr. à BBC em 1997.
Bobbette Lacks, filha de Henrietta, ficou chocada: "Eu disse, 'estão trabalhando com células da minha mãe?". E ele respondeu: 'sim, as células ainda estão vivas'. Fiquei chocada, e ele me disse que já trabalhava com elas há anos". Enquanto isso, as células HeLa eram vendidas em grande volume e por milhões de dólares.
Quando a família Lacks percebeu o que eles estavam fazendo com as células de Henrietta, dediciram consultar advogados para ver se eles tinham direito a receber dinheiro da indústria de biotecnologia.
"Pesquisei e descobri que as células tinham sido vendidas para todos os lugares e queria saber quem havia enriquecido com as células da minha mãe. Estava enojado", disse David Lacks Jnr.

Contribuição

Células HeLa congeladasDireito de imagemSCIENCE PHOTO LIBRARY
Image captionA células HeLa se proliferaram em laboratórios pelo mundo
Além da questão financeira, a família de Henrietta lutou pelo reconhecimento da contribuição dela para a ciência e lançou uma campanha. "Apesar de ter sido uma contribuição involuntária, foi muito significativa", disse John Burn.
"As células dela têm sido a base de dezenas de milhares de estudos médicos em todo o mundo e em diversos tamos da ciência biológica. Foi um elemento crucial para o desenvolvimento no século 20", diz o geneticista.
Como resultado da campanha de sua família, Henrietta Lacks tornou-se uma heroína científica. Mas a família não teve sorte até agora no que diz respeito à compensação.
Em agosto de 2013, a família Lacks conquistou o controle parcial sobre o acesso de cientistas ao código de DNA das células de Henrietta.
Seu filho mais velho, Lawrence, de 82 anos, afirmou que a família ainda não está satisfeita e quer uma indenização, além do reconhecimento sobre a contribuição dela para a ciência.
Em fevereiro, a família anunciou que deve continuar a batalha na Justiça contra o Centro Médico John Hopkins para receber compensações pelas vendas das células. O centro nega que tenha lucrado com a venda e distribuição da linha celular HeLa.


www.bbc.com
15
Mar17

O confronto político do Livorno contra os fascistas da Lazio

António Garrochinho


           Em algumas partes do mundo o futebol possui uma forte conotação política. Podemos citar como exemplo o glorioso clube St. Pauli na Alemanha, onde a maioria de seus torcedores são comunistas, anarquistas e libertários. Do mesmo modo temos o Rayo Vallecano na Espanha, West Ham United na Inglaterra, o Celtic na Escócia etc. E, claro, não podemos deixar de citar o Livorno na Itália, que faz encher os nossos olhos d’água de emoção.
           
Na Europa, apesar dos nazistas se infiltrarem nos estádios e fazerem seu merchandising rotineiro, há um outro lado que a imprensa não divulga: a participação e organização dos antifascistas nos estádios de futebol, que muitas vezes terminam em batalha campal contra os fascistas. 
FUTEBOL E POLÍTICA
           De um lado, o futebol operário, ou comunista, como o Livorno é chamado na Itália. Esta equipe não chegava à Série A faz 55 anos e seus integrantes e torcedores reclamam de discriminação dos árbitros, que não os querem na primeira divisão só porque são todos de esquerda. Do outro lado, o clube que congrega torcedores ligados a organizações de extrema-direita ligadas ao nazi-fascismo, o Lazio, que era a equipe de coração de Benito Mussolini. Seu filho, Bruno, chegou até a ser presidente. Ainda hoje a Lazio é considerada uma das equipes mais racistas do mundo. Assim se resumem estes dois times do futebol italiano, que ultimamente vêm chamando a atenção do cenário futebolístico (e político) internacional.
           “A política está em todas as coisas, inclusive na minha camiseta”, disse à BBC Brasil o atacante do Livorno, Cristiano Lucarelli, um comunista assumido, que já rejeitou convites de clubes maiores por causa de suas convicções políticas. “Claramente (a política) se apresenta no futebol e tudo indica que possa influenciá-lo”. Segundo o deputado livornense Marco Susini, Lucarelli está certo: “Ele diz o que pensa 80% da cidade”.
           “Estamos sendo prejudicados porque nossos torcedores foram a Milão provocar o primeiro-ministro”, diz ao referir-se ao jogo do ano passado contra o Milan, quando a maioria dos 10 mil torcedores do Livorno cantaram músicas comunistas e usaram lenços brancos na cabeça, imitando o primeiro-ministro — e proprietário do Milan — Silvio Berlusconi, que usou um destes lenços logo depois de ter feito um implante capilar. O prefeito Alessandro Cosimi evita falar em complô, mas reclama dos gols invalidados e das faltas não dadas a favor do time.
A BATALHA POLÍTICA ENTRE O LIVORNO E A LAZIO
           A batalha política contra a torcida fascista da Lazio poderia muito bem ser creditada aos dois outros times que ficam na mesma região: Roma. Temos, de um lado, o Roma, que é o time do proletariado romano, e do outro, o Milan, o time do antifascismo milanês, que em 1968 inspirou as “Brigadas Rubro-Negras”, as tropas de assalto da torcida milanista. Entretanto, o Milan foi comprado por Silvio Berlusconi (que torce pelo Milan), primeiro-ministro da Itália e político neo-liberal da direita italiana, sendo agora “propriedade privada” dele. Enquanto o Roma, que é chamado o “time do povo”, continua na sua luta, mas não tanto quanto o Livorno, cuja torcida é assumidamente comunista e seu time um exemplo a ser seguido.
           “Agora temos um jogador brasileiro”, disse o jovem Ricardo Nocci, empunhando uma bandeira do Brasil, refererindo-se a recente contratação do atacante Paulinho, ex-jogador do Juventude. “É uma homenagem a ele e também ao povo brasileiro”. No último encontro do Livorno contra o Cagliari, em meio a centenas de bandeiras vermelhas, duas brasileiras se destacavam. Na ocasião, Paulinho, que ainda não estreou na equipe, ficou surpreso ao ver que a quantidade de bandeiras comunistas nas arquibancadas era maior que a do time. “Não sei de nada. Só estou ouvindo falar disso agora”, afirmou o jogador de 19 anos. “Nos próximos dias vou procurar entender melhor o que representa tudo isso”.
           Em Livorno, na região da Toscana, a 86 km de Florença, onde Antonio Gramsci fundou o Partido Comunista Italiano em 1921, a maioria da população de 175 mil habitantes torce pelo time. Entre os jogadores, grande parte é comunista, anarquista ou progressista. “Não há torcedor do Livorno que não seja de esquerda”, afirma o estudante Christian Biasci, um entusiasmado torcedor, que usava uma camiseta com a inscrição CCCP, da antiga União Soviética. “Aqui somos todos comunistas”.
           Se o Livorno conta com seus integrantes e torcedores de esquerda, a Lazio é conhecida pelo entusiasmo de simpatizantes de direita. Muitos de seus adeptos não aceitam a contratação de jogadores negros e latinos. Em 1998, a torcida da Lazio escandalizou o mundo quando exibiram uma faixa anti-semita dirigida aos judeus com os dizeres: “Auschwitz vossa pátria, os fornos vossas casas!”. Já em 2001, durante um jogo contra o Roma, a torcida da Lazio entoou cantos racistas contra os jogadores negros do Roma (entre os quais estavam jogadores brasileiros) e exibiram cartazes com os dizeres: “Equipe de
negros, fundo de judeus!”. Depois da partida houve confrontos nas arquibancadas que resultaram em nove feridos e sete detidos.
           Essa atitude racista dos adeptos da Lazio rendeu um protesto virtual da torcida corinthiana no mesmo ano. Hackers corinthianos invadiram o site da Lazio como forma de protesto e de acordo com a empresa responsável pela manutenção da página “as habituais notícias e links foram substituídas pelo logotipo do Corinthians, um clube brasileiro. Foram também colocadas palavras defendendo os jogadores brasileiros que atuam no Roma, entre os quais estão Cafú, Emerson e Antônio Carlos. A mensagem da torcida corinthiana dizia: “como vocês permitem outros italianos insultar os jogadores de cor, também vão sofrer a ira dos torcedores negros!”.
           Entre os jogadores da Lazio a figura mais destacada é o atacante Paolo Di Canio, recentemente multado em 10 mil euros (US$ 13.410) pela Liga de Futebol Italiana, por ter celebrado a vitória contra o Roma, em janeiro, fazendo a saudação fascista, com o braço direito estendido para frente e a mão esticada. Di Canio, que tem tatuado no braço a palavra “Dux” (em referência ao título de Duce, usado pelo líder fascista Benito Mussolini) e foi um torcedor radical da equipe antes de se tornar jogador, nunca fez segredo de suas posições políticas. Fascinado por Mussolini, diz que o ditador “tem sido profundamente incompreendido”. Para tentar escapar da multa, negou que sua comemoração tivesse sido de conotação política, afirmando que se tratava de uma mera saudação “romana”. A neta do Duce, a deputada Alessandra Mussolini, elogiou o ato do jogador: “Foi uma linda saudação romana”, disse ela na ocasião. “Me deixou muito emocionada”.
         
           Por outro lado, o comunista Cristiano Lucarelli do Livorno costuma comemorar seus gols com o braço esquerdo erguido e com o pulso fechado, como fazem os comunistas do mundo inteiro. Por causa disso, ele tem sido prejudicado. Em 1997, num jogo da seleção italiana sub-20, ao celebrar um gol, ele comemorou com a saudação comunista e mostrou que vestia embaixo do uniforme uma camiseta com a figura de Che Guevara. Recebeu um duro puxão de orelhas do treinador e nunca mais foi convocado.
           Ultimamente a Liga de Futebol Italiana tem perseguido também os comunistas, aplicando uma multa de 10 mil euros a Riccardo Zampagna, do Messina, por ter feito a saudação comunista em uma partida contra o Livorno no dia 16 de janeiro. A Liga disse que os jogadores “não devem fazer nenhum gesto indicando algum tipo de ideologia política que possa potencialmente provocar uma reação violenta dos torcedores”. O comunista italiano Marco Rizzi levou a questão em tom de brincadeira e assinalou diferenças entre o gesto de Di Canio e o de Zampagna: “a saudação fascista está proibida pela constituição nacional. Há uma diferença de mérito: em 1945 os comunistas ganharam a guerra e é também graças a eles que Berlusconi pode dizer as porcarias que diz. Se tivesse ganhado os pais de seus aliados no governo, isso não seria possível”, assinalou.
           Tanto Lucarelli como Di Canio, vêm de famílias pobres. Apesar do dinheiro ganho com o futebol, renunciaram a muito dinheiro para jogar nos times de seus corações. Di Canio abriu mão dos 900 mil euros, que ganhava com o Charlton Athletic, da Inglaterra, pelos 250 mil pagos pela Lazio. Já Lucarelli deu adeus ao 1,2 milhão de euros do Torino pelos 700 mil oferecidos pelo Livorno e segue recusando propostas mais tentadoras.
O CONFRONTO POLÍTICO ENTRE AS DUAS TORCIDAS
           Segundo o “Observatório Europeu contra o Racismo de Viena” o site da torcida “Irriducibili Lazio” é considerado como uma das mais “racistas da Europa”: “O site da torcida organizada da Lazio é particularmente perigoso, esta recheado de simbologia xenófoba, racista e fascista, e contém mensagens desse teor”, descreve o informe. Há pouco mais de um mês, no site da torcida da Lazio foram lançadas ameaças contra os seus adversários.
           No Livorno, uma de suas torcidas organizadas, a “Brigada Autônoma Livornense”, conta com metade de seus 500 integrantes proibidos de entrar em estádios. Tudo porque no dia em que comemoravam o retorno à Série A decidiram destruir a sede de um partido de direita na cidade.
           Quando os dois times se enfrentaram no estádio Olímpico de Roma no dia 10 de abril deste ano (2005), as torcidas se digladiaram política e fisicamente. Durante o jogo, foram exibidas, do lado da Lazio, bandeiras negras com o rosto de Mussolini, símbolos nazi-fascistas (suásticas e cruz celtas) e frases do tipo “ROMA É FASCISTA!” e outras contra o Livorno, tais como: “A Itália é Nossa, Livorno é Fossa Vermelha”, “Livornense Verme Vermelho, Teu Lugar é no
Esgoto”. A torcida da Lazio ainda entoou palavras de ordem anti-semitas e coros de “Faccetta Nera” (Faceta Negra, hino do fascismo) e “Duce! Duce!”, em homenagem a Benito Mussolini. A estas provocações, cerca de 200 livornenses responderam agitando bandeiras vermelhas com a foice e o martelo e imagens de Che Guevara enquanto cantavam “Bandiera Rossa” (Bandeira Vermelha) e “Bella Ciao”, hinos comunistas italianos, e gritaram palavras de ordem antifascistas.
           Na saída, a polícia agiu para evitar confrontos entre as duas torcidas (já que no ano passado havia acabado em confronto físico). Mas quando um grupo de torcedores do Livorno dirigia-se à estação ferroviária de São Pedro foram interceptados de forma provocadora pela polícia e responderam a esta provocação atirando
pedras nos policiais. Em poucos minutos desencadeou-se uma verdadeira batalha na estação, com vagões danificados e vidros quebrados. A polícia deteve seis torcedores do Livorno. Aproximadamente dez policiais e outros dez torcedores ficaram feridos nos incidentes. Presos, os torcedores do Livorno foram levados à delegacia e trancados em uma sala, sem água e comida por mais de 12 horas, até a manhã de segunda-feira.
 
A TENTATIVA DE SUBVERTER A LAZIO
           Há uma torcida organizada antifascista da Lazio chamada “Dissidenti”, o nome já diz tudo. São torcedores apaixonados pelo seu time de coração que resolveram se organizar para combater o fascismo que ronda sua equipe. A Dissidenti tenta subverter o time que é hoje considerado o mais racista da Europa. É realmente uma luta dura e difícil, já que grande parte dos torcedores da Lazio é de tendência fascista. A Dissidenti ainda é uma minoria, entretanto, não deixa de ser perseverante quanto à subversão de seu time. São declaradamente antifascistas e se orgulham em serem dissidentes. Torcemos para que um dia essa torcida colha bons frutos, mas, até lá, teremos que agüentar os adeptos da Lazio entoarem loas ao fascismo.


vailateral.wordpress.com

15
Mar17

ENTREVISTA COM BERNARDINO SOARES "Governo está a meio da ponte. Ou continua o caminho ou volta a cair"

António Garrochinho


Deputado ao longo de 18 anos, Bernardino Soares não se imagina a voltar à Assembleia da República. Mas nem por isso o atual presidente da Câmara de Loures deixa de comentar o que se passa no Parlamento.

O entrevistado do Vozes ao Minuto de hoje, faz a sua análise ao Governo de António Costa, que considera ter pernas para andar se continuar a seguir o caminho proposto sobretudo pelo PCP. Caso contrário, corre o risco de cair.

Que análise faz ao governo de António Costa?
É um Governo que por causa da solução política que o suporta inverteu algumas das medidas negativas do governo anterior, concretizou algumas melhorias e alguns avanços que são importantes e agora está um bocadinho a meio da ponte, entre continuar nesse caminho, com maior ou menor velocidade, com medidas como defende o PCP - procurar ganhar mais direitos para os trabalhadores, aumentar as condições dos serviços públicos e outras medidas desse tipo - ou voltar a cair ou continuar nas regras neoliberais da União Europeia e que, aliás, o PS sempre defendeu enquanto esteve no Governo.
O que é necessário para que siga em frente nessa ponte?
É preciso ter não só um forte investimento nos salários, nos rendimentos, nas reformas, nos salários, nas pequenas empresas, através do consumo interno, como um grande pendor de investimento público. E estamos com o investimento público mais baixo de sempre há varias décadas. Precisamos de mais investimento público. Cada milhão de investimento, em regra, dizem os economistas, potencia oito milhões de investimento privado. É claro que é uma regra da macroeconomia e na realidade pode não ser bem assim, mas a verdade é que não há nenhum país que se tenha desenvolvido a partir de uma situação de recessão, como foi o nosso caso, sem uma forte intervenção de investimento.
A História lembrará que, na noite das eleições, o Partido Socialista fez um discurso de derrota e foi só após os desafios do PCP que essa situação se inverteuPrecisamos de ter mais investimento público nem que para isso seja necessário romper com as regras do défice, porque estas são um garrote que nos limita o desenvolvimento.
Depois há também a questão da distribuição da riqueza. Temos de acabar com os benefícios aos grandes grupos económicos, aos setores mais poderosos do país e aumentarmos uma distribuição da riqueza mais justa em relação à população, a quem trabalha e a quem já trabalhou. Por outro lado, matérias como a legislação laboral e o combate à precariedade também são muitíssimo importantes. Uma das coisas que mais condiciona a vida dos trabalhadores no nosso pais é a precariedade, é não saber se no próximo mês ou dali a seis meses vão ter trabalho.
E como o apoio do PCP ao Governo?
O PCP foi decisivo nesta solução de Governo porque a História lembrará que, na noite das eleições, o partido socialista fez um discurso de derrota e foi só após os desafios do PCP, dizendo que o PS só não formava governo se não quisesse, que essa situação se inverteu.
Haverá momentos certamente de grande divergência entre Marcelo e o PCP e entre Marcelo e outras forças à EsquerdaNós não passámos a ser idênticos nas opções em relação ao PS, mantemos as nossas divergências e algumas são profundas em vários aspetos da vida política, mas não podíamos aceitar que continuássemos a ter um governo PSD/CDS que tinha tido minoria de votos no conjunto da eleição e que se preparava para continuar a aplicar uma política de destruição nacional. Não nos conformámos perante isso. Muitos dos ganhos que têm sido obtidos têm sido com a ação decisiva do PCP mesmo nas autarquias onde o partido tem uma reflexão e uma capacidade de proposta de grande qualidade e muito ligada às realidades locais.
Considera que Jerónimo de Sousa tem sido uma voz essencial no partido ou está na altura de uma nova liderança?
Ele tem uma voz essencial no país. É uma pessoa que é uma referência para largas camadas da população muito para além do PCP, pela justeza das posições que defende, que são do PCP, e pela forma direta, simples, mas não simplista, com que aborda diversos problemas. Julgo que para muitas pessoas ele representa o que gostariam de dizer nos sítios onde ele intervém. E isso é uma mais valia fantástica que tem a ver também com características do próprio, de humanidade, de experiência de vida, que o tornam uma personalidade ímpar no panorama político nacional e respeitado em todos os setores.
Mas eventualmente terá de ser substituído. Quem acha que está à sua altura para assumir a liderança do PCP?
Ele não precisa de ser substituído. Acabou de ser eleito em congresso para um mandato de quatro anos. Mas sim acabará por acontecer, todos nos vamos terminar os nossos mandatos.
E Marcelo Rebelo de Sousa tem tido um papel preponderante para o sucesso deste Governo?
Julgo que foi positivo que ele não tivesse obstaculizado esta opção política. Agora Marcelo Rebelo de Sousa é uma personalidade de Direita, em momentos em que é preciso ter um posicionamento político, ele tem marcado posições. Em relação à banca, as medidas negativas que o PS tomou em relação ao Banif, por exemplo, esta ideia de vender o Novo Banco, tem tido o apoio do Presidente da República.
Não há nenhuma razão hoje para não termos um comunista à frente da Câmara Municipal de LisboaNão tenho nada a criticar quanto ao estilo da sua proximidade das pessoas, isso é uma coisa positiva e não negativa, mas não deve confundir-se com as orientações políticas de um Presidente da República, que é uma coisa bem diferente. A história o dirá... como haverá momentos certamente de grande divergência com o PCP e com outras forças à Esquerda. Certamente irá acontecer.
Concorda que Marcelo tenta transmitir a ideia de que está sempre tudo bem?
Não penso que alguém, mesmo o Presidente da República, consiga esconder as coisas que estão mal quando estão mesmo mal.
Quanto às eleições à Câmara de Lisboa (CML), que análise faz, com nomes como Fernando Medina e Assunção Cristas em destaque?
Não, está enganada. Eu próprio tive a oportunidade de estar na apresentação do João Ferreira e até parece que já há outras [candidaturas]. Julgo que o João Ferreira é um dos quadros dirigentes mais destacados do PCP, tem um trabalho inigualável no Parlamento Europeu, teve um mandato de muita presença e muita participação e iniciativa política neste mandato na Câmara de Lisboa como vereador e é sem dúvida uma pessoa que tem todas as condições para ser presidente da CML.
Já ninguém quereria, nem mesmo alguns dos que o apoiaram, voltar a esse governo de destruição nacional que foi o governo PSD/CDS Ele está a destacar-se. Não há nenhuma razão hoje para não termos um comunista à frente da CML. Como o próprio João Ferreira diz: se a CDU e PCP estão em maioria nas câmaras da área metropolitana de Lisboa não há razão para isso não poder acontecer.
E de que forma é que pode marcar um papel diferente à frente desta autarquia?
Ele tem o seu programa, já apresentou algumas ideias contra uma política de especulação, que tem vindo a ser recenseada pela CDU em Lisboa. Mas eu não vou fazer o debate político por ele.
Acha que Assunção Cristas foi inteligente em candidatar-se a Lisboa?
A última experiência que o CDS teve nessa matéria foi quando o Paulo Portas se candidatou com uns cartazes em que dizia ‘Eu fico’. E não ficou. Não sei se a história se vai repetir ou não, mas penso que é uma candidatura de Direita de uma pessoa que, aliás, tem grandes responsabilidades pelas situações dramáticas que algumas pessoas vivem em Lisboa. Por exemplo, a Lei das Rendas que foi da sua responsabilidade política e que tem dificultado a vida a muitos inquilinos na cidade.
O PSD ainda não tem um candidato definido, sabendo-se que não avançará com uma coligação. Em quem acha que vai recair a escolha de Passos Coelho para este cargo?
Acho que ninguém consegue prever isso, nem o próprio. Não é uma questão de previsão, já é uma questão de encontrar alguém que queira.
E porque é que acha ninguém quer dar a cara pelo partido? Está na hora de o PSD arranjar um novo líder?
Leio os jornais e percebo que já foram feitos vários convites e que nenhum foi aceite. Não me vou pronunciar sobre a vida interna do PSD. Passos Coelho foi um primeiro-ministro que penalizou muito o nosso povo, não tem mais nada para oferecer aos portugueses na sua proposta política que não seja a continuação da política que praticou no governo e todos percebemos que a maioria dos portugueses não quer isso. Já ninguém quereria, nem mesmo alguns dos que o apoiaram, voltar a esse governo de destruição nacional que foi o governo PSD/CDS.
É preciso ter coragem para se ser comunista e felizmente há cada vez mais pessoas com essa coragem
Quanto ao seu futuro. Gostaria de voltar ao Parlamento?
Não tenho nenhuma perspetiva de outra função política que não seja a Câmara de Loures. É nisso que estou concentrado. Mas de certeza que não voltarei ao Parlamento. Já la estive 18 anos.
Chegou a dizer que era difícil ser-se comunista, porque havia muito preconceito. Isso está a mudar?
É fácil porque se dorme todos os dias tranquilamente com a consciência de dever cumprido, de defender posições justas e ter ações justas perante as pessoas. Enfrentamos uma grande incompreensão e uma barragem de comunicação negativa nos principais órgãos de comunicação social que torna muito difícil esta função. É preciso ter uma grande coragem em alguns sítios para se ser comunista. Mas não falo especificamente de mim. Um trabalhador assumir-se como comunista numa empresa que reprime os direitos dos trabalhadores é uma posição de grande coragem e isso continua a acontecer no nosso país 40 anos depois do 25 de Abril. Por isso é que digo que é preciso ter coragem para se ser comunista e felizmente há cada vez mais pessoas com essa coragem.

"Muitos pensavam que eu não deixaria cargo importante para ser autarca"

Esteve no Parlamento como deputado pelo CDU durante 18 anos. A sua carreira aqui culminou no momento em que se candidatou à Câmara Municipal de Loures. Um desafio que venceu, pondo fim a uma liderança socialista de 12 anos.

À frente da autarquia há quatro anos, Bernardino Soares anunciou recentemente a sua recandidatura e, em entrevista ao Vozes ao Minuto, falou sobre o passado e sobre os projetos que estão em cima da mesa.
Abandonou o Parlamento para se candidatar à Câmara Municipal de Loures. Com que objetivos?
Loures precisava de uma inversão grande na política municipal, tinha vindo a afundar-se ano após ano com a gestão anterior e a perder a qualidade dos seus serviços e também a sua importância no panorama autárquico, cultural, social. Julgo que essa inversão era absolutamente indispensável. Para mim foi um grande desafio, ainda por cima sendo originário aqui de Loures, de Camarate. Loures era o meu concelho.
Há uma certa ideia de mesquinhamento do trabalho do poder local e dos seus eleitos quando são os que estão mais próximos das suas populações

Revelou que esta foi uma candidatura proposta pelo seu partido. Era algo que já tinha ponderado ou foi uma surpresa?
Não foi nem deixou de ser. Estive eleito na Assembleia Municipal nos quatro anos anteriores. Não estava desligado da realidade local e da vida autárquica aqui do concelho e a dada altura considerou-se esta opção, implicando a saída do Parlamento. Ao contrário do que alguns na campanha eleitoral anterior diziam, nomeadamente que era uma aventura que não tinha consequências e que eu não sairia do Parlamento. Muito pelo contrário, o objetivo era vir para ser presidente e assim foi.
E porque é que havia pessoas que não acreditavam nisso?
Porque muitas pessoas achavam, alguns com boa fé outros com más intenções, que eu não deixaria um cargo tão importante como ser líder parlamentar no Parlamento nacional para vir a ser presidente da Câmara de Loures. Mas isso é de quem tem uma visão mesquinha e pouco abonatória para as autarquias e para a importância que a Câmara de Loures tem, que para mim é muita. Ser presidente não é de certeza menos importante do que ter sido líder parlamentar durante dez anos.
Gostei muito de ser deputado. Não tenho nem nunca terei um discurso anti-Parlamento
Acha que se menospreza o poder local?
Sim, há uma certa ideia de mesquinhamento do trabalho do poder local e dos seus eleitos quando são os que estão mais próximos das suas populações. O poder local tem sido ao longo das últimas décadas o que mais tem contribuído para a credibilidade do sistema político porque é aqui que se resolvem os problemas e que as pessoas veem as suas opções respeitadas ou não respeitadas e podem confrontar aqueles que elegeram com as suas responsabilidades. Isso traz uma grande capacidade de interação da população com o poder local e é uma grande mais valia no plano democrático.
E a nível pessoal também se sente mais realizado?
Gostei muito de ser deputado. Não tenho nem nunca terei um discurso anti-Parlamento. É também uma constante na nossa vida política ver políticos que fazem o seu discurso assente na ideia de que ‘eu não sou político, os outros é que são e são maus’. O Parlamento é muito importante pela pluralidade que tem das várias correntes políticas, é onde se decidem algumas das leis mais importantes no nosso país, onde se faz o debate político nacional. Gostei muito de ser deputado, deu-me muito gozo no contacto com as populações e no debate de questões. Gosto muitíssimo também de ser presidente da Câmara porque mantém-se o traço que trouxe de ser deputado, de uma grande proximidade com a população, aqui ainda mais por dever diário de função e pela possibilidade de me envolver num plano mais executivo de resolver problemas, organizar estruturas, e procurar repostas para as situações que aqui encontramos.
É um papel mais ativo?
Num sentido de ter mais reflexo na vida do dia a dia imediato, sim.
Chegou à liderança da Câmara para substituir o socialista Carlos Teixeira, que esteve 12 anos à frente desta autarquia. Sentiu o peso da responsabilidade?
Senti responsabilidade mas não foi por substituir o Carlos Teixeira. Foi por ser o presidente da Câmara de Loures.
Era fácil distinguir-se do seu antecessor?
Muito fácil. Porque não fiz promessas que não podia cumprir, porque introduzi uma política de rigor na gestão que nos permitiu reduzir de forma drástica a dívida a fornecedores nestes anos, porque ao contrário do que acontecia demos força à área da cultura, do desporto, à projeção do município como um município que faz coisas de qualidade, importantes e abertas a toda a população.
E foi motivo de orgulho voltar a trazer a CDU para a liderança desta autarquia?
Claro que sim. Isso foi também uma grande vitória política porque era uma câmara que há 12 anos não era governada pela CDU e passou a ser o maior município governado pela CDU no pais.
E em que estado encontrou a Câmara?
Muito mal, em vários aspetos. Primeiro, com uma dívida a fornecedores gigantesca, de 26 milhões no final de 2013. No final de 2016, ficou em cerca de três milhões. Fizemos um esforço enorme para reduzir a dívida. Mas não o fizemos diminuindo investimentos, pelo contrário, Aumentámos a atividade, melhorámos as condições dos trabalhadores e baixámos os impostos.
Outro aspeto era a desorganização da estrutura , isto é, a estrutura estava e ainda está em alguns aspetos pouco preparada para ter como primeira prioridade dar resposta às necessidades das pessoas. É para isso que nós cá estamos, os eleitos e a estrutura municipal. E estava desorganizada e cheia de injustiças. Temos vindo a tentar procurar novas e melhores formas de organização municipal tendo em vista que precisa de trabalhar para fora, para as pessoas.
Depois, o município voltou a ganhar o peso político que tem de ter no panorama político regional e nacional. Tínhamos aqui um município que não contava e passou a contar.
O poder local tem sido um grande motor do desenvolvimento e isso faz-se também atraindo investimentoHoje temos uma Câmara de Loures que é respeitada pelas outras entidades e perante a população. A Câmara deixou de ser conhecida pelos casos de acusação de promiscuidade, de dívidas, por uma gestão pouco feita à medida das necessidades imediatas dos seus protagonistas políticos. Hoje, concorde-se ou não, com as opções, com o ritmo dos investimentos, com as prioridades dadas, ninguém questiona a credibilidade do executivo municipal.
Mas como se justifica que um executivo tão questionado tenha estado 12 anos na liderança?
Quando há uma mudança, é sempre o resultado de insuficiências dos que perdem e de créditos dos que ganham. O que aconteceu ao longo destes anos foi que o PS procurou cimentar uma posição a partir do poder. Também fez algumas obras, mas com uma lógica sempre eleitoralista. Por exemplo, a maioria absoluta conseguida em 2009 foi obtida à custa de um fortíssimo investimento e endividamento da Câmara. Estivemos a pagar algumas coisas até agora, promessas, algumas devo dizer mirabolantes, que foram espalhadas por todo o concelho: o estádio municipal, o hotel na Quinta da Abelheira, o metro para Loures e para Sacavém…
Como é que reage a acusações de que há aproveitamentos económicos no poder local?
Há casos nesse sentido mas isso é uma pequena minoria do conjunto de trabalho do poder local. Acho que o poder local tem sido um grande motor do desenvolvimento e isso faz-se também atraindo investimento. O que é preciso é manter total transparência e cumprimento das regras legais e não haver regime de favorecimento. Há uma grande diferença entre encontrar soluções para os problemas das empresas e pessoas do que ter um tratamento de favor que julgo que na maioria dos casos não existe.
E durante o seu mandado nunca se sentiu visado por casos deste género?
Nem nunca nenhuma entidade nos pediu algum tipo de favorecimento acima da lei ou ao lado da lei ou qualquer coisa desse tipo. E sabem bem que não contariam com qualquer disponibilidade da nossa parte.
CDU tem todas as condições para voltar a vencer eleições em Loures

Conseguiu concretizar tudo a que se tinha comprometido nestes quatro anos?
Havia coisas que não dependiam só de nós, mas penso que olhando para o nosso programa eleitoral quase tudo está concretizado. Tem sido muito gratificante. Há matérias que nos escapam ao controlo e que não conseguimos concretizar completamente. Teremos que ter isso em conta nos próximos programas eleitorais.
Está confiante de que a CDU pode voltar a vencer estas eleições?
Tem todas as condições para isso até porque há um conjunto de projetos que foram agora lançados ou que estão a começar a ser trabalhados que só com a CDU em maioria na Câmara podem ser concretizados. Projetos como a frente ribeirinha para as populações da zona oriental, como o do Parque da Várzea, o do atendimento municipal. Estamos a trabalhar com grande entusiasmo mas ainda com obstáculos a remover.
Dizia, quando tomou posse, que o concelho tinha desaparecido. Sente que inverteu essa situação?
Completamente. Tomámos posições e elas são ouvidas. Tomámos posições sobre as águas, sobre a Valorsul, sobre a questão da Carris e elas têm estado no centro do debate público. Sobre a descentralização tomámos também posições fortes. E, portanto, Loures conta! E conta para definir a posição dos municípios, para definir o que é que em cada momento os governos e outras entidades têm de saber em relação à nossa opinião. Isso tem sido frequente.
Falava há pouco no metro em Loures, um projeto que se debate há muito tempo. 
Para quando a sua conclusão?
Temos vindo a pôr esta questão em cima da mesa no plano político e vamos continuar a fazê-lo. Penso que a questão dos transportes públicos, não só do metro, vai ser a grande questão do próximo mandato, aqui em Loures e noutros concelhos da área metropolitana de Lisboa. Estamos num momento de se tomar decisões que podem ou transformar esta área metropolitana numa organização coerente em termos de rede de transportes públicos que é o que precisamos para garantir a mobilidade das pessoas com preços acessíveis e também para potenciar a atividade económica porque a rede de transportes públicos é essencial para esta atividade e também para proteger o ambiente e reduzir o circuito de viaturas privadas.
Mas há impasses relacionados com questões económicas?
Precisamos de ver definido entre os municípios, o Governo e as empresas que trabalham nesta área dos transportes, um plano para o desenvolvimentos dos transportes, que são de uma pobreza enorme no concelho de Loures, e que garanta todas estas situações sejam sustentáveis financeiramente e que não sejam sustentáveis carregando cada vez mais nas tarifas cobradas, porque essa não é a solução. Chega a um ponto em que mais vale as pessoas irem de carro para Lisboa do que pagarem os transportes públicos e outras nem dinheiro têm para os transportes públicos.
Nó temos aqui uma freguesia - a Lousã - em que o passe para Lisboa custa 120 euros. Não é possível que isso aconteça. E outros concelhos têm problemas semelhantes. Será precis haver empresas públicas de transporte e do Governo que não queiram fazer disto um negócio cada vez mais lucrativo e que queiram fazer disto um negócio ao serviço do desenvolvimento.
Como é que tem sido o trabalho do Governo com as autarquias?
É uma relação bipolar. Houve coisas que correram melhor: foram devolvidos alguns direitos às autarquias desde a sua autonomia, que nos deixa gerir de forma mais coerente as nossas Câmaras, mas há outras coisas que continuam por resolver e julgo que a questão da descentralização que está em debate pode transformar-se num grande retrocesso para as populações e para as autarquias. Porque se se concretizar a transferência de competências, algumas não são adequadas para serem transferidas para as autarquias, e outras podem ser transferidas sem os recursos necessários. Em vez de melhorarmos o serviço à população vamos piorá-lo.
Uma das coisas que se pretende transferir é por exemplo o Parque Escolar na sua totalidade, aumentando a nossa responsabilidade e perdendo dinheiro com este acordo. Gastamos muito mais do que o Governo para assegurar a renovação destas escolas. Se há ainda o resto das escolas que não têm obras há não sei quantas décadas e se não vier o dinheiro para esse investimento, como vamos fazê-lo? Aumentando os impostos locais às populações? Mas então estamos a transferir uma responsabilidade para as câmaras e a obrigá-las a cobrar mais impostos?
A descentralização não pode ser para a redução tem até de ser para o aumento da despesa pública
Ou então a transferência de pessoal não médico e não clínico dos centros de saúde? 
Todos sabemos que faltam administrativos e operativos nos centros. E as verbas que vêm são só para os atuais efetivos? Mas esses não chegam. Quem é que vai contratar os restantes? É uma questão que está a ser debatida apenas em abstrato quase como se tivéssemos de dizer se somos a favor ou contra a descentralização. Nós somos a favor mas não de transferir competências sem recursos e de forma descoordenada. Não é descentralizar e varrer para debaixo do tapete um problema e responsabilizar as autarquias pelo mesmo.
E que vantagens há nesta descentralização?
A descentralização pode ter vantagem se se transferir para as autarquias competências que são adequadas para as mesmas, com os recursos necessários. Por exemplo, vejo que uma da propostas que lá está é a questão dos imóveis que são propriedade do Estado ou de entidades públicas e que estão devolutos . Pode ser uma boa solução desde que possam ser utilizados para a política de habitação.
É preciso ver no concreto a questão e moderar uma tendência que o Governo parece estar a ter de usar a descentralização para reduzir a despesa pública. A descentralização não pode ser para a redução tem até de ser para o aumento da despesa pública, para executar aquelas competências nós precisamos de mais recursos e não de menos.
O Presidente da República dizia que era necessário resolver esta questão antes das eleições autárquicas. Com todos estes conflitos, acha que isso vai acontecer?
É possível, o que não quer dizer que a solução seja boa. Bem sei que o Presidente da República está muito empenhado em que isto se concretize mas é preciso ver o que vem lá dentro. Não pode ser só descentralização sim ou não, isso todos dizemos que sim, mas depois a que é que isso corresponde em concreto? Até agora o Governo aprovou uma lei de bases com uma série de competências elencadas, algumas das quais não se sabe propriamente o que são e até agora não apresentou nem a lei das finanças nem os estudos que justificam a transferência dessas competências. Porque eu gostava de saber no meu concelho quanto é que o Governo gastou nos últimos 10 anos por exemplo nos centros de saúde, que é uma coisa que se pretende transferir, para fazer uma avaliação do que vai ser proposto em termos de financiamento. Mas se esses estudos não aparecem como é que vamos tomar uma decisão destas? Apenas com base na ideia de que tudo o que vier para as autarquias é uma boa descentralização? Isso não é assim.
Significa isso que não concorda com a afirmação de Marcelo Rebelo de Sousa que dizia que a descentralização era um “sonho do poder local democrático nascido em 1974”?
A descentralização sim, o que não quer dizer que esta proposta vá nesse sentido.


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15
Mar17

A "CASA DA DEMOCRACIA"

António Garrochinho

A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA NOS ÚLTIMOS TEMPOS NÃO TEM HONRADO A DEMOCRACIA PORTUGUESA E OS CULPADOS NÃO SÃO DIFÍCEIS DE IDENTIFICAR.

A CORJA "PAF" CONSTITUÍDA PELO PSD/CDS É UM NOJO, UMA ORDINARICE COMPLETA, GRITANDO, FAZENDO A PATEADA, INVENTANDO, MENTINDO E LANÇANDO UMA CHUVA DE SALIVA VIRULENTA NAQUELE ESPAÇO QUE EMBORA JÁ TIVESSE DEBATES ACESSOS NUNCA CHEGOU AOS LIMITES QUE HOJE OBSERVAMOS.

TÊM SAUDADES OS FACHOS LARANJA E OS IRREVOGÁVEIS SAUDOSISTAS, DOS TEMPOS EM QUE FAZIAM DA ASSEMBLEIA UMA ESPÉCIE DE AULA DE CATEQUESE SOB O COMANDO DA "INCONSEGUIDA" AQUELA REFORMADA ANTECIPADA QUE DEIXOU RASTOS DE DITADORA NO HEMICICLO.

É AINDA A CORJA FASCISTA QUE HOJE DEMONSTRA COM AS SUAS ATITUDES, A SUA RAIVA E O SEU ÓDIO À ESQUERDA A FAZER LEMBRAR A NECESSIDADE DE UM DIA OS TRABALHADORES SE APROXIMAREM DA CASA DA DEMOCRACIA E GRITAREM BEM ALTO:

PORTEM-SE BEM OU A VOZ QUE TERÃO QUE OUVIR BEM ALTO SERÁ A NOSSA.

António Garrochinho
15
Mar17

PABLO HASÉL - Espanha: Chamem-lhe ditadura e eles atiram-no para a prisão

António Garrochinho


A 1 de Abril, um supremo tribunal espanhol condenou o rapper de 25 anos «Pablo Hasél» (Pablo Rivadulla Duro) a dois anos de prisão por «glorificar o terrorismo». Há vários anos, este «rapper anti-sistema», como ele se auto-intitula, declarou: «Se eles me puserem na prisão, isso provará que eu tenho razão» - razão em que, quase 40 anos depois do fim do regime fascista de Francisco Franco, e apesar das mudanças económicas, sociais e políticas, o estado espanhol continua a ser o inimigo da maioria dos povos de Espanha e do mundo e do «espírito crítico».
Hasél foi preso em Novembro de 2011, durante um período de agitação nas ruas do país, tendo a polícia invadido a casa dele à noite e confiscado como prova os dispositivos digitais, documentos e livros dele. No seu julgamento no supremo tribunal para casos políticos, o juiz decidiu que a única questão era saber se Hasél era ou não o autor das dezenas de vídeos colocados no YouTube e noutros sítios na internet. Como Hasél declarou sem hesitação que era, a condenação foi praticamente automática. Hasél defendeu que tinha direito à liberdade de expressão, mas o juiz decidiu que embora essa liberdade exista em Espanha para algumas formas de expressão, o rap de Hasél constitui um «discurso de ódio», proibido por lei, e além disso, que «o terrorismo é a pior violação dos direitos humanos», pelo que ninguém tem o direito a defendê-lo. (El País, 1 de Abril de 2014)
Isto é uma falsa conversa legal padrão que é a marca do estado espanhol: o «terrorismo» é uma afronta à «democracia», pelo que os acusados disso não têm nenhum direito, os que defendem esses acusados não têm nenhum direito, os que defendem esses direitos das pessoas são «apologistas do terrorismo» e por aí adiante numa espiral crescente. Mas a condenação de um artista à prisão por nada mais que as palavras dele é mais um passo que demonstra a verdade das palavras dele, de que nos países capitalistas «a liberdade de expressão não é mais que a liberdade de mentir ou calar e, tal como a democracia, a liberdade de expressão é uma das maiores fraudes da história».
O que é que significa, diz Hasél, falar em liberdade num país onde seis milhões de pessoas foram roubadas dos seus empregos, meio milhão de pessoas foram expulsas das suas casas, «e se protestares és espancado ou morto»? Um dos vídeos dele mostra-o numa manifestação de «Los Indignados» em Valência em Junho de 2011. A polícia atacou-a de uma forma violenta, tal como fez contra os protestos noutras cidades espanholas durante esses meses. Ela tentou não só parar os protestos, mas também partir cabeças, caras e braços de tantos jovens mulheres e homens quanto possível, como os vídeos clara e indiscutivelmente demonstram. Um outro vídeo de rap, «El reino de los torturadores», mostra as caras e os corpos partidos e esmagados de jovens mulheres e homens presos nas manifestações de massas em defesa dos nacionalistas bascos «terroristas» e posteriormente espancados e torturados sob custódia – em nome da defesa da «democracia».
Como é que Hasél pode ser condenado por «discurso de ódio» e ser uma ameaça à «democracia», quando os torturadores do tempo de Franco são considerados cidadãos respeitáveis, protegidos da prisão pela lei, mesmo quando claramente identificados pelas suas vítimas: há figuras políticas do regime de Franco que continuam proeminentes na vida pública; o principal monumento ao fascismo está intacto e intocável; e é perfeitamente legal e respeitável elogiar publicamente Franco e tentar continuar o trabalho dele?
Franco chegou ao poder em 1936 por meio de um levantamento militar contra um governo eleito e de uma guerra civil exterminadora, com o apoio da Alemanha nazi e da Itália de Mussolini, e com a cumplicidade de todas as potências ocidentais. O regime dele, que hoje poderia ser chamado uma jihad católica pelo seu zelo religioso e pela pureza cultural imposta, atacou as forças laicas e os operários e trabalhadores, encarcerou todos os oponentes conhecidos e executou muitos milhares de pessoas. Como foi recentemente revelado, roubou milhares de bebés às suas mães para assegurar que teriam a adequada educação católica conservadora. Apesar da aliança de Franco com as potências do Eixo derrotadas na II Guerra Mundial, o regime dele sobreviveu, tornando-se depois num importante aliado norte-americano. Porque é que hoje é permitido elogiar Franco mas não grupos que combateram o regime dele? Como é que os defensores do estado espanhol podem acusar alguém de «discurso de ódio»? De facto, como é que eles podem rotular de terrorismo a violência política dos seus oponentes quando assassinaram pessoas e destruíram vidas em larga escala para os seus fins políticos?
Talvez o maior «crime» de Hasél – e o maior mérito dele – seja que desde o álbum dele de ruptura em 2005 «Eso No Es Paraiso» (Isto não é o Paraíso) ele faz rap sobre a Espanha como sendo ainda uma ditadura capitalista. Ele diz que a repressão brutal, por um lado, e as eleições e ilusões sobre a «liberdade de expressão» e os supostos grandes sucessos do regime pós-Franco, por outro, são dois lados da mesma moeda, combinando-se com uma «ditadura da estupidez» cultivada pela comunicação social que encoraja uma «síndrome de Estocolmo» em que as massas populares se identificam com o sistema capitalista que os explora e oprime. Ele é muito claro ao dizer que não só o Partido Popular actualmente no governo é o partido sucessor político do regime fascista, mas que o Partido Socialista «é pior ou pelo menos tão mau», e que a «esquerda» parlamentar é apenas um apêndice dos socialistas.
Os socialistas (Hasél escreve as iniciais do partido como P$OE) tornaram possível à classe dominante espanhola mudar de uma forma de regime fascista para uma forma burguesa democrática (eleitoral) quase sem dor, protegendo a continuidade de pessoas e instituições e o essencial do aparelho de estado, e concordando com aquilo a que algumas pessoas chamam «a lei do silêncio» que protege as personalidades fascistas de consequências legais pelo seu regime terrorista. As valas comuns foram mantidas secretas e os assassinos receberam novos empregos ou foram autorizados a manter os seus empregos.
Pablo Hasél ao vivo em Vigo, Galiza
Quando estiveram no governo, os socialistas espanhóis fizeram a sua própria campanha terrorista contra os nacionalistas bascos. Nessa «guerra suja», esquadrões da morte espanhóis assassinaram em França nacionalistas bascos exilados, bascos e franceses comuns e outros revolucionários e fizeram atentados bombistas em tavernas e outros lugares públicos. Nenhum dos partidos dominantes tem direito a chamar outras pessoas de terroristas.
Como explicou descaradamente um deputado do Partido Socialista ao comentar sobre um novo caso em que os tribunais se recusaram a ouvir a queixa de um antigo activista estudantil contra o agente que o torturou em 1975: «Eu não acho que seria bom para o país. Não sabemos onde começa e onde acaba. Se pegarmos em alguém que era um torturador em 1970, porque é que não vamos perseguir alguns ministros do governo de Franco que ainda estão vivos? Porque não os tribunais? Onde é que fixamos os limites?» (The New York Times, 8 de Abril de 2014). Sim – e se fossemos atrás dos mesmos tribunais antes geridos por Franco e que agora condenaram um jovem rapper à prisão? Não poderia isso expor a eficiência repressiva e a legitimidade do próprio estado?
Não admira que a classe dominante espanhola, apesar das suas actuais roupagens democráticas, mantenha zelosamente a monarquia que suavizou a transição do fascismo aberto para a democracia parlamentar e ainda serve de garante da continuidade do estado espanhol. O ódio de Hasél à monarquia (um dos vídeos dele chama-se «Muerte a los borbones» - Morte aos Bourbons, a família real) vai buscar o seu significado político a este contexto, e tornou-se ainda mais proibido pelo facto de ele não estar a atacar apenas uma relíquia cultural.
Quando Hasél rapa sobre "democracy you mother-fucker" e fala sobre a Espanha e outros «terroristas capitalistas a assumirem o controlo do mundo», avançando violentamente pelo Médio Oriente e levando miséria a todo o lado, ele está a ligar-se à verdade. Mas quando rapa sobre a alternativa, que ele vê como sendo uma sociedade como Cuba ou a Venezuela, há um desligar da verdade. Tão feroz quanto posso ser a crítica dele ao capitalismo, não é suficientemente completa.
Apesar de se oporem aos EUA, esses países não romperam com o quadro do sistema imperialista mundial. A motivação do lucro continua a reger a organização da economia e da sociedade apesar da existência de empresas estatais e de programas de segurança social. O seu destino depende da economia imperialista mundial – e mesmo simplesmente do preço do petróleo ou do açúcar no mercado mundial. Eles não libertaram os seus povos do domínio imperialista no sentido mais profundo de lhes permitir tomar a via da eliminação de todas as relações económicas e instituições capitalistas, de todas as relações sociais escravizadoras e das ideias, costumes e hábitos nascidos da exploração.
Hasél nem sequer tenta retratar Cuba como sociedade libertadora, mas aponta simplesmente que Cuba envergonha Espanha no que diz respeito aos sem-abrigo, ao analfabetismo e outros males sociais. Isto é verdade, mas tem mais em comum com a ideia revisionista (pseudo-marxista) do socialismo como um estado de segurança social que com a concepção de uma revolução libertadora no que diz respeito às relações sociais rumo ao comunismo, onde os seres humanos deixem de ser escravizados pela divisão da sociedade em classes.
Isto está ligado à tendência de Hasél para elogiar todas as lutas armadas contra aquilo a que ele chama imperialismo, como se bastasse a oposição aos EUA e à nossa própria classe dominante, sem se preocupar o suficiente com o conteúdo social e político dessas lutas, com os seus objectivos finais. E quando alguém, como Hasél, se proclama comunista e usa uma t-shirt da URSS, precisa de ser claro quanto à diferença entre o tipo de sociedade não-libertadora e sombria em que a União Soviética se tornou com o derrube do socialismo após a morte de Estaline (ainda que tenha mantido formas socialistas durante várias décadas, como em Cuba), e as transformações revolucionárias do período anterior que foram levadas muito mais adiante na China de Mao. Estas não são apenas questões antigas; elas têm tudo a ver com saber se uma revolução social total é possível, como, e o que é que isso significa hoje. Quando Hasél apela aos jovens a levarem a cabo uma «guerra pelo futuro», o que é esse futuro?
Tão poderosa quanto possa ser a denúncia de Hasél do regime capitalista em Espanha, poderia ser muito mais poderosa – e a posição dele ainda mais poderosamente atraente – se se baseasse numa compreensão mais completa do problema fundamental e da sua solução.
O momento da prisão de Hasél, durante os protestos que desafiaram o sistema por parte de um grande número de jovens e outros espanhóis ao longo de vários meses em 2011, diz algo sobre os medos da classe dominante espanhola. Também é importante que centenas de jovens se tenham manifestado pouco depois, em defesa dele, na cidade natal dele, Lerida. Mais que apenas alguns jovens estão «a olhar para além dos seus próprios umbigos e dos seus horizontes pessoais», como ele diz, e à procura de respostas radicais.



paginavermelha.org
15
Mar17

Lady Day: uma voz eterna e dolorida

António Garrochinho


    A história de Billie Holiday merece ser contada. Foi uma artista grandiosa, que na beleza e sensibilidade de sua arte escondeu a miséria de sua vida.

    A memória de uma voz que era emoção pura, que transmitia toda a crueza da miséria, da indignidade, da perda, da ruína, do sofrimento e de tudo o que, enfim, foi a sua vida.
   
    Conhecer sua biografia é enfrentar um desafio emocional profundo, uma viagem aos abismos da natureza humana, uma lembrança de quão sórdida pode ser a existência por detrás das luzes e dos aplausos.
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    Eleanora Fagan nasceu em 7 de abril de 1915. Sua mãe tinha treze anos quando ela nasceu; seu pai tinha dezesseis e até os dez anos foi criada por uma tia. Depois passou algumas temporadas no reformatório ou viajando com a mãe, que não tinha um trabalho fixo, vítima de abusos e constante abandono.

    Com quatorze anos foi viver com a mãe, no Harlem, e passou a prostituir-se para sobreviver, até que foi presa por quatro meses. Nesse período aproximou-se da música e, posteriormente, começou a cantar junto ao saxofonista Kenneth Hollan.

    Envolvida pelos temas de Louis Armstrong e de Bessie Smith, aprendeu a cantar e a dar nova interpretação ao que cantava. No início dos anos trinta já era conhecida nos clubes de Nova Iorque.

    Em uma de suas primeiras interpretações emudeceu a plateia ao cantar Travellin’ all alone, fato que mais tarde recordaria dizendo que, naquele instante, se houvesse caído um alfinete, teria soado como uma bomba.  
    Começou a cantar regularmente e adotou o nome de Billie - em homenagem a Billie Dove, grande estrela do cinema mudo e modelo da mulher de sucesso em um mundo dominado por homens – e Holiday – sobrenome paterno, como forma de um contato ilusório com uma figura ausente, com seus ascendentes escravos, com aqueles que buscaram a dignidade na pobreza.

    Um homem foi essencial à sua carreira: o legendário John Hammond, caça-talentos da Columbia, que a ouviu cantar em 1933 e imediatamente a colocou junto a Benny Goodman, a grande estrela do swing de Chicago, para gravar pela primeira vez: Your mother's son in law.
    Sua voz prontamente despertou a atenção e aos poucos tornou-se conhecida no mundo do jazz. O saxofonista Lester Young, que ela chamava Prez (presidente) e que a tratava como Lady Day converteu-se em um de seus melhores amigos. Juntos, protagonizaram gravações históricas.

    Entre 1935 e 1942 realizou mais de cem gravações nas quais cada canção trazia uma interpretação que nenhum outro artista era capaz de reproduzir. Seu timbre era especial e a emoção com que cantava era, ao mesmo tempo, simples e profunda. 
    Sempre cantou acompanhada pelos melhores músicos, como Lester Young, que foi o grande amor de sua vida e que, como ela, viveu uma existência autodestrutiva. O sax tenor de Young e a voz de Billie Holiday forjaram obras primas.
    Outros grandes músicos em sua carreira foram o pianista Teddy Wilson, o trompetista Charlie Shavers e o clarinetista Artie Shaw. Também cantou com lendas como Johnny Hodges, Roy Eldridge, Ben Webster e Count Basie.
    Contudo, longe dos refletores, Billie Holiday enfrentava a realidade de uma artista negra na época. Como todos os músicos negros, entrava pela porta dos fundos e era impedida de reunir-se com os brancos. A estrela do espetáculo era tratada dessa forma e, na sordidez das ruas, participava do tráfico de drogas, iniciando-se no caminho que mais tarde aniquilaria sua vida.

    Um artista negro não tinha condições, na época, de viver da música. A venda de discos se reduzia a poucas pessoas e as apresentações aconteciam em clubes pequenos. Além disso, boa parte dos ganhos de Billie era entregue aos seus companheiros ou aos traficantes.

    Sua época dourada inclui canções como My Last Affair (This Is), My ManI Can’t Get StartedNight and DayYou Got To My Head e, sobretudo, Strange Fruit, canção que foi o marco divisório da sua carreira, que canta a história do linchamento de um negro que lutava contra o racismo imperante nos Estados Unidos e se converteu em um lema do movimento pelos direitos civis.

    Anos mais tarde, Billie incluiu nos contratos uma cláusula reservando-se o direito de interpretar o tema em todos os seus shows. Strange Fruit foi considerada pela revista Time, em 1999, a melhor canção do século XX.
    Billie viveu relações pessoais nocivas, desprezando a todos os que a tratavam bem e preferindo a companhia de homens que acabavam destruindo seu coração. Viveu intensamente ciclos nos quais se envolvia constantemente com homens violentos e amorais e que, aliados ao consumo de álcool e heroína, precipitaram sua vida em um vazio.

    Em 1941 casou-se com o trompetista Jimmy Monroe e, ao mesmo tempo, manteve um caso com outro, Joe Guy. Nenhuma das duas relações foi adiante e, em 1952, casou-se com Louis McKay que, curiosamente, ao mesmo tempo em que por estranhas convicções religiosas tentou livrá-la das drogas, também foi responsável pelas cicatrizes que Billie exibia no rosto em público e por sua ruína definitiva.

    Seus últimos anos de carreira trouxeram várias iniciativas musicais, como a gravação do programa The sound of jazz para a CBS, em 1957, onde realizou interpretações memoráveis de temas como Fine and MellowI love you Porgy e God Bless the Child,  junto a Webster Young, Gerry Mulligan e Coleman Hawkins.
    A voz e o corpo de Billie Holiday se ressentiam da falta de autoestima e de apreço pela vida, mas apesar disso, em 1958, gravou Lady in Satin, um dos discos que melhor a definem como uma artista única.

    Os anos seguintes foram ainda mais lamentáveis em sua vida pessoal. Por sua condição de mulher, negra e viciada em drogas e álcool, converteu-se no alvo principal do Departamento Federal de Narcóticos, passando vários meses na prisão e suas ausências coincidiram com a ação de inúmeros aproveitadores que a deixaram na miséria.

    Ao falecer, em 17 de julho de 1959, vitimada por uma cirrose hepática, Lady Dayreuniu três mil pessoas em seu funeral, mas em sua conta bancária tinha apenas um dólar.

    Em sua autobiografia, deixou um aviso: "Você estar vestida de cetim, comgardênias no cabelo, e não ver uma única cana de açúcar por vários quilômetros, mas ainda assim vai continuar a trabalhar em uma plantação".

    No vídeo abaixo, o documentário Lady Day, The many faces of Billie Holiday, uma retrospectiva de sua carreira que foi gravado no ano de 1990, co-produzido por Toby Byron/ Multiprises e dirigido por Matthew Seig.

deanimaverbum.weebly.com
15
Mar17

A Imperatriz do Blues: Bessie Smith

António Garrochinho


    Em 15 de abril de 1894 nasceu, em Chattanooga, Tennessee, na mais absoluta pobreza aquela que mais tarde seria a Imperatriz do Blues: Bessie Smith. Órfã de pai e de mãe desde os nove anos, cresceu em uma cabana miserável e buscou ganhar a vida cantando e dançando nas esquinas de Chattanooga em troca de algumas moedas.

    Bessie Smith não foi a primeira, mas foi a melhor e a mais radical, aquela que reinou soberana em uma forma expressiva puramente feminina, que traz em si a revelação de todo o espectro das emoções humanas. Com Smith é possível passar do riso ao pranto a cada nota.
Imagem
    Autodidata, dona de uma voz extraordinariamente bela e hipnotizante, sua primeira gravação, Down Hearted Blues, de 1923, um lamento sobre os “malditos homens” e sua forma de tratar as mulheres, foi um enorme êxito em uma época na qual a difusão da música negra era muito limitada. Em seis meses vendeu quase oitocentas mil cópias. 
    Foi a maior artista de jazz e blues de sua época, embora ultrapasse as barreiras de qualquer estilo e tempo, mas seu declínio veio com a Grande Depressão, do vício em álcool, de sua promiscuidade e da caótica gestão que fez dos extraordinários lucros que obteve com o sucesso. Exemplo de sua importância é o fato de ter conseguido que a gravadora lhe oferecesse quatrocentos mil dólares, uma quantia elevadíssima em um tempo em que os negros cobravam dez dólares por gravação.

    Sua voz poderosa, que nunca necessitou ser amplificada quando cantava em teatros e bares, era também vulnerável e majestosa. Gravou cento e sessenta músicas e cantou com os melhores músicos de sua época: Fred Longshaw, Porter Grainger, Fletcher Henderson, Coleman Hawkins, Sidney Bechet, Charlie Green, Buster Bailey, Don Redman e Louis Armstrong (com quem gravou temas legendários, como St Louis Blues, Cold in Hand Blues, Careless Love Blues, I ain’t Gonna Play no Second Fiddle). 
    Viveu bem, bebeu muito, cultivou uma seleção de amantes que a exploraram e maltrataram e foi capaz de amenizar os golpes sofridos, inclusive, da Klu Klux Klan, que tentou impedir uma de suas apresentações.

    Chegou a um ressurgimento passageiro após a Depressão e a chegada da era do swing, com Benny Goodman, mas naquela época, para uma estrela negra as coisas se tornavam difíceis.

    Em 26 de setembro de 1937, sofreu um acidente de trânsito, na mítica Highway 61, a estrada que os bluesman do Delta percorriam para emigrar para Chicago e dar origem ao blues urbano e elétrico das décadas seguintes. Faleceu aos quarenta e três anos.

    Alguns cronistas brancos e sensacionalistas afirmaram que teria falecido por hemorragia, porque um hospital racista havia se negado a atendê-la, embora a verdade é que não resistiu aos ferimentos e faleceu ainda na ambulância que a conduzia.

    Foi enterrada em um cemitério próximo ao local do acidente. Estava arruinada e não havia fundos para pagar um túmulo. Sua sepultura permaneceu sem lápide até 1970, quando Juanita Green (que fora criada de Smith) e Janis Joplin (que dispensa apresentações) arrecadaram os fundos necessários para pagar uma lápide de mármore na qual se inscreveu: “A maior cantora de blues do mundo nunca deixará de cantar”.
    Uma oportunidade ímpar de ver e ouvir Bessie Smith cantando se encontra no curta-metragem St. Louis Blues, de 1929, que narra a história da canção do mesmo título, escrita por W. C. Handy.

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15
Mar17

Os sentimentos humanos sob o olhar de Bertolucci

António Garrochinho
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    Bernardo Bertolucci nasceu em Parma, em 16 de março de 1941, filho de uma professora e de um poeta, ensaísta e crítico de cinema. Sua infância transcorreu em um dos momentos de maior violência na história italiana: os anos finais do fascismo.

    Aos quinze anos começou a escrever poesias e, seis anos mais tarde, recebeu um dos prêmios literários mais importantes da Itália: o Viareggio Repaci, pela publicação do livro In cerca del mistero.

    Em 1961 sua vida toma novos rumos, ao receber o convite de Pier Paolo Pasolini para integrar-se à filmagem de Accatone. A relação de trabalho e de amizade foi intensa e, em 1962, Bertolucci dirigiu, junto a Pasolini, La commare secca (no Brasil, A Morte). Os dois filmes são inspirados em elementos neorrealistas: filmagem em locações, ação no presente, atores não profissionais ou estreantes e histórias de personagens marginais.

    Bertolucci e Pasolini faziam parte do Partido Comunista Italiano, a organização de esquerda com maior presença na democracia ocidental da  época.

    A evolução de Bertolucci foi rápida. Il Conformista (O Conformista), de 1970, permitiu ao diretor construir um conjunto de personagens presos a suas convicções políticas e a um universo onde a moral se torna relativa.

    Dois anos mais tarde, assombrou o mundo com Ultimo Tango A Parigi (O Último Tango em Paris), celebrado como a obra que transformaria a maneira de filmar as relações sexuais. A poderosa atuação de Marlon Brando e a repercussão do filme permitiram que Bertolucci desse um salto qualitativo em seus projetos.

    Novecento (1900), de 1976, é um dos filmes mais ambiciosos – em termos de produção e  estética – do cinema da época. Destaca-se pela participação de duas jovens estrelas de diferentes nacionalidades: Robert de Niro e Gerard Depardieu. Também apresenta um espírito lírico e épico e provocou uma disputa exacerbada entre os produtores e o cineasta, em torno da duração do filme, o que levou a versão comercial do filme a ser quase incompreensível.

    Em L'Ultimo Imperatore (O Último Imperador), de 1987, alcançou seu melhor relato político e Piccolo Buddha (O Pequeno Buda), em 1993, foi sua última grande produção.

    Nas últimas duas décadas, optou por um tom intimista e cotidiano, mas seus personagens permaneceram vinculados a contradições políticas e sexuais. Impregna sua obra com uma atitude crítica em relação aos problemas sociais, econômicos e políticos, construída através de uma linguagem poética que transcende certos códigos consagrados e habituais do cinema.

    O cinema de Bertolucci é considerado como um cinema “de classe” pela maior parte da crítica, pela inserção de uma realidade correspondente à do próprio autor. É uma obra que se realiza desde - e sobre - a burguesia, mas também para - e contra - a burguesia, segundo o crítico J. E. Monterde.

    Sua filmografia se caracteriza pela ambição de abordar múltiplos aspectos de cada tema, a partir de uma visão totalizadora sobre os temas tratados. No principio de sua carreira como diretor, não foram o comunismo, o fascismo ou o antifascismo os alvos de sua crítica, em filmes como Prima Della Rivoluzione (Antes da Revolução), de 1964, Il Conformista, de 1970 ou Strategia Del Ragno (A Estratégia da Aranha), também de 1970.

    Seus alvos foram os fracassos, a atitude de compromisso incerto e de sonhos não cumpridos, procedentes do mesmo tipo social: o jovem burguês protegido que, em um impulso de generosidade, em um acesso de lirismo ou pelo simples peso de sua condição, é arrastado para uma ação política que é incapaz de assumir.

    Em contraponto, explora a vergonha, a renúncia, os abandonos e as traições, temas relevantes e a tendência a compor personagens que se conectam com a tradição do pensamento marxista do século XX.

    A obra de Bertolucci, também, é marcada pela persistência na utilização do recurso do mito como mediador entre a sua intenção e o imaginário coletivo. Este aspecto é evidente, especialmente, nos três primeiros filmes, nos quais se revela a pretensão de integrar o pessoal, o específico e o concreto com o coletivo, o geral e o abstrato.
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     Amore e Rabbia (Amor e Raiva), de 1969, é um filme franco-italiano que reúne cinco diretores: Marco Bellochio, Bernardo Bertolucci, Jean-Luc Godard, Carlo Lizzani e Pier Paolo Pasolini. O segmento Agonia é dirigido por Bertolucci.
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    Il Conformista (O Conformista), de 1970, apresenta um professor de filosofia com inclinações fascistas, que estabelece contatos com o serviço secreto e está disposto a combinar sua iminente lua de mel em Paris com um atentado.
    Baseado na novela homônima de Alberto Moravia, o filme remete ao mito do fascismo como doença da burguesia, consequente com seu processo de decadência. É estruturado em torno do plano de assassinato de Quadri, um exilado político italiano, a partir do qual se articulam diversos flashbacks que contribuem para ampliar o contexto biográfico do protagonista.

    Trata-se de um personagem que traz consigo uma importante carga psicológica, projetada à infância e que oscila entre a sexualidade e o fascismo, levando-o a um desejo constante de integração em uma normalidade que é fruto da instabilidade produzida por seu conflito interno.

    Seu casamento com uma pequeno-burguesa, a rejeição de uma maternidade desnaturalizada, o referência do anticlericalismo retorico, a dupla moralidade característica da hipocrisia tradicional dessa classe, são alguns dos aspectos que Bertolucci introduz como representação das aspirações do protagonista para alcançar a “ordem” como suposta solução para todos os problemas.
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    Em Prima Della Rivoluzione (Antes da Revolução), de 1964, um jovem de vinte e dois anos é atraído pelo ideal revolucionário enquanto, na vida pessoal, mantém uma relação incestuosa com sua tia.
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    Partner, de 1968, narra a história de Jacob, um solitário professor de teatro que inventa uma versão mais extrovertida de si próprio, oposta ao seu caráter fechado e avesso às relações humanas. Tudo se passa no marco dos movimentos sociais de maio de 1968.
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    No filme La Commare Secca (A Morte), de 1970,  em um parque de Roma é descoberto o corpo de uma prostituta assassinada. A polícia detém os que passaram pelo local à noite e os interroga. As versões do ocorrido diferem e, inclusive, se contradizem abertamente. Todos, especialmente o assassino, têm algo a esconder.
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    Strategia Del Ragno (A Estratégia da Aranha), de 1970, narra a história de Athos Magnani, filho de um dos heróis da Resistência italiana que morreu, segundo conta a lenda, assassinado pelos fascistas em 1936. Magnani viaja de Milão para Tara, a cidade onde o pai viveu, a pedido de Draifa, uma das amantes do pai. Juntos tratam de desvelar o mistério oculto por detrás da morte do herói.

    O filme deixa entrever, de certa forma, o momento político e psicológico de seu realizador. Bertolucci, que parte do argumento de um conto de Jorge Luis Borges, reconhece que as configurações paternas são uma de suas maiores preocupações, enfrentando o Édipo, assim como Athos Magnani ao buscar aprofundar a investigação sobre como ocorreu a morte do pai.

    A Estratégia da Aranha se baseia no enfrentamento de gerações, inclusive político, entre um pai morto heroicamente lutando contra o fascismo e o filho, que tenta reconstruir sua memória. A história apresenta as intrigas da memória popular que se ocultam na espessura dos cenários e uma relação entre mito e história, evidente desde o momento em que é apresentado ao povo de Tara: ali a vida parece haver parado ou entrado em uma espécie de letargia.
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    Em La Tragedia di Un Uomo Ridicolo (A Tragédia de um Homem Ridículo), produção de 1970, o filho do proprietário de uma grande fábrica de queijos italiana é sequestrado, mas como a fábrica está à beira da falência, o pai idealiza um plano para investir o dinheiro do resgate para salvar seu negócio.
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    Em Ultimo Tango A Parigi (O Último Tango em Paris), de 1972, Jeanne é uma bela jovem parisiense em busca de um apartamento e Paul é um misterioso americano que ainda está de luto pelo recente suicídio da esposa. Os dois se envolvem em uma relação turbulenta, sem nunca revelarem seus nomes. Porém, a história tem um profundo impacto em ambos, ele pela dor que sente pela esposa morta, ela porque está prestes a se casar.

    No filme, a identidade é o pilar sobre o qual se articulam todos os temas. Bertolucci define uma situação na qual os protagonistas iniciam uma relação carente de identidade; é uma relação apenas sexual, cimentada, de certa forma, em seu próprio passado.

    A relação impossível do casal evidencia a crise do indivíduo e da sociedade em que se desenvolve. Colocou em cheque as consciências puritanas de vários países, inclusive no Brasil, entre 1972 e 1980.
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    Io Ballo Da Sola (Beleza Roubada), de 1976, trata de uma jovem americana que sofre um trauma terrível devido ao suicídio de sua mãe. Com a intenção de superar o trauma e esquecer o que ocorrera, viaja para a região italiana da Toscana. Ali descobre novos sentimentos, em companhia da família que a hospeda e encontra o amor.
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    Novecento (1900), de 1976, retrata Alfredo e Olmo, dois amigos de infância separados por sua posição social, que se encontram depois de adultos em bandos opostos, na grande luta de classes que marca a primeira metade do século XX na Itália.
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     La Luna, de 1979, narra a história de Caterina, uma famosa cantora de ópera americana que fica viúva e se vê forçada a levar seu filho em uma turnê pela Itália. A partir deste momento, entre a mãe e o filho inicia uma relação crescentemente incestuosa, ao mesmo tempo em que o jovem se introduz no mundo da heroína.
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    L'Ultimo Imperatore (O Último Imperador), de 1987, é uma superprodução que narra o nascimento de uma nova era para a China Imperial, durante 1908, através de Pu Yi, um menino de três anos, que é arrancado dos braços da mãe durante a noite e conduzido para a Cidade Proibida.
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    Em Piccolo Buddha (O Pequeno Buda), produção de 1993, um jovem casal de Seattle conhece um grupo de monges tibetanos que lhes afirmam que seu filho é a reencarnação de um Buda do Butão. Depois da incredulidade inicial, o casal e seu filho partem para o país asiático, onde encontram uma forma de vida e crenças que desconhecem. É uma fábula para a criança que todos levam dentro de si, mostrando ao Ocidente a experiência do budismo.
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    Em The Sheltering Sky (O Céu que nos protege), de 1993, Port Moresby e sua mulher Kit viajam em férias ao norte da África, entediados. Após dez anos, a convivência é difícil e na viagem buscam um motivo para continuarem juntos, algo que os reaproxime. Porém, como isso não ocorre, Kit começa uma aventura com um companheiro de viagem e Port se sente atraído por uma sensual mulher árabe. Cada vez mais penetrando no deserto, nenhum dos dois encontra alívio nem inspiração.
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    Em L’Assedio (Assédio), de 1998, Shandurai é uma jovem africana que foge de seu país quando o marido é preso pelos militares. Em Roma, trabalha como assistente de Mr. Kinsky, um professor de piano. Vive no sótão de sua casa, estudando medicina. Essa relação muda quando o pianista lhe confessa estar apaixonado por ela.
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    The Dreamers (Os Sonhadores), produzido em 2003, narra a vida de três jovens, dois irmãos gêmeos franceses e um amigo americano, em maio de 1968. Enquanto as ruas de Paris ardem com manifestações e revoltas, os jovens filosofam sobre a vida em um apartamento, sem saírem à rua, descobrindo-se a si mesmos através de jogos que conduzem ao erotismo, ao amor e a um estilo de vida diferente.
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    Triunfo do Amor, de 2003, conta a história de uma princesa que se apaixona perdidamente por seu maior inimigo, Agis, o legítimo herdeiro de seu trono. Vivendo no exilio, Agis convive com um filósofo e a irmã deste, que o educaram odiando a princesa. Determinada a conquistá-lo, a princesa viaja à sua vila, onde, armada com seu incomparável talento para o disfarce, tece uma intrincada rede de sedução que agita todas as paixões e toca a todos os corações.
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    Io e te (Eu e Você), de 2012, é inspirado na obra homônima escrita pelo italiano Niccolò Ammaniti e retrata a vida de Lorenzo, um jovem tímido e antissocial, que engana aos pais dizendo que fora a uma excursão com os colegas da escola, mas na verdade se escondera no sótão da própria casa. Bertolucci apresenta o diálogo secreto de Lorenzo com a meia-irmã Olívia, que inesperadamente entra no esconderijo do adolescente.

    Eu e Você estabelece uma dialética entre o dentro e o fora, o lugar de recolhimento, longe da vida cotidiana, de Lorenzo, e as experiências de Olívia, em uma intimidade que vai avançando, ainda que os dois estejam em estágios diferentes. No descobrimento dessa afinidade imprevista, que veicula o arquétipo do encontro de contrários em um local fechado, Lorenzo se nega a abrir-se para a vida, enquanto Olívia já viveu muito.


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15
Mar17

Muddy Waters, a semente do rock

António Garrochinho


     Quando se fala do blues de Chicago, Muddy Waters – literalmente, “águas lamacentas” – é o exemplo mais típico: ligado às suas raízes, orgulhosamente, retirou o blues do fundo do Mississipi e, através de todas as novidades musicais que surgiram na época, do boom do folk ao flower power, do rock ácido à apatia, evitou ceder à música comercial, seguindo sempre seu instinto. 

    Nele se funde toda a paixão, a raiva e a sensualidade do blues, de um blues estridente no qual se encontra o suor, as dores e as fantasias dos trabalhadores de Chicago.
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    Muddy Waters nasceu McKinley Morganfield, em Rolling Fork, Clarksdale, no delta do Mississipi, no dia 4 de abril, mudando-se aos três anos para a plantação de Stovall. Sobre o ano de seu nascimento há controvérsias, havendo registros de que teria nascido no ano de 1913. Porém, os registros existentes, dentre os quais se inclui a data registrada em seu túmulo, levam à certeza de que nasceu em 1015.

    Suas primeiras experiências musicais ocorreram em pequenos grupos de música country que acompanhavam os bailes nos sábados à noite, mas seu encontro com o blues veio do convívio com Son House e Robert Johnson.

    O jovem McKinley recebeu o codinome de Muddy Waters por sua estranha fixação em adentrar os lamaçais, não apenas pelo gosto de brincar na lama, mas porque era conhecido nos arredores como destilador ilegal de álcool, além de exímio guitarrista.

    Em 1941 o estudioso do folclore Alan Lomax chegou a Clarksdale quando viajava pelo sul dos Estados Unidos em busca de testemunhos da lenda de Robert Johnson, recém falecido, e para gravar artistas negros desconhecidos para a Biblioteca do Congresso. Atraído pela fama de Waters, que em princípio mostrou-se receoso, Lomax gravou Country Blues e I be’s troubled, que nunca foram publicados. Um ano mais tarde, Waters gravou novamente para Lomax, acompanhado de outros músicos, e a gravação foi publicada anos mais tarde no disco Down on Stovall’s Plantation.

    Abandonou o delta do Mississipi em 1943 e mudou-se para Chicago, encontrando trabalho em uma fábrica de ,e inseriu-se no mundo do blues. Conheceu outro gigante da cena musical de Chicago, Big Bill Broozy, que o levou consigo pelo circuito dos clubes, inserindo-o na banda de Sonny Boy Willianson como guitarrista, onde também cantava em algumas ocasiões, quando Sonny Boy se sentisse “indisposto”.

    Começou, em 1947, a gravar para a Chess Records. A princípio, tocava sozinho ou com, no máximo, um baixo e outra guitarra como acompanhamento. Em 1950 formou um grupo com o mestre da harmônica Little Walter e, nos anos seguintes, constituiu-se a The Muddy Waters Band: Little Walter, Jimmy Rogers na guitarra, Otis Spann no piano e inúmeros outros músicos que sucessivamente tocaram baixo e bateria.
    Durante os anos cinquenta esteve na vanguarda do mercado do blues. Os shows de sua turnê pelo sul foram tão concorridos que quando havia menos de seiscentas ou oitocentas pessoas o show era considerado um fracasso. Cantava de forma livre, acompanhado pelos pés, saltando, movendo todo o corpo, como se fosse a expressão física do seu blues. 

    Sua fama começou a crescer e também as gravações, em que conservou seu estilo mais puro, destacando-se I can’t be satisfied e I fell like going home.
    Muddy Waters continuou gravando para a Chess Records até 1977, destacando-se temas como Mannish BoyGot my Mojo WorkingShe moves me e os cedidos por seu amigo Willie Dixon: Hoochie Coochie ManI just want make love to you e I’m ready, clássicos que passaram à história da música e que marcaram seu estilo pessoal e insuperável.
    Em 1977 abandonou a Chess Records e foi acolhido por Johnny Winter na Blue Sky, onde gravou Hard Again, Unk in Funk, Chess, I'm Ready, Muddy "Mississippi" Waters Live e King Bee. 
    Graças aos seus três últimos discos, retomou as turnês compartilhando o palco com artistas como Eric Clapton e Rolling Stones. Sua saúde começou a debilitar-se e no outono de 1982 fez sua última aparição pública em um show de Eric Clapton. A última canção que Muddy Waters cantou foi Blow Wind Blow, de 1953.
    Retirou-se então para Westmont, Illinois, onde faleceu em 30 de abril de 1983, aos sessenta e oito anos.

    Sua influência na evolução da música dos anos sessenta e setenta não pode ser medida, embora se possa afirmar, sem a menor sombra de dúvida, que sem Muddy Waters a música que hoje é reconhecida como rock não seria a mesma, porque a força que imprimiu e transmitiu às suas canções foram decisivas para essa evolução.

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15
Mar17

PCP solidário com Dilma Rousseff

António Garrochinho



O secretário-geral do PCP recebeu esta tarde Dilma Roussef, no âmbito da sua visita a Portugal. No decorrer do encontro, Jerónimo de Sousa reafirmou a posição solidária dos comunistas portugueses para com a presidente eleita do Brasil, bem como a denúncia e a condenação do golpe que conduziu à sua destituição do cargo, considerando tratar-se de uma operação golpista contra um processo de sentido progressista e de afirmação soberana, no Brasil, que se iniciou em 2003, com a eleição de Lula da Silva.

No encontro, foi ainda reafirmada a solidariedade do PCP para com os comunistas e outras forças progressistas brasileiras, face à ofensiva contra os direitos, a democracia e a soberania do Brasil levada a cabo pelo governo golpista de Michel Temer.

Destituição resultou de um golpe parlamentar

Dilma Rousseff, que se encontra em Lisboa para dar a conferência «Neoliberalismo, desigualdade, democracia sob ataque», participou, esta manhã, num encontro com a imprensa na Fundação José Saramago. Ali, afirmou que o processo que culminou no seu impeachment resultou de um golpe parlamentar, com o apoio de alguns sectores financeiros e empresariais, visando atacar o ciclo de vitórias do Partido dos Trabalhadores.
Concretizada a destituição, está em curso um golpe social no Brasil, marcado pelo ataque aos direitos. Dilma chamou a atenção para a emenda constitucional que congela por 20 anos a despesa pública primária, assim como para a desconstrução da Previdência. Neste sentido, a presidente considera que o Brasil se encaminha para uma situação económica, política e social muito difícil.

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15
Mar17

História das matrículas automóveis em Portugal

António Garrochinho


Em Portugal, pelo menos desde 1901, altura em que foi posto em vigor o primeiro diploma legal que estabelecia regras específicas para a circulação automóvel, começaram a ser emitidas matrículas (licenças de circulação de automóveis) pelos Governos Civis dos distritos.

O Decreto de 3 de Outubro de 1901 estabelecia a obrigatoriedade de todos os automóveis trazerem na sua parte posterior, uma chapa metálica com a inscrição em caracteres bem visíveis do número da licença e da sede de distrito em que foi concedida.

Pelo que se pode observar em fotografias da época as referidas chapas apresentavam inscrições do tipo LISBOA 123 ou LXA. 234 (para veículos matriculados em Lisboa) e, além da parte posterior do veículo, eram também colocadas por vezes na sua parte frontal.


Assim, vejam-se os seguintes exemplos:

Zona norte de Portugal N- 287; N- 498; N-869...
Zona centro de Portugal C- 289; C-523; C-968...
Zona sul de Portugal S-403; S-741; S-990

Esta realidade vigorou até 31 de Dezembro de 1936, altura em que foi introduzido um novo sistema
de numeração.


Nas matrículas dos automóveis de aluguer era colocado um "A" no final do número de série (ex.: S-4226-A). Nas dos automóveis matriculados provisoriamente, no final do número eram colocadas as letras "WW" (ex. S-1703-WW). Os automóveis do Exército usavam a sequência MG-000, que se manteve em uso até à década de 1950.


Em 1918 foram estabelecidas as zonas de registo dos Açores e da Madeira, sendo-lhes atribuídas as sequências A-000 e M-000, respectivamente.
Este sistema e sequências de matriculação iriam estar em vigor nas ilhas até 1962, portanto até muito depois do que aconteceu no continente em que só duraram até ao final de 1936.

Apesar deste sistema ser claro e racional, na década de 1930 existiam já tantos automóveis a circular que, em algumas Zonas tais como a Sul que incluía Lisboa, o número de série já atingia os 5 dígitos.
Como esta situação tornava difícil uma rápida identificação das viaturas pelos agentes de autoridade, começou a estudar-se um novo sistema de matriculação que permitisse um registo de um elevado número de viaturas sem apresentar muitos caracteres.


Assim, no dia 1 de Janeiro de 1937 entrou em vigor o segundo sistema nacional de matriculação de automóveis em Portugal.


Este sistema consistia em matrículas compostas por três grupos de dois caracteres (um de letras e dois de números) separados por traços, sendo escolhida a ordem AA-00-00.
Foi mantida a divisão das matrículas por zonas que agora eram identificadas, apenas indirectamente, através dos grupos de letras que lhes estavam reservados.
Assim os grupos de AA a LZ foram reservados para a Zona de Lisboa (antiga Zona Sul), os MA a TZ para a do Porto (antiga Zona Norte) e os UA a ZZ para a de Coimbra (antiga Zona Centro).
As chapas continuaram a ser de fundo preto com caracteres a branco, com excepção dos veículos diplomáticos ou em importação temporária.






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O material utilizado nas chapas era o plástico, sendo os caracteres em relevo.


No princípio da década de 1980, com o início do esgotamento das séries de matrículas reservadas a algumas das zonas de matriculação, decidiu-se acabar com a separação por zonas e passar matricular-se sequencialmente os veículos a nível nacional.
Mas, mesmo com a matrícula sequencial nacional, a série AA-00-00 começava rapidamente a chegar ao fim.
Para adiar esse fim ainda foi autorizada a utilização das "famosas" combinações CU e FD e a utilização das letras Q e J.
Em 1985 as matrículas diplomáticas passaram a ter uma sequência diferente da normal, no formato 000-CD000, 000-CC000 e 000-FM000, em que o primeiro grupo de algarismos identificava o país do utilizador do veículo e o grupo de letras o seu estatuto diplomático.

Em 1992 chegou finalmente ao fim a sequência AA-00-00, sendo substituída pela 00-00-AA.
Ao mesmo tempo que se procedeu à mudança de sequência, procedeu-se também à introdução um novo tipo de chapa de matrícula.


A nova chapa era metálica com fundo branco reflector, caracteres a negro e a "eurobanda" colocada no lado esquerdo.


A "eurobanda" consistia numa barra azul, com o emblema da então Comunidade Europeia, sobre a letra identificativa do país, "P" no caso de Portugal, que foi o segundo país a adoptá-la
. Na nova sequência nenhum grupo de letras foi reservado a organizações ou entidades especiais.
O único caso de reserva de letras ocorreu durante 1997 em que os grupos KA a KZ foram atribuídos especificamente a veículos importados que já tivessem sido matriculados noutros países.
Os grupos WA a WZ e YA a YZ também estavam reservados para esse fim, mas nunca foram utilizados dado que esse procedimento foi descontinuado.
Em 1998 deu-se a introdução no lado direito das chapas de matrícula de uma barra amarela com a indicação do mês e do ano da primeira matriculação do veículo.
Em 2005 a sequência 00-00-AA chegou ao fim, sendo substituída pela 00-AA-00.


15
Mar17

Tomás Correia recusa demitir-se da dona do Montepio Geral

António Garrochinho


Tomás Correia pediu “serenidade” e “calma”, e garantiu concordar que o regulador dos seguros passe a fazer a supervisão da instituição, desde que não se esqueça do seu carácter social.
Tomás Correia recusou ontem demitir-se da presidência da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) e garante que aceita ser supervisionado pela Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões. Declarações que surgem em resposta à notícia do PÚBLICO desta terça-feira, sobre um alerta da KPMG às contas consolidadas de 2015 do grupo Montepio que revelam um “buraco” de 107 milhões de euros.
A reunião do conselho geral da AMMG que decorreu na terça-feira, para debater em especial as contas consolidadas de 2015, começou a meio da tarde e acabou por volta das 20h30. Estiveram presentes os 23 conselheiros e Tomás Correia fez-se acompanhar de um representante da KPMG que procurou justificar os alertas realizados na certificação dos números. 
O encontro arrancou em clima de tensão, a reflectir as várias sensibilidades que existem dentro do conselho geral, com os representantes das listas de Eugénio Rosa e de António Godinho, que se opõem à actual gestão, a colocarem objecções. O que terá levado a reacções crispadas por parte de Tomás Correia, como contou ao PÚBLICO um alto dirigente da instituição, que registou ainda o desconforto do ex-administrador Almeida Serra, eleito pela facção do presidente.Para além da deterioração do balanço consolidado do grupo, os últimos meses têm sido marcados por um distanciamento crescente entre os dirigentes da AMMG e a gestão da Caixa Económica chefiada por José Félix Morgado – este sábado o Expresso revelou um relatório do Banco de Portugal “arrasador” para iniciativas de Morgado à frente do banco. 
As contas consolidadas terão de ser aprovadas em assembleia geral da AMMG, a dona da Caixa Económica, e que, segundo os estatutos, terá de se realizar até 31 de Março.
Esta terça-feira o PÚBLICO noticiou que as contas consolidadas da AMMG (incluem as das participadas, banco e seguradora Lusitânia) de 2015 apresentam um “buraco” de 107.529 milhares de euros, o que levou ao alerta (ênfase) da KPMG: “Chamamos a atenção para o facto de, à data de 31 de Dezembro de 2015, o Montepio Geral – Associação Mutualista apresentar capital próprio negativo atribuível aos associados no montante de 107.529 milhares de euros.”
Este aviso do auditor foi reproduzido na nota enviada esta terça-feira à comunicação social pela AMMG como esclarecimento à informação do PÚBLICO, o que não impediu que no mesmo comunicado se refira que a notícia “não corresponde à verdade”.

Falência técnica

Já durante a conferência de imprensa que se realizou antes do conselho geral, de reacção aos acontecimentos de terça-feira, e onde se fez acompanhar pelo padre Vítor Melícias, o líder da AMMG confessou que o que mais o “chocou [na notícia do PÚBLICO] foi a utilização da palavra 'falência'”. No entanto, a expressão usada pelo PÚBLICO para ilustrar o desequilíbrio financeiro da AMMG, e reflectido nos capitais próprios negativos, foi a de “falência técnica”. Um termo enquadrado pelo Código das Sociedades Comerciais e que não remete para uma falência pura.
“Não podemos ceder ao facilitismo de quem utiliza determinados expedientes para atingir determinados fins”, observou Tomás Correia, que recusou abandonar as suas actuais funções, apesar de ser arguido em investigações judiciais por decisões tomadas enquanto presidente da Caixa Económica, cargo de que se afastou por pressão do Banco de Portugal (BdP) no Verão de 2015.
Declarações que surgem num momento em que se avolumam as críticas à acção do BdP, no caso do banco Montepio, e à falta de supervisão sobre a Associação Mutualista, a cabeça do grupo, cujo controlo cabe ao Ministério da Segurança Social.
É neste quadro de dúvidas sobre a supervisão efectivamente exercida que existe um elevado grau de dependência das duas entidades: a exposição da AMMG à Caixa Económica e às empresas do grupo ronda os 87%.
Ao longo do dia de ontem, Tomás Correia pediu “serenidade” e “calma”, e garantiu concordar que o regulador dos seguros passe a fazer a supervisão da instituição, desde que não se esqueça do seu carácter social: “Não estivemos nunca em desacordo e continuamos a dar a nossa total concordância para que a ASF [Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões] possa fazer a supervisão do Montepio e das associações mutualistas.”
De acordo com o jornal digital Eco, em Fevereiro de 2016, “um grupo de associados do Montepio requereu uma audiência ao Ministério do Trabalho para alertar para a difícil situação financeira da AMMG com risco de os capitais próprios entrarem no vermelho e de os prejuízos continuarem”. O Eco adianta que a reunião só aconteceu em Janeiro de 2017. Na terça-feira, Tomás Correia assegurou estar em contacto permanente com a tutela, ou seja, com o ministro Vieira da Silva.
Este, por sua vez, citado pela Lusa, apenas disse que os produtos da AMMG avaliados pelo Governo estão com “rácios confortáveis” e lembrou que a Caixa Económica integra o sector financeiro.
Ainda na terça-feira, a AMMG apresentou as suas contas individuais de 2016, portanto sem contar com o impacto da Caixa Económica e da Lusitânia. Segundo os dados divulgados, a AMMG teve lucros de 7,4 milhões, contra o prejuízo de 393,1 milhões de euros registados em 2015.



www.publico.pt
15
Mar17

Segurança Social notificou 15.700 contribuintes por atrasos no pagamento das contribuições

António Garrochinho



O ministro do Trabalho, Vieira da Silva
Vieira da Silva pondera alterar a lei relativa aos valores das multas
O ministro do Trabalho admitiu esta terça-feira alterar os valores das multas por atrasos na entrega de contribuições à Segurança Social por parte de trabalhadores independentes e entidades empregadoras. José Vieira da Silva, que está esta tarde numa audição na comissão parlamentar de Trabalho, afirmou que a diferença entre um trabalhador independente, que paga 50 euros de multa, e uma empresa com 50 trabalhadores, que paga 100 euros, "não é explícita", ou seja, não é suficientemente diferenciada. Uma questão que tem de ser "resolvida em sede legislativa", adiantou, acrescentando que o governo "irá estudar a possibilidade de distinguir" as duas situações.
Desde o início deste mês foram notificados 15.700 contribuintes pela não entrega, dentro dos prazos, das contribuições à Segurança Social relativas ao mês de janeiro. A aplicação de multas nestas situações está prevista no Código Contributivo, mas de acordo com o ministro isso não acontecia até agora. Do total de notificações, 77% diz respeito a entidades empregadoras.
José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, desafiou Vieira da Silva a suspender estas multas aos trabalhadores independentes e a anular as que já foram emitidas, até que seja feita essa diferenciação entre contribuintes individuais e empresas. Uma hipótese que foi rejeitada pelo ministro, que admitiu apenas vir a rever futuramente o valor das multas.


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António Garrochinho

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