Parte da mitologia quase divinal ao redor da figura do cantor e compositor jamaicano Bob Marley vem, somando-se ao seu magistral talento, de suas origens. Marley é praticamente o único superstar mundial que veio do terceiro mundo. Não somente, mas de um país especialmente pobre, periférico e negro como a Jamaica – de onde saiu para se tornar um dos maiores nomes de toda a história da música pop, especialmente na segunda metade dos anos 1970.
No início da década, porém, Marley ainda era um astro local em ascensão, lutando para conquistar outros mercados que não somente o jamaicano – em especial, o inglês e o americano, que lhe garantiriam, se conquistados, o resto do mundo. Foi nesse início de carreira que a fotógrafa jamaicana Esther Anderson conheceu e se tornou amiga de Marley, a quem fotografou em 1973.
Esther registrou o jovem cantor, ainda sem os característicos dreadlocks, pelas ruas e praias de Kingston, capital jamaicana, assim como em sua casa. Suas fotos foram utilizadas como primeiros materiais publicitários para o lançamento da carreira de Bob Marley pela Island Records, que o levaria ao estrelato global. Uma das fotos se tornaria a icônica capa do primeiro disco dos Wailers, Catch a Fire, na qual Bob fuma um imenso baseado.
A clássica foto que se tornou capa do primeiro disco; abaixo, a foto seguinte
Tal material fotográfico foi reunido na exposição Bob Marley: A Rebel Prophet (Bob Marley: Um Profeta Rebelde) que ocorreu em Londres no início desse ano. Antes de se elevar à condição do mensageiro rebelde, do profeta rasta, do guerreiro negro, as imagens mostram um jovem artista rumando ao campo de batalha dos palcos para mostrar o impressionante talento que já possuía e poder, assim, transformar o mundo.
Esther Anderson e Bob Marley
Leia a matéria da Vice que entrevistou a fotógrafa e cineasta jamaicana que ficou amiga de Marley antes de sua ascensão à fama.
A proposta do BE incidia sobre todos os produtores de energias renováveis, com destaque para a EDP, que detém uma quota de mercado de 25%. Do total de 250 milhões de euros que seriam arrecadados com a taxa extraordinária, visando a extinção da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, caberia à EDP pagar cerca de 60 milhões de euros. A mesma empresa onde trabalham vários ex-governantes do PS.
Desde logo António Vitorino, ex-ministro da Defesa Nacional, que é membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP e presidente da Mesa da Assembleia Geral da EDP. O vice-presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP é Luís Amado, outro ex-ministro da Defesa Nacional (e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros) em governos do PS.
Augusto Mateus, ex-ministro da Economia, também integra o Conselho Geral e de Supervisão da EDP. Quanto a Francisco Seixas da Costa, ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus, desde abril de 2016 que exerce o cargo de administrador não-executivo da EDP Renováveis, onde estão concentrados os negócios da EDP no setor das energias renováveis.
Por sua vez, João Marques da Cruz (administrador executivo da EDP) não é um ex-governante, mas é um militante do PS e apoiante de Costa. Na noite de 28 de setembro de 2014, Marques da Cruz festejou a vitória de Costa nas eleições diretas contra António José Seguro, empunhando uma bandeira do PS junto ao Fórum Lisboa (quartel-general da candidatura de Costa), como relatou na altura a Rádio Renascença.
“Estas eleições são a prova de que quando os partidos se abrem às pessoas, a adesão é sempre boa. Nasce um novo ciclo para o PS e para o país”, disse Marques da Cruz. “Numa campanha em que as acusações de promiscuidade entre negócios e política foram feitas a António Costa, nomeando apoiantes que o personificam, sendo Marques da Cruz administrador da EDP, não se sentiu atingido?”,perguntou a jornalista da Rádio Renascença. “Separo totalmente as minhas responsabilidades como cidadão e profissionais. Estou cá como cidadão,“ respondeu Marques da Cruz.
Enquanto administrador da EDP, desta vez Marques da Cruz também terá festejado a vitória de Costa sobre a proposta do BE, negociada por Jorge Seguro Sanches, atual secretário de Estado da Energia (e, por ironia do destino, primo de António José Seguro).
Muitos outros ex-governantes ou ex-políticos (do PS, como do PSD e do CDS-PP) foram recrutados pela EDP (antes e depois da privatização) ao longo das últimas décadas. Por exemplo, o atual presidente executivo da EDP, António Mexia, foi ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações num Governo de coligação entre o PSD e o CDS-PP. Aliás, Mexia foi nomeado presidente do Conselho de Administração da EDP em 2005, menos de um ano depois de ter cessado funções governativas. E o presidente do Conselho Geral e de Supervisão, Eduardo Catroga, foi ministro das Finanças do PSD.
Mais discreta foi a passagem de Vital Moreira (ex-deputado e ex-eurodeputado do PS) pelo Conselho de Supervisão da EDP, entre 2007 e 2009. Curiosamente, Moreira foi uma das vozes do PS que alertaram nos últimos dias para os riscos inerentes à proposta do BE.“Iria gerar seguramente pedidos de indemnização por responsabilidade extracontratual do Estado“, sublinhou Moreira no dia 28 de novembro, em texto publicado no blogue “Causa Nossa”. “Que o BE tenha congeminado esta brilhante solução de ‘expropriação por via fiscal’, isso faz parte do irresponsável radicalismo antinegócios, típico da agremiação. Que o PS se tenha associado a ela até quase ao final, caindo na tentação da leviandade política, de que só à última hora recuou, já é bastante mais inquietante. Afinal, o esquerdismo pega-se por contacto”, escreveu Moreira, antigo militante do PCP.
Diz-se cada coisa, ao fugir a boca para as verdades!
O encerramento de seis unidades hospitalares em Lisboa, com a construção do Hospital de Lisboa Oriental em regime de PPP, foi rejeitado pelo PCP com uma moção na Câmara capital. O documento foi chumbado, com votos contra dos vereadores do PS, do CDS-PP e do PSD, e a abstenção do BE, que tem o pelouro da Saúde.
Fachada da Maternidade Alfredo Da Costa, em Lisboa. 5 de Abril de 2012. É uma das seis unidades hospitalares que serão encerradas com a abertura do Hospital de Lisboa OrientalCréditos
O lançamento da parceria público-privado (PPP) para construção do Hospital de Lisboa Oriental (HLO) consta da resolução do Conselho de Ministros publicada na passada terça-feira, em Diário da República. No documento, é explicitada a intenção de que a nova unidade hospitalar venha a substituir os seis hospitais que integram o Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) – Curry Cabral, D. Estefânia, São José, Santa Marta, Capuchos e Maternidade Alfredo da Costa.
Na reunião semanal da Câmara Municipal de Lisboa, no dia seguinte, os vereadores do PCP apresentaram uma moção que rejeitava este encerramento. Os vereadores comunistas sustentam que o novo HLO vai ter «menos camas, menos blocos operatórios, menos médicos e outros funcionários do que a soma dos seis» que actualmente integram o CHLC.
A isto, acresce o próprio regime de PPP que vai vigorar para a construção da unidade, assim como para a gestão do próprio edifício. De acordo com a decisão do Governo, a entidade que vier a ganhar o concurso público internacional vai encaixar mais de 415 milhões de euros com o negócio. O Estado vai começar a desembolsar as verbas a partir de 2023 e, até 2049, são previstos pagamentos médios anuais superiores a 15 milhões de euros, a preços correntes de Abril deste ano.
A moção, que rejeitava o encerramento dos seis hospitais do CHLC, foi chumbada, com os votos contra dos vereadores eleitos pelo PS, CDS-PP e PSD, e a abstenção do vereador do BE, que assinou recentemente um acordo com o PS e assumiu pelouros na autarquia lisboeta.
No momento da entrega das listas do BE às autarquias da cidade, em Agosto, o actual vereador da Saúde, Ricardo Robles, revelou «uma preocupação muito grande» com a perspectiva de «avançar para um novo hospital, encerrando outros e reduzindo o número de camas». Na altura, a candidatura do BE defendia uma «discussão ampla, de debate público», logo no início do actual mandato autárquico.
Esta quarta-feira, através da sua página no facebook, Robles afirmou que manter os seis hospitais em funcionamento após a construção do HLO seria uma «decisão errada», já que «devemos repensar o funcionamento dos antigos espaços».
UMA FOLHA DE LIXA QUE PARECE CARNE NUM PRATO UMA PEDRA QUE PARECE ENTREMEADA MAS NÃO É OUTRA PEDRA QUE SE PARECE COM UMA BATATA UMA FOLHA SECA QUE SE ASSEMELHA A UMA BANANA
Como a cada ano acontece, em 2017 não foi diferente e já temos os vencedores do concursoEpson International Pano, que reparte prêmios às melhores fotografias panorâmicas tomadas em todo mundo. Nesta edição receberam quase 6.000 imagens por parte de mais de 1.300 fotógrafos, e como resultado temos uma espetacular seleção de ganhadores. Todos eles competiram por prêmios que somaram 50.000 dólares divididos entre várias categorias. Temos certeza que realizar a seleção foi uma tarefa árdua e complicada, pois o nível da competição é altíssimo. Sem mais preâmbulos, deixamos as fotos dos ganhadores para que desfrute de suas espetaculares imagens.
Militar e político francês, nasceu na Córsega em 1769. Foi para o continente cumprir os seus estudos, terminando em 1785 a Academia Militar sem distinção alguma. A seguir à Revolução de 1789, as suas simpatias políticas inclinaram-se para a fação dos Jacobinos, os radicais que viriam a ser responsáveis pela instituição do Terror.Neste período agitado, a sua fortuna variou bastante: Napoleão foi promovido rapidamente, mas depois substituído das suas funções de comando e mesmo preso. Os revezes da sorte, aliás, marcariam todo o decurso da sua vida política e militar.
Nos anos do Diretório recuperou Napoleão a sua posição de destaque no exército e a sua influência junto do poder político. Sob este regime teria oportunidade, em 1796, de realizar feitos militares importantes contra os exércitos austríacos e italianos. As suas vitórias deram-lhe algum do prestígio de que carecia para prosseguir a sua ascensão. De seguida, em 1798, tomou, de acordo com as suas aspirações expansionistas, Malta e o Egito, mas viria a ser derrotado pelos ingleses e voltaria a França, onde, em finais de 1799, dirigiu um golpe de Estado que fez dele cônsul, partilhando o poder com dois seus iguais. Dentro em pouco, porém, faria o regime derivar para uma ditadura de cariz militar, enquanto esvaziava de poder efetivo as funções desempenhadas pelos outros cônsules da República.Uma vez consolidado o seu poder no plano interno, as novas campanhas de Napoleão fizeram-lhe aumentar ainda mais a popularidade, de tal modo que, em 1802, um referendo nacional o declarou cônsul vitalício e lhe outorgou o direito de escolher o seu sucessor. A 2 de dezembro de 1804 proclamar-se-ia mesmo imperador. Na cerimónia da coroação, teria o arrojo de retirar das mãos do Papa Pio VII a coroa para se coroar a si próprio e depois coroou a esposa, Josefina..
Entretanto, dava continuidade à sua política expansionista, contando com a Inglaterra como país rival e principal adversário. As forças napoleónicas obtiveram grandes vitórias, como a de Austerlitz, em 1805, mas sofreram também pesadas derrotas: na Batalha de Trafalgar, em que a armada francesa seria derrotada pela frota do almirante Nelson, em 1805; nas incursões na Península Ibérica (Portugal, designadamente, foi alvo de três invasões entre 1807 e 1813, todas elas de resultado infeliz para Napoleão); e, sobretudo, na calamitosa campanha russa de 1812, em que um exército de quatrocentos e cinquenta mil homens foi desbaratado e o prestígio do imperador ficou severamente abalado.A partir desse momento, o poderio de Napoleão entrou em declínio acentuado. Em 1814 acabaria por ter que se render às forças aliadas da Inglaterra, Áustria, Rússia e Prússia, eretirou-se para a Ilha de Elba, preservando embora o título de imperador. Menos de uma ano depois, no entanto,voltaria a França para tomar o poder, mas seria derrotado por Wellington em Waterloo. Seguiu-se o exílio emSanta Helena, uma ilha longínqua do Atlântico. Passando os seus últimos anos de vida praticamente só, aí viria amorrer em 1821. O seu corpo encontra-se sepultado no cemitério de Les Invalides, em Paris.Napoleão foi umhomem incontornável na vida política da França - e da Europa - do seu tempo. Constituiu um império que deu umcontributo decisivo para a formação de países como a Grécia, a Itália e a Alemanha, seja por ter unificado osterritórios que se encontravam politicamente fragmentados, seja por ter pretextado o surgimento de sentimentosnacionalistas.
Napoleão Bonaparte. InInfopédia[Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012.
A Inglaterra, juntamente com a Áustria e a Rússia, baseadas na promessa de neutralidade da Prússia, forma em 1805 uma terceira coligação contra Bonaparte, que se fizera coroar rei de Itália. A actuação inglesa tinha por fim evitar que Napoleão atacasse a ilha britânica. O exército napoleónico atacou então os austríacos na Baviera,fazendo o general Mack capitular na batalha de Ulm em 20 de Novembro de 1805. Apesar da derrota sofrida emTrafalgar, a 21 de Outubro de 1805, Napoleão marchou sobre Viena, que viria a ocupar a 13 de Novembro, indo depois ao encontro do exército austro-russo em Austerlitz, na província da Morávia.
A Batalha de Austerlitz, também conhecida como a Batalha dos Três Imperadores, foi uma batalha que resultou numa das maiores vitórias de Napoleão Bonaparte, onde o Império Francês derrotou a Terceira Coligação. No dia 2 de Dezembro de 1805 , um exército francês, sob o comando de Napoleão, derrotou um exército austro-russo, liderado pelo czar Alexandre I da Rússia e pelo imperador Francisco II, após uma difícil luta de cerca de nove horas. A batalha teve lugar perto de Austerlitz (Slavkov u Brna), a cerca de 10 km a sudeste de Brno na Morávia, na altura uma região da Império Austríaco (actualmente República Checa). A batalha é vista como uma obra-prima em termos tácticos.
Quando Napoleão ocupou o planalto de Pratzen, um espesso nevoeiro ocultava as suas tropas, não permitindo aos austríacos aperceberem-se da manobra do imperador. Caída a bruma no campo de batalha, deu-se o fulminante ataque francês. Com esta vitória retumbante, tudo parecia concorrer para a invencibilidade dos exércitos de França comandados por um só homem, que era para além de génio militar, um soberano absoluto.
Batalha de Austerlitz. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013.
Wikipedia (imagens)
Napoleão e as suas tropas na véspera da Batalha - Louis-François Lejeune
Napoleão em Austerlitz- François Gérard (Palácio de Versalhes)
O revolucionário e abolicionista norte americano John Brown nasceu no dia nove de Maio de 1800. Entre os seus feitos, o mais importante foi a defesa e prática de um levantamento armado com o objectivo de abolir a escravatura nos Estados Unidos da América. Brown foi líder do massacre de Pottawatomie, que causou a morte de cinco homens no ano de 1856 e ficou para a história como Bleeding Kansas. Três anos depois, ficou conhecido após uma incursão sem sucesso em Harpers Ferry, cidade do estado da Virgínia Ocidental.
Na rebelião de Harpers Ferry, Brown tentava dar início a um movimento contra a escravatura. Com isso, deixou os norte americanos alarmados e acabou por ser julgado por trair o Estado da Virgínia, além da morte de cinco sulistas que eram a favor da escravatura. Após o julgamento, foi considerado culpado de todas as acusações e acabou enforcado a 2 de Dezembro de 1859.
Num primeiro momento, a atenção dada a John Brown veio por ter organizado pequenos grupos de voluntários durante a crise de Bleeding Kansas. Contrário aos grupos do Norte que defendiam uma resistência pacífica contra a escravatura, disse a seguinte frase: “estes homens só falam, o que precisamos é de acção, acção!”. Segundo historiadores, Brown teria perdido a paciência após presenciar a morte do jornalista Elias Lovejoy, morto por uma multidão pró-escravatura.
Já no assalto ao arsenal federal de Harpers Ferry, houve a morte de sete pessoas e dez ficaram feridos. Após apreender o armamento, Brown tinha o objectivo de armar os escravos, mas a sua estratégia foi mal sucedida. Num período de 36 horas, os adeptos do seu grupo foram mortos ou capturados.
Segundo David Potter, historiador norte americano, as acções de John Brown foram de profunda influência para o início da Guerra Civil Americana. Os seus feitos tinham muito mais poder do que os debates entre Abraham Lincoln e Stephen Douglas, mostrando que havia uma profunda divisão entre o Sul e o Norte.
No ano da sua execução, 1859, John Brown atraiu a atenção do país inteiro pelos seus discursos no julgamento. Pelas suas ideias e atitudes, acabou sendo denominado como “o americano mais controverso do século XIX”.
Diva da música lírica, Maria Callas, baptizada como Maria Anna Sophie Cecilia Kalogeropoulos, nasceu no seio de uma família grega, na cidade de Nova Iorque, no dia 2 de Dezembro de 1923.
A sua voz tinha um timbre único e emblemático, que a transformou na maior soprano da história do estilo lírico e na mais famosa intérprete de ópera do século XX. Além disso, ela protagonizou várias óperas até então votadas ao esquecimento.
No dia 21 de Janeiro de 1941 ela estreou-se profissionalmente como Beatrice, na ópera Bocaccio, no Palas Cinema, em Atenas, com a Companhia de Teatro Lírico, ao lado da qual ela também se apresentará em Tosca, Tiefland, Cavalleria Rusticana, Fidelio e Der Bettelstudent, nos quatro anos seguintes.
O seu ‘debut’ em Itália aconteceu em 1947, na cidade de Verona, quando interpretou Gioconda, sob a direcção do maestro Tullio Sefarin, que a partir de então se tornou o seu mestre na música. Em 1949 Callas contraiu matrimónio com Giovanni Battista Menegghini; esta união duraria apenas dez anos. Maria ela revelava na sua vida privada o mesmo dramatismo que apresentava nos palcos, ao interpretar as suas inúmeras heroínas. Não era fácil para maestros e companheiros de trabalho actuarem ao seu lado, pois ela entrava constantemente em conflito com os colegas. Outra façanha de Maria refere-se à silhueta. De soprano com excesso de peso, em poucos meses ela transformou-se numa sílfide e abriu um debate acalorado sobre o impacto do emagrecimento sobre a sua voz. Esse episódio é apontado como uma das maiores provas da sua quase lendária persistência, uma força de vontade assombrosa que a atraía como íman para todos os desafios, tanto na carreira artística como na vida íntima.
Depois de se separar do seu marido, mais velho que ela, Maria viveu uma forte paixão ao lado do grego Aristóteles Onassis, famoso pela sua vasta fortuna, junto a quem não encontrou a felicidade mas sim uma repercussão sensacionalista nos meios de comunicação social.
Callas manteve uma relação de amor e ódio com os administradores dos principais teatros em que actuou. No La Scalla de Roma entrou em conflito com Antonio Ghiringhelli, que a proibiu de subir ao seu palco, o que ela só voltou a fazer em 1960, com o espetáculo Poliuto, de Donizetti. Rudolf Bing exonerou-a do Metropolitan, após algumas divergências entre ambos.
A última etapa da sua existência aconteceu na sua residência, na capital francesa. A sua voz já não tinha o mesmo vigor. Maria morreu sozinha, no seu apartamento de Paris, a 16 de Setembro de 1977, vítima de um enfarte.
António Vitorino prepara candidatura à presidência de instituição da ONU
O antigo ministro socialista António Vitorino vai candidatar-se à presidência da Organização Internacional para as Migrações, instituição que pertence à Organização das Nações Unidas (ONU).
O Partido Socialista em Portugal, ao formar governo apoiado pela esquerda com a qual alcançou a maioria eleitoral em 2015, abriu um novo percurso ao país europeu tratado como um dos mais pobres do continente europeu. A elite de direita que comandava o governo desde a eleição de Mario Soares em 1976 quando aceitou as orientações de Kissinger, pelos Estados Unidos, e da Democracia Social europeia, procurou apagar as conquistas da Revolução do 25 de Abril que permitira ao povo organizado na reforma agrária e nos sindicatos construir um caminho verdadeiramente democrático para toda a nação.
Em alternados governos do antigo PS e do PSD, Portugal foi diluindo o respeito pelas questões sociais que atendiam ao desenvolvimento humano e social da sua gente, e prestando vénias à elite europeia filiada ao imperialismo estadunidense com a criação da União Europeia. Tais vénias tornaram-se visíveis pelos gestos de política subserviente nas acções invasoras da NATO no Oriente Médio e Norte da Africa, além da participação na destruição da Jugoslávia, e no recurso a créditos vorazes do Banco Europeu para obras megalómanas que serviram interesses estrangeiros no "pobre" país enfeitado com recursos de luxo para receber turistas e favorecer mercados externos. Enfim, a conhecida fórmula da colonização que destrói as forças produtivas nacionais e importa os maus hábitos do consumismo das sociedades ricas vestidos de "modernidade desenvolvimentista".
Mas a história caminha com a dialética como parceira. As crueldades contra os dominados despertam as consciências éticas e valorizam as associações para a luta do povo unido. O pensamento progressista disseminou-se tanto pela via política de esquerda como pela noção de dignidade e solidariedade dos que não se satisfazem com riquezas supérfluas e costumam olhar com interesse a realidade social que os cerca. E o grande partido de direita em Portugal, os aliados PSD e CDS-PP ficou menor que a soma dos progressistas e perdeu a condição de governar. Dois anos são passados e o PSD não perde a "dor de cotovelo" nem adquire lucidez política. Empacou.
Segundo o porta-voz do PSD no Parlamento, deputado Hugo Soares, o Governo PS está refém da esquerda - PCP e BE - "para resolver apenas questões menores, comezinhas, de reformas conjunturais" e precisa do apoio do PSD para realizar "o mais importante para o país, que são as reformas estruturais". Traduzindo em "bom português", as questões "menores e comezinhas" dizem respeito à legislação trabalhista para repor salários e condições de carreira para a maioria dos trabalhadores a todos os níveis, ao apoio ao sistema de saúde nacional e ao do ensino público ameaçados pelos privilégios da privatização, ao desenvolvimento de condições de sobrevivência com dignidade aos pensionistas, ao fortalecimento da capacidade de sobrevivência da Caixa Geral de Depósitos sob gestão do Estado, ao reordenamento das florestas de modo a reduzir a destruição causada pelos incêndios, a redefinir as formas de segurança social para defender com competência as populações surpreendidas por acidentes climáticos e de origem criminosa, enfim a organizar o país para que a população seja respeitada e tenha garantia de proteção social.
O que o partido de direita, PSD, supõe ser "o mais importante, por referirem as reformas estruturais", tem a ver com o favorecimento aos lucros dos empresários nacionais e seus parceiros estrangeiros, ao reforço pelo Estado, dos capitais em bancos privados, à submissão incontestável aos (des)mandos da Troika que minou a soberania de Portugal e proporcionou o endividamento responsável pela austeridade que foi suportada pela população mais pobre com o desemprego, a emigração, a fome e a miséria em índices gravíssimos registados pelas organizações internacionais.
Até quando irá a capacidade do PS, no Governo de Portugal, de suportar a pressão dos políticos de direita que estão na União Europeia e dentro de cada país membro, a favor da acumulação do capital e contra os interesses dos povos pelo desenvolvimento humano e nacional? A dúvida paira em relação à sobrevivência da humanidade e da natureza em todo o planeta.
Os processos de colonização hoje repetem-se, executados por elites nacionais de cada país onde a democracia tornou-se uma ficção. Não só ocorre no Brasil, que vai sendo oferecido em feira de saldos pelos traidores enquistados no Governo, mas em outros paises onde as conquistas populares foram esmagadas a mais tempo ou não chegaram a se instalarem como vitórias. É a moda da direita ocidental que usa um discurso democrático e movimenta as armas através de mercenários ou da NATO antecedida por uma falsa campanha em "defesa" do povo a ser vitimado. Puras falsidades a encobertarem perfídia, como Gandhi responsabilizava o Império Britânico, na luta pela independência da Índia ha quase 70 anos.
Foram aperfeiçoadas as formas de exploração e de escravidão, mas a perversidade das elites atingiu níveis que ultrapassam a normalidade do ser humano. Passou a ser mais que um mero egoísmo, ou uma simples alienação dos que vivem acima das dificuldades da vida, é um fenómeno patológico que requer atenção, médica como o gosto pela violência, pela visão do sofrimento alheio, pela extinção dos que os contrariam simplesmente por existirem. O ódio aos pobres e às minorias étnicas, o desprezo pelas questões sociais, revela-se na incapacidade da elite de distinguir povo de clientela, de confundir desenvolvimento nacional com aumento de capital.
Povos em luta, uni-vos!
Que a solidariedade internacionalista desvende as diferentes formas de ameaças que mascaram o novo colonialismo!
Zillah Branco - *Cientista Social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Chile, Portugal e Cabo Verde.
As notícias sobre as reservas de ouro ultimamente reaparecidas nos jornais recordavam a Ulisses Caldeira histórias que seu avô Geraldo lhe contara, do período da guerra. Guarda-fiscal em Elvas durante os anos quarenta, muitas vezes ali vira chegarem camiões vindos da Europa beligerante, a proibição de circulação em território luso de veículos estrangeiros obrigava a um transbordo no Caia. Aí conhecera em Agosto de 1943 Auguste Jacquet, um suíço que regularmente fazia a Península Ibérica, conduzindo camiões com carregamentos para o Governo português. Elementos da PIDE, a polícia política, aguardavam religiosamente a mercadoria a cada dois meses, Auguste dirigia-se geralmente ao tenente Lobato, e entregava-lhe umas guias, das quais a Guarda Fiscal era afastada, de soslaio invariavelmente nelas vira aposta a palavra Campfranc.
Certa vez, Auguste chegou um dia antes do previsto, o veículo de contacto da PIDE vindo de Lisboa estava atrasado. Geraldo, com algum tempo mais a sós com o suíço, tentou sondar o conteúdo do camião, que nunca inspeccionara, Auguste, lacónico, pouco adiantava, mas metia militares e alemães. Numa saída do camionista à casa de banho, espreitou o conteúdo, eram caixas de madeira com expressões em francês, umas dez, quase enchendo o camião.
Terminada a guerra, não mais as estranhas entregas se voltaram a realizar, e Geraldo esqueceu o camião de Auguste, até que um dia, dois anos depois, o reviu, agora ao serviço duma empresa de transportes francesa, Geraldo era já sargento, um sorriso de familiaridade acompanhou o reencontro dos dois, ia o Outono de 1947. Auguste vivia em Marselha, a empresa para que trabalhara antes fechara, os donos, alemães, haviam fugido depois da libertação da França. Ocasião aproveitada para satisfazer curiosidades antigas, nunca o estranho carregamento de Auguste, recebido com sigilo por agentes da polícia internacional lhe fora desvendado. O suíço, mais solto, convidou Geraldo para almoçar, depois duma soneca, e dispôs-se a falar:
-Os carregamentos que você nunca viu, eram geralmente remessas de ouro, em lingotes, enviadas a partir de contas alemãs no Banque National de Suisse, para pagamento de fornecimentos portugueses ao Reich: volfrâmio, conservas, têxteis, muito ouro trouxe para o seu país em quatro anos. Só que, vou-lhe contar um segredo, entre as remessas oficiais, havia coisas menos claras, está a ver….
-Não, não estou. Coisas menos claras? E a PIDE colaborava? Como pode ser isso?- Geraldo bem sabia que ali havia marosca.
Auguste decidiu-se a abrir o jogo, a guerra terminara, já não era nada com ele:
-Muitas das vezes que saí de Berna com o carregamento, recebi instruções sigilosas para fazer a rota via Biarritz. Aí deveria fazer um reforço de carga, antes do posto fronteiriço de Campfranc. Aliás, não era só eu, outros colegas meus o faziam também, com destino a Fuentes de Oñoro e Valencia de Alcântara, outros ficavam em Espanha…
-Mas o que iam carregar aí de especial? Armamento?
-Não…- Auguste fazia suspense….-Ao principio também eu desconhecia, mas depois descobri. Ouro! Lingotes de ouro! Só que este não era para pagamentos a bancos, era uma carga especial…
-Como assim?
-Mon ami, durante dois anos, a par de pagamentos internacionais da Alemanha ao vosso governo, via Suíça, aqui entraram para cima de 80 toneladas de ouro clandestino! A Alemanha controlou a Alfandega internacional de Canfranc durante a Guerra Mundial com um grupo de oficiais da SS e um membros da Gestapo, viviam no hotel da estação e numa cidade próxima, no lado francês. A Espanha não estava em guerra, mas Franco queria retribuir a ajuda que Hitler lhe dera na Guerra Civil, o que se traduziu em facilidades na circulação em toda a Península de ouro de várias proveniências...
Geraldo ouvia, mas que tinha isso a ver com o nosso país, a resposta veio célere:
-Portugal também esteve envolvido, e para cá vieram 74 toneladas de ouro,prata, armas relógios, etc, mas atenção: riquezas que altas patentes alemãs haviam confiscado a judeus em campos de detenção no Leste, e com que pensavam garantir o seu futuro depois da guerra.Os nazis permaneciam do lado da França ocupada,em Canfranc, aguardando os envios, viviam na estação, até realizavam lá concertos de piano para ocupar o tempo, estavam ali só para fazer o “despacho” para meter o ouro e outras coisas saqueadas aos judeus a salvo. Até dentes de ouro, e relógios...Depois, não sei o que sucedeu, mas no fim da guerra muitos deles fugiram para a Argentina e Brasil. Quanto ao ouro… alguém está hoje a fazer uma vida regalada com ele, por certo. É assim a guerra, meu amigo, o azar de uns é a sorte de outros!
Geraldo nada disse, a sua posição de guarda-fiscal impedia-o por precaução de criticar a colaboração da temida PIDE em manobras no mínimo irregulares. Despediu-se de Auguste e voltou para o seu posto. Seria a última vez que se veriam, meses mais tarde aposentou-se da vida de estrada e foi viver de vez para Saint Moritz.
Nessa mesma noite, em Elvas, onde morava há já sete anos, Geraldo, depois do serviço, após o jantar foi até uns galinheiros que tinha recuperado num terreno para os lado da Achada, já fora da vila, ali entreteria os seus dias com umas batatas e uns pintos quando a reforma da Guarda chegasse. Munido de um candeeiro a petróleo entrou no galinheiro, as poedeiras agitadas saltaram fora, dois ovos para uma açorda, brancos, estavam já a jeito. Atrás dum tijolo, e enterrado num buraco, um saco de sarapilheira guardava aquilo com que num futuro compraria muitos ovos, se preciso fosse: um lingote em ouro, amarelo e reluzente. Tanta viagem do Auguste havia-lhe aguçado a curiosidade, num dia em que o apanhara desatento, boquiaberto descobrira o conteúdo dos misteriosos camiões. E ladrão que rouba a ladrão….
Os anos passaram, já com mais de setenta, Ulisses, o neto de Geraldo, ouvia agora de novo falar do ouro que Salazar deixara, para precaver o futuro dos portugueses. Sorriu, ouvindo a SIC Notícias, não fora só Salazar quem fora previdente. E nem de propósito, estava na altura de visitar as propriedades herdadas do avô em Elvas, a ver se continuava a haver ovos no galinheiro…
A Guerra Colonial e a canção de intervenção progressista
A Guerra Colonial e a canção de intervenção
Guerrilheiros do PAIGC
Desde a conquista de Ceuta em 1415 até "à perda" do Brasil em 1822 que se foi criando em Portugal uma certa ideologia imperialista que a libertação do domínio espanhol em 1640 consolidou nesse imaginário. A independência do Brasil e o fim do efémero Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves fez retomar África como um "renascer das cinzas", incrementando o protagonismo de missionários e viajantes-exploradores, sendo consequência a fundação em 1875 da Sociedade de Geografia de Lisboa. Quando em 1890 a Grã Bretanha apresenta o Ultimatum a Portugal, concretizando tensões que considerava existir nos territórios africanos sob a sua protecção, exigindo a Portugal a retirada das forças militares chefiadas pelo major Serpa Pinto do território compreendido entre as colónias de Moçambique e Angola, surgiram protestos que correntes progressistas portuguesas aproveitaram para criticar a monarquia. Guerra Junqueiro, cujas poesias muito ajudaram na criação do ambiente que conduziu à República, escrevia na ODE À INGLATERRA Ó cínica Inglaterra, ó bêbeda impudente, ?Que tens levado, tu, ao negro e à escravidão? ?Chitas e hipocrisia, evangelho e aguardente, ?Repartindo por todo o escuro continente ?A mortalha de Cristo em tangas d'algodão. Estes versos, que embora insuflados de patriotismo já anunciam uma visão anti-colonialista, eram cantados na rua enquanto os populares cobriam a estátua de Camões com fitas pretas em sinal de luto. A esta humilhação juntavam-se a pobreza e dor trazidas pelas invasões napoleónicas, tendo surgido um profundo movimento de descontentamento social que implicava directamente a família reinante e que se foi reflectindo no conteúdo das operetas e teatro de revista, nas modinhas de influencia brasileira, nos diversos tipos de marchas e outras composições populares, surgindo casos muito interessantes e significativos como o Fado Operário. Entretanto, já desde inícios do sé. XIX se tentava pacificar a revolta indígena contra a ocupação estrangeira, em certa medida o verdadeiro começo das lutas de libertação, com as chamadas "campanhas de pacificação", que se tornaram mais evidentes com a necessidade de afirmação da soberania. Neste ambiente tenso e militarista surgem canções de protesto onde se critica a intervenção militar e a intenção de "civilizar os pretos". A partir de um mote nacionalista escrito pelo poeta Jorge Silvestre que glorificava a vitória de Alves Roçadas sobre a revolta dos Cuamatos em Angola em 1907
A bandeira portugueza Triunfou mais uma vez Mostrando assim quanto vale O soldado portuguez
Avelino de Souza, tipógrafo, poeta popular e uma das figuras fundamentais na defesa e legitimação do fado nas primeiras décadas do século XX, inclui na sua colectânea A Minha Guitarra o poema DESFAZENDO, onde "é relevante sublinhar a forma como esta denúncia se fundamenta, como é característico de todas as ideologias revolucionárias na entrada do séc. XX, na crença inabalável no principio do progresso histórico contínuo e impagável" conforme se lê em Fados para a República de Rui Vieira Nery
Estas e outras bravatas Impingem os patriotas Ao ref´rirem ás derrotas Sofridas p´los cuamatas Os auctor´s de tal crueza... Mas eu digon, com tristeza. -- Pois, patriota não sou -- Mais uma vez se manchou A bandeira portugueza ...... E dizem eles, "que vão Os pretos civilizar"! Só se matar e roubar É que é Civilização! No sec´lo da evolução, Que é da Sciencia o fanal, Tal victoria é imoral Triunfo do morticinio... É o legal assassínio Mostrando assim quanto vale
O preto não é julgado Um homem igual a nós! Quando o branco é que é f´roz Selvagem auctorisado ..... Cabe também aqui referir que um dos primeiros registos de fado de que há conhecimento foi O SOLDADO PORTUGUÊS, gravado em 1902 no Brasil por Baiano ( Manuel Pedro dos Santos) e acompanhado apenas de um violão, onde se descreve a vida no quartel Não há fado mais cruel Nem viver mais desgraçado Do que a que passa no quartel O infeliz do soldado
Sublinhe-se que a primeira gravação feita em Portugal é CANTOS DO MINHO, pertencente à Banda da Guarda Municipal do Porto, datada de Outubro ou Novembro de 1900 e descoberta "por acaso" por José Moças, investigador e director da Editora Tradisom, que muito tem contribuído para a divulgação e preservação do registo de música tradicional portuguesa. Este e muitos outros exemplos de "fados de intervenção" pertencem ao que se designou por "Fado Operário", que entre finais do séc. XIX e a década de 30 do séc. seguinte representou uma das formas mais populares de critica política, económica e social. É matéria muito interessante, que não cabe aqui aprofundar, mas onde princípios ideológicos progressistas como o anarquismo e o socialismo e mesmo mais tarde o comunismo, eram claramente manifestados. Daremos apenas mais alguns exemplos, sublinhando a ligação do fado e de alguns fadistas às estruturas partidárias que mais cedo se apresentaram consequentemente anticolonialistas. Lembremos que até ao início da guerra em Fevereiro de 1961 não era evidente o apoio da maior parte das forças democráticas à independência das colónias. Tomemos o exemplo do republicano Ramada Curto, que mesmo depois de ter aderido ao Partido Socialista Português (não confundir com o Partido Socialista de Portugal, surgido em 1973) continuava claramente a apoiar a presença colonialista, apesar de escrever em 1927 quadras marcadamente progressistas como estas do FADO SOCIALISTA em 1927, que veio evidentemente a ser proibido
Gente rica e bem vestida P´ra quem a vida é fagueira Olhem qu´existe outra vida N´Alfama e na Cascalheira
Mas um dia hão-de descer Os lobos ao povoado... Vai ser bonito de ver Não verá quem não viver
Era também o caso de Norton de Matos, que na sua candidatura à Presidência da Republica em 1949 mobilizou toda a oposição ao regime totalitário e que também era defensor da política colonialista. Mesmo oposicionistas como Mario Soares, Francisco Salgado Zenha, Fernando Piteira Santos e outros, no Programa para a Democratização da República que elaboraram em 1961, não vão mais longe que meras reivindicações para desenvolver política, social e economicamente o Ultramar: "Parte-se da afirmação de princípio de que o esquema das relações Metrópole - Ultramar, repudiando qualquer manifestação de imperialismo colonialista, subordinar-se-á ao objectivo de assegurar os direitos fundamentais dos povos no plano político, económico, social e cultural. Por consequência, um tal esquema visará a imediata institucionalização da vida democrática, sem discriminação racial ou política, para todos os territórios e todos os povos, tirando da autenticidade do funcionamento das instituições democráticas todas as consequências morais, económicas e políticas. (...)" A força progressista que mais consequentemente evoluiu na compreensão da realidade colonialista foi o Partido Comunista Português, que em 1957 no seu V Congresso assumiu assumiu claramente "o reconhecimento incondicional do direito dos povos das colónias de África dominadas por Portugal à imediata e completa independência". Para esta clara tomada de posição muito contribuiu o contacto com intelectuais africanos que estudavam em Portugal, como Lucio Lara, Agostinho Neto, Viriato Cruz e muitos outros. Repare-se que logo em Novembro de 1923, no Programa de Acção apresentado ao I Congresso, se defendia uma política mais consequente com a realidade, ao afirmar: "O PCP dará todo o apoio às ligas, associações, partidos, etc., que tenham por fim a defesa da população das colónias portuguesas contra todas as extorsões capitalistas e estatistas. Defenderá as reivindicações de ordem política ou económica das colónias, combatendo as formas ainda existentes de escravidão mascarada". Neste congresso os guitarristas Armandinho e Georgino de Sousa, bem como Martinho d´Assunção (pai), o chamado poeta vermelho e um dos fundadores do PCP e que terá sido autor do FADO LENINE e colaborador em várias publicações jornalísticas no universo da Música Popular e publicações do movimento operário, como 'Canção de Portugal' e 'Guitarra de Portugal', 'Revolta', 'Bandeira Vermelha' ou 'Voz do Operário', executaram variações de fado num jantar de homenagem ao representante da Internacional Socialista. Não se estranha portanto que em artigo do jornal Avante! de 1937 se faça a apologia do "Fado quando é feito por operários e que encerra as suas aspirações ou conta os seus sofrimentos, enquanto que o regime o defende quando ele se converte no intento de defesa e propaganda do fascismo". E continua: "Ontem, era apenas descritivo da sua miséria fatalista, como cego a quem falta um guia. Hoje é mais forte, mais violento, com mais acentuado cunho social". No mesmo sentido vem o chamado Fado Operário do Alentejo onde em 1954 o viúvo de Catarina Eufémia cantava, "numa taberna lá do fundo", o canto "EU VI PARTIR DE ABALADA", escrito em 1944, explicando que "nessa altura na URSS vivia-se bem, agora está mais complicado, mas então era bom"
Eu vi partir de abalada Um amigo que era aquele ... Tive a semana passada Uma linda carta dele E na qual me dizia assim Amigo segué feliz Onde estou eu não te esqueço Cheguei a este país Onde a vida nos parece Muito mais que paraíso Aqui há pão há trabalho ..... retirado de O Fado Operário do Alentejo" de Paulo Lima, editado pela Tradisom em 2004. Mas, como referimos, nem sempre a mensagem que se transmite é progressista, o papel social da arte depende dos valores que integram o seu conteúdo. Continuando a pegar no exemplo do Fado e voltando às chamadas "campanhas de pacificação", veja-se o Fado do Gungunhana, de Esculápio, onde se canta a vinda para Lisboa do Régulo Gungunhana, depois de ter sido preso em 1896 em Moçambique ..... Em casa nu e sem parra a esfrangalhar n´uma cana durante toda a semana se ouvirão os meus cantares Hei-de levar ao Tavares As pretas do Gungunhana ...... Mais a negra crafaria A dançar na Mouraria O Lundim com dois pretos A vender alconomia
Reparemos agora neste exemplo retirado do Cancioneiro Minhoto de Gonçalo Sampaio, publicado postumamente em 1940, onde de novo se retrata Gungunhana de forma jocosa ..... O rei preto Gungunhana É parente de Jacó Homem de sete mulheres Agora nem uma só
Estes são dois casos onde se transmite a ideologia oficial, apresentando Gungunhana e os negros em geral como alcoólicos e mulherengos, assim demonstrando a sua incapacidade para "se civilizarem" sem a ajuda dos brancos. A imprensa operária afasta-se desta utilização pelo regime do que talvez possa ser considerado um dos marcos pré-guerra coloniais mais nítidos na luta pela libertação de Moçambique. Esta ridicularização do negro (bem como dos ciganos, mouros e judeus) já se podia encontrar em Gil Vicente, que apesar de ter tido diversas peças censuradas, era bem recebido na corte tendo chegado a organizar festas no palácio. Para melhor descrever as suas personagens trouxe para o seu teatro música de índole popular, bem como música mais do agrado da corte, utilizando repertório corrente na Península Ibérica nos finais do séc. XV e primeira metade do XVI, criticando apenas aspectos sociais menores e apoiando no essencial a ideologia dominante, o que faz lembrar certos comentadores actuais... Exemplo disso encontra-se na peça A FRÁGUA D´AMOR, onde encena o discurso que foi criado para o africano: a imagem do folgazão e namoradeiro que por mais que tente não consegue fugir ao estatuto de inferior ao homem branco
Já mão minha branco estai, E aqui perna branco he, Mas a mi fala guiné: Se a mi negro falai, A mi branco para que? Se fala meu he negrEçado, E não fala Portugas, Para que mi martelado?
"Quando se fala de uma arte voltada para o povo, para a sua vida e as suas aspirações e da mensagem que o artista, com a sua obra, leva ao povo, não se pretende que, no domínio da arte e da criatividade artística, o povo seja apenas objecto e destinatário. O povo é também autor, é também criador de valor estético. A criação popular funde o talento individual com o talento colectivamente considerado."
A arte, o artistas e a sociedade, Álvaro Cunhal, 1997
1. Como e quando surgiu o chamado Canto de Intervenção em Portugal e delimitação do conceito neste trabalho
Em Fevereiro de 1961, com o ataque à cadeia de Luanda pelo MPLA, começaram 13 longos anos de uma guerra que trouxe mortos, feridos e estropiados aos dois lados do conflito e que desde logo encontrou clara oposição por parte das forças progressistas em Portugal e nas colónias. Em Fevereiro de 1963, com a proibição do Dia do Estudante, intensificou-se a contestação no meio universitário português a um regime ditatorial que impedia a livre expressão de pensamento e reprimia ferozmente quem consequentemente se lhe opunha. Estas e outras lutas, já antecipadas com movimentações de massas como a campanha para a Presidência da República de Humberto Delgado em 1958 ou a eleição de uma lista oposicionista para a Direcção da AAC no ano lectivo 1960/61, reflectiram-se de diversas formas na sociedade, designadamente através do “Canto de Intervenção”, com berço na academia coimbrã. Esta denominação tem sido associada igualmente a movimentos de expressão músical a nível internacional como, por exemplo, a Nueva Cancion (Chile, Argentina, Nicarágua, entre outros países da América Latina), a Nueva Trova (Cuba), o Tropicalismo (Brasil), Voices Libres (Espanha), “Civil Rights Movements” e “Anti-war Movements” (EUA). Não foi por acaso que esta forma interventiva através da canção tivesse surgido em Coimbra: desde a primeira metade do século XX que o Fado de Coimbra se começou a soltar das suas características vincadamente boémias, saudosistas ou mesmo piegas, com claro contributo do “presencista” Edmundo Bettencourt. Este poeta cantor procurava temas “contra a corrente” (“fiz muito poucas letras para fados...mas como os fados falavam sempre de “olhos negros”, e achava que já era escuridão a mais, chamei-lhe “fado de olhos claros”), muitas vezes bebendo inspiração nas raízes populares da canção da região de Coimbra, contando com o apoio da viola de Artur Paredes, pai de Carlos Paredes, por quem José Régio escrevia
Ai choro com que o Paredes Vibrando os dedos em garra, Despedaçava a guitarra, Punha os bordões a estalar!
bem longe da tradicional e chorosa guitarra que Hilário cantava em finais do séc. XIX! Com a BALADA DE OUTONO, gravada em 1960, José Afonso introduz linguagem músical e poética nova, entendendo que aqueles tempos exigiam armas mais directas e mobilizadoras, passando a designar as suas primeiras canções por “baladas”, “não porque soubesse o significado do termo, mas para as distinguir do chamado Fado de Coimbra que quanto a mim atingira uma fase de saturação”, segundo o próprio em entrevista ao Comércio do Funchal de 1 de Junho de 1970. Canto de Intervenção foi conceito criado depois do 25 Abril para designar este género de música surgido nos inícios da década de 60, onde se denunciavam a falta de liberdade, a condição de ser negro ou a guerra colonial, entre outras causas progressistas. Normalmente as cantigas eram tocadas apenas “de viola às costas” para melhor chegarem a todo o lado. Se no inicio a poesia era trabalhada e se procurava a qualidade, em princípios dos anos 70 começaram a surgir letras ainda mais directas e imediatistas. Muitos dos temas surgiram no exílio e chegavam a Portugal em vinis ou cassetes que a PIDE procurava avidamente... Não é portanto surpresa que uma das primeiras composições consideradas “de intervenção” exponha a questão colonial: em 1963 José Afonso gravava Menino do Bairro Negro, denunciando a miserável condição dos negros num dos bairros da Ribeira do Porto (o outro tema do EP era Os Vampiros). Tanto Os vampiros como Menino do Bairro Negro seriam, pouco tempo depois, proibidos pela Censura, originando a edição de outro disco onde onde os dois temas surgiam em versão instrumental
Menino Do Bairro Negro .......... Menino sem condição Irmão de todos os nus Tira os olhos do chão, Vem ver a luz Menino do mal trajar Um novo dia lá vem Só quem souber cantar Virá também Negro, Bairro negro, Bairro negro Onde não há pão Não há sossego ........
Paralelamente a uma maior consciencialização política e social demonstrada na crise estudantil de 1962 e muito “empurrada” pelo inicio da luta de libertação, surgiam também entre a juventude outras visões estéticas, ligadas à música, ao cinema, à literatura, etc, onde o colonialismo cultural estrangeiro (primeiro da França e depois dos países anglo-saxónicos) e o mercantilismo traziam uma certa desibinição e mesmo algum espírito libertário. Digamos que se é verdade que enquanto a crise estudantil de 1962 terá sido prenuncio do Maio de 1968 e os movimentos ligados ao estilo Ié-Ié (termo surgido com a canção She Loves You dos Beatles e que carregava toda uma carga cultural que afrontava o conservadorismo e provincianismo portugueses) apenas reflectiam o que se passava “lá fora”, é evidente poder afirmar-se que ambos os acontecimentos demonstravam que algo estava a mudar em Portugal. Lembremos que o país vivia isolado internacionalmente, com a ONU a aprovar frequentes resoluções que condenavam o Governo português pela sua política nas “província ultramarinas” e mesmo potências capitalistas como os EUA desejavam uma maior abertura de Portugal ao mundo, de forma a “não lesar os interesses de Portugal mas também os interesses das potências ocidentais” (ver entrevista de Salazar à Revista Life Magazine de 4 de Maio de 1962). O fausto de zonas de elite como o Estoril ou Cascais contrastava com a pobreza e ignorância do resto do país, que vibrava com as vitórias internacionais do Benfica cuja dimensão política Salazar não negligenciava ou era alienada com séries e programas televisivos medíocres. Quanto à leitura de jornais, lembremos que em 1960 existiam em Portugal cerca de 40% de analfabetos! No campo músical imperava o chamado Nacional Cançonetismo, termo criado em 1969 por José Cardoso Pires e João Paulo Guerra no suplemento de Sábado do Diário de Lisboa A Mosca, reflexo de ideal conservador que já vinham sendo imposto pelo Estado Novo desde 1941 com o Serão para Trabalhadores, depois em 1963 com os prémios da Casa da Imprensa e a partir de 1964 com o Festival RTP Eurovisão, ganho por António Calvário com o tema ORAÇÃO e que vai representar, pela primeira vez, Portugal no Festival Eurovisão. “—— Não estraguem as vossas vidas, não se metam em políticas, façam como eu, a minha política é o trabalho” aconselhava Salazar tentando encontrar vantagens no analfabetismo político a quem já Brecht chamara de imbecil pois “da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.” A contribuição desta música passava por incutir nos ouvintes a passividade e a frivolidade, transmitiam-se valores saudosistas (Oh Tempo Volta para Trás) e lamechas (a maior parte das letras dos fados desta década), ou mesmo fazendo a apologia da guerra colonial. A música era assim também utilizada como forma de intervenção, só que como propaganda ao regime estabelecido, chamemos-lhes “canções de intervenção” de sentido contrário aos ideais progressistas. Não podemos contudo confundir canção progressista com canção anti-regime, pois logo após o 25 de Abril várias cantigas que se juntavam à nova ordem democrática eram portanto de apoio aquele regime e contra o anterior. Pegando directamente no matéria que mais nos interessa, a forma como as relações de Portugal com as colónias era comentada músicalmente, repare-se na canção ADEUS GUINÉ, do Conjunto Tipico Armindo Campos, já de finais da década de 60
Adeus Guiné Tenho já dever cumprido não estou arrependido de tanto por ti lutar Adeus Guiné Serás sempre Portugal Mas se crescer o teu mal volto para te salvar
Ou esta MARCHA DO SOLDADO PORTUGUÊS, que João Maria Tudela gravou também em meados da década de 60
Até por ti daremos patria querida a vida inteira ..... fieis às leis sagradas da nossa história vitória!
Nesta função de alienação coube ao fado papel importante, designadamente o fado de Lisboa, uma vez que, como referimos, em Coimbra já se haviam manifestado correntes contrárias a esse conservadorismo. Como veremos à frente, em muitos outros casos o fado de Lisboa funcionou de forma bem distinta, contribuindo para a tomada de consciência política progressista. Caso evidente o de O MEU FADO, escrito e cantado por Cecília Supico Pinto, a Cilinha, criadora e presidente do Movimento Nacional Feminino, onde para “incentivar os rapazes” glorificava a defesa da nação
Soldado tu és valente Como tu não há igual Pois mostras a toda a gente Como é grande Portugal.
No mesmo sentido vem NA HORA DA DESPEDIDA de Ada de Castro, da revista “Tudo à Mostra” de 1966
Sabes lá o que é temor és português e soldado mas se eu fico só rezando podes ter uma certeza não importa estar chorando estou com firmeza pensando que também sou portuguesa
E o célebre FADO DAS TRINCHEIRAS, poema cantado por Fernando Farinha e que foi cantado no filme “João Ratão” de 1940 onde as palavras de João Bastos e Felix Bermudes que remetiam para a 1.ª Grande Guerra, vieram a ser recuperado para o contexto da guerra colonial, tornando-se uma das músicas mais populares entre os soldados:
Rastejamos como sapos Com a farda em farrapos Pela terra de ninguém .... E se eu morrer na batalha Só quero ter por mortalha A bandeira nacional. E na campa de soldado, S. quero um nome gravado O nome de Portugal
Será justo sublinhar que Fernando Farinha mais tarde viria a tornar-se um consequente democrata.
Mesmo no Cante Alentejano - que para muitos autores tem pontos de contacto com o Canto de Intervenção, uma vez que a poesia na canção é muito importante - se podem encontrar temas de intervenção não progressista, como esta gravação em 1968 efectuada em Rio de Moinhos e presente na colectânea Momentos Vocais de do Baixo Alentejo– Cantares do Cancioneiro da Tradição Oral de João Ranita da Nazaré de 1986
Angola és portuguesa Província do ultramar Temos qu’ a ir defender Custe lá o que custar. Custe lá o que custar Pela pátria com firmeza Província de o ultramar Angola és portuguesa. .....
Para muitos não será difícil recordar a marcha ANGOLA É NOSSA, cantado pelas tropas em desfile, com música de Duarte Pestana e letra de Santos Braga, interpretada pelo Coro e Orquestra da FNAT (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho), traduzindo em hino a célebre frase de Salazar em 13 de Abril de 1961 “Para Angola andar rapidamente e em força”!
Angola...é nossa !... Angola...é nossa !... Angola é nossa gritarei É carne é sangue da nossa grei Sem hesitar p’ ra defender
Também existem exemplos, como a canção ONDE O SOL CASTIGA MAIS de 1971 de Paco Bandeira, onde ao clamar a bravura do soldado português se procura legitimar a presença do poder constituído no conflito
Lá longe onde o sol castiga mais Não há suspiros nem ais Há coragem e valor
Em todos estes exemplos, dos mais variados géneros músicais, encontramos conteúdos que das mais diversas formas tentam justificar a presença bélica portuguesa em África, seja porque “por lá o mal está a crescer, ou porque se defendem as leis sagradas da nossa história ou pura e simplesmente porque Angola é nossa”! O que se via e ouvia na rádio e televisão e nos raros espectáculos ao vivo eram palavras que apelavam a este patriotismo serôdio e não assumido pela grande maioria dos portugueses
Conspirações, assassínios, roubos, fraudes, insólitos, intimidades e... audiências. Um homem dominou este universo como ninguém. Fosse ele vivo e teria descoberto a fraude eleitoral, antes que fosse tarde. Inventar muitos o fizeram, muitos o fazem, mas o Repórter X tinha uma técnica especial, até com a verdade nos faz pensar haver mentira.
Acaba de ser descoberta uma conspiração para alterar os resultados das eleições, contudo, as autoridades não conseguem dar a garantia de que a operação tenha resultado a tempo de evitar a fraude. "O sistema é complexo e pode já estar em andamento, sendo difícil de travar por se desconhecer toda a dimensão do esquema montado", diz a polícia, que adiantou estar ainda muito por investigar.
A denúncia surgiu numa carta anónima e levou a polícia a um apartamento da rua Saraiva de Carvalho, em Lisboa, onde apreendeu uma série de material e deteve "um indivíduo sinistro" que as testemunhas alcunham de "O Homem dos Olhos Tortos” - se estivesse vivo, esta "epístola" poderia ser da autoria do Repórter X, o jornalista que misturava a realidade com a ficção, mas Reinaldo Ferreira, dono do pseudónimo, morreu faz este domingo 80 anos...
O primeiro parágrafo é uma invenção, mas ”O Homem dos Olhos Tortos" é a personagem principal de "O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho", uma série de "notícias" publicada a partir de 17 de junho de 1917 que deu a conhecer um lisboeta detetive amador chamado Gil Goes, na verdade o primeiro investigador inventado por Reinaldo Ferreira (R.F). Seguiram-se-lhe o norte-americano polícia amador Jim-Joyce, o ardina detetive Agulha, o repórter Kiá e outros, entre os quais o Dr. Duque, o cartomante do raciocínio, um detetive que não sai de casa e tudo lhe chega, criado em 1929, antes do famoso Nero Wolfe do escritor Rex Stout, que só surgiria cinco anos depois.
Uma misteriosa conspiração para alterar o processo legislativo poderia ser, com efeito, uma "reinaldice" - como os menos encantados com a pena do polémico jornalista começaram a chamar a quaisquer patranhas - ou não fosse Reinaldo o autor das palavras que Sidónio Pais disse ao morrer. O ditador assassinado no Rossio em dezembro de 1918 não terá dito uma sílaba quando levou o tiro e caiu inanimado, mas R.F., na sua reportagem sobre o atentado, pôs-lhe na boca a frase "Morro bem... Salvem a Pátria!" que tem sido citada até à exaustão.
Naquela que terá sido a sua primeira ficção publicada como notícia, Reinaldo pôs Gil Góis a dizer que viu pelas três horas da madrugada, para as bandas de Campo de Ourique, saindo de um prédio abandonado da rua Saraiva de Carvalho, três suspeitos "transportando, com a dificuldade que denuncia um peso, um grosso volume de forma humana embrulhado em panos" que lhe "pareceram escuros".
A partir daqui, a história complica-se. Não só no enredo como na publicação. O folhetim - iniciado com o título "Loucura ou imaginação? Haverá crime?" e pós-título "Uma ocorrência misteriosa revelada ao Século por um desconhecido" - foi tido por verdadeiro, durante uns dias, levantando tal reboliço que o jornal dirigido por Silva Graça se viu obrigado a desmentir o crime e a assumir tratar-se de ficção. O que é de nota é que o jornal não desceu as vendas, os leitores queriam saber o resto da história.
Com estes episódios que mais tarde deram o livro "O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho" e o filme inacabado "O Homem dos Olhos Tortos", de Leitão de Barros, começado a rodar em 1918 e deixado a meio devido à falência da Lusitania Film, as vendas do jornal "O Século" aumentaram, como acontecia a quase todos os periódicos que publicavam textos de Reinaldo Ferreira.
As divagações futuristas de Reinaldo Ferreira ou a ficção científica que quis publicar na Revista "Ilustração", de 16 de fevereiro de 1929. E apresenta, entre outras "previsões", a Cidade do Cinema em Portugal, Hollywood em Alcabideche
DR
REINALDO FERREIRA ENTREVISTA O REPÓRTER X
Eram bastantes os jornais de papel, que só os havia nesse suporte, e eram muitos a sair para a rua. Para se fazer uma ideia, registe-se que em 1887, só em Lisboa, publicam-se 22 jornais, e em 1927 circulam oito. Em 1926, o Repórter X trabalhava para 11 publicações: revista ABC, jornal O Século, A Tarde, Diário da Tarde, Época, O Mundo, Informação, Primeiro de Janeiro, Diário do Minho, Diários dos Açores, Libertad de Madrid, para mencionar aqueles que enumerou na entrevista que faz a si próprio em agosto de 1925.
“O Repórter X não atingiu ainda os trinta anos; engordou um pouco e o seu ventre começa a estar pançudo; tem uma boca que é uma espécie de passarela de orelha para orelha; uns olhinhos azuis pequenos e otimistas; é em conjunto um dos seres mais feitos que tenho conhecido até hoje, não só no género humano como no irracional.” A descrição é da lavra de Reinaldo Ferreira, numa entrevista ilustrada por uma fotografia (montagem) com a legenda: “Reinaldo Ferreira (à direita) entrevista o repórter X (à esquerda); ou vice-versa”.
“Não sou funcionário público, não recebo um centavo que não seja a troco de um papel escrito. E - detalhe que muito me satisfaz - em doze anos de jornalismo nunca recebi nada do Estado nem tive essa cousa tão desejada pelos mortais: um ordenado. Faço artigos; e cada artigo vale tanto... E nada mais. Chamam-me louco por isso, mas eu assim trabalho como quero e quando quero", explica a si próprio o Repórter X, que à afirmação “você trabalha demasiado” responderá: “juro-lhe que sou mandrião! Se trabalho muito é porque sou mais gastador do que mandrião”.
Trabalhava todos os dias, em média três onças de tabaco francês, já que quando se acabava o tabaco parava de escrever. Dormia cinco horas por noite, levantava-se habitualmente às nove, escrevia até às 13, altura em que ia “levar os colarinhos aos fregueses”, ou seja, entregar os artigos escritos. A seguir tomava café e almoçava, dava voltas para “saber coisas”, pelas 19h regressava a casa e punha-se a escrever durante uma hora. “E depois já ninguém me apanha. Saio como que de uma jaula.”
Compreende-se assim como as suas ligações amorosas seriam penosas: a primeira mulher, Lucília, mãe dos seus primeiros dois filhos, troca-o por um médico conhecido do Porto; a segunda companheira, Carmem Cal, com quem tem Oswaldo, em 1931, cansa-se do vício e desiste de tentar mudar-lhe o destino. Reinaldo ainda fará uma desintoxicação da morfina, na Casa de Saúde Portuense, cuja experiência aproveitará para o livro “Memórias de um ex-morfinómano”. Mas em 1934, de novo em Lisboa, depois de “inconseguir” manter os jornais que vai fundando, entre os quais se destaca o “Repórter X” - lançado com dinheiro desviado, à revelia, pelo seu irmão mais novo -, tristonho e com pouca energia, volta a injetar-se com morfina para não mais a largar.
No ano em que Reinaldo se entrevista, ainda sem os malefícios da toxicodependência, já tinha escrito centenas de novelas em português e espanhol, muitas anónimas ou com nomes americanos, mas não tinha nenhuma nas suas prateleiras. “Os livros saem-me das mãos como os artigos… É ao calhar. Não tenho tempo de refletir sobre eles… Não são filhos de nove meses nem mesmo de sete… São, muitas vezes, de dias ou de horas. E por isso sofro inquietações horríveis. Penso sempre que pratiquei uma má ação: que pratico ‘des fausses couches’. Mas que remédio.”
Falou francês para não dizer aborto espontâneo, que na altura a linguagem podia fechar um jornal. Conversava ele, na sua casa da rua do Alecrim, com Reinaldo Ferreira… O diretor da ABC, Rocha Martins, mandara o seu jornalista entrevistar o Repórter X, explica Reinaldo na sua prosa confessando que não lhe agradou. “Aqui entre nós: não tenho por ele a menor simpatia. Existe nesse sentimento um pouco de emulação profissional… Sou jornalista há muitos mais anos do que ele e amealhei muito menos vantagens. Não é justo.” Mas foi à porta ao lado da redação da revista, onde morou uns tempos, antes de ir para o Porto a convite do seu amigo Jorge de Abreu, diretor do “Primeiro Janeiro”, do qual em “três tempos” é despedido.
“Abandonado por Lucília em 1928, Reinaldo passa a viver no ano seguinte com Carmem Cal, ainda aparentada com a família portuense dos advogados Cal Brandão. Continua, entretanto, a trabalhar no ‘Janeiro’, onde congemina a mais inverosímil das suas ‘reinaldices’: uma alegada campanha alemã para desacreditar a moeda inglesa, que passaria pela produção de libras de louça. Isso mesmo, de louça; quebravam-se e tudo. O pior é que envolveu na trama o banqueiro Francisco Borges, do Banco Borges & Irmão, e a coisa, naturalmente, deu para o torto", conta Luís Miguel Queirós na biografia escrita para o “Público” no ano do centenário de nascimento.
UM SALTO REAL PARA A FICÇÃO
Reinaldo, alfacinha de gema, nascido a 10 de agosto de 1897 na freguesia de São Mamede, entrou no jornalismo em 1914 pela mão de Virgínia Quaresma, considerada a primeira mulher jornalista portuguesa. Parece que travou conhecimento com ela num café e lá a convenceu a que o apresentasse ao seu chefe de redação Hermano Neves, que ficará conhecido pela sua cobertura da implantação da República e da I Guerra Mundial. Virgínia, na altura já com 32 anos, será sua madrinha de casamento e quem lhe proporcionará um lugar em Paris numa agência noticiosa.
A Hermano Neves, o jovem Reinaldo propõe a criação de uma secção de crítica de cinema. A proposta foi bem aceite e, pouco depois, “os trabalhos do novel jornalista começavam a ser publicados em ‘A Capital’, que assim se tornava no primeiro jornal da imprensa diária portuguesa a explorar o género”, escreve Fernando Mendonça Fava na edição de 2010 da Revista da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Mas a primeira reportagem a que o mandaram foi a um incêndio na rua de Dona Estefânia.
Reinaldo Ferreira em 13 de dezembro de 1927, no casamento de seu irmão Ângelo, secretário da Companhia da Roça do Porto-Alegre do Banco Burnay, de onde, sem Reinaldo saber, desvia dinheiro para que este funde um jornal
Três anos depois, aos 20, deu “o salto da realidade espartilhante da reportagem para o firmamento sem peias de ficção", sustenta Joel Lima no prefácio biográfico ao livro “Memórias Extraordinárias do Dr. Duque, o Cartomante do Raciocínio”, publicado em 1997. “Os seus temas eram, preferencialmente, questões escaldantes da vida nacional, a espionagem e os casos de polícia. O mistério e o seu estilo de escrita eram os ingredientes certos da receita segura do êxito e das grandes tiragens”, adianta Fernando Fava.
A vida de Reinaldo é de tal maneira cheia de peripécias, preenchida por tanta atividade - jornalismo, folhetins, novelas, guiões, peças infantis, cinema - que se estranha a idade com que morreu, em 1935, já em pleno Estado Novo: 38 anos, minado pela morfina e pelos pulmões, que foram sempre o seu ponto fraco. A verdade é que começou cedo. Aos 13 anos, já a criança franzina e loura se fazia passar por pessoa crescida para que lhe publicassem textos, trabalhando a caligrafia, “de língua de fora, como o Eusebinho dos ‘Maias’ a fazer exercício de má letra’, como conta na entrevista concedida a si próprio.
“Ao princípio, antes de ser profissional, quando, ainda no colégio, mandava artigos para o ‘Mundo Cinematográfico’ de Barcelona a cinco pesetas cada um, estudava em casa os mais feios rabiscos. Julgava que assim disfarçaria aos olhos do estrangeiro a minha meninice. E estava convencido que os homens de talento deviam ter uma caligrafia de médico", diz o Repórter X lamentando que os seus escritos “parecessem chineses” e que, por essa razão, os tipógrafos o tivessem obrigado a passar a escrever à máquina.
Aos 13 anos, Reinaldo tem uma paixão pelo cinema, “sonha com a realização de filmes com atores e temas portugueses”. “Perseguindo o devaneio, começou a escrever artigos para revistas da Sétima Arte em França, Itália e Holanda, levando a sua audácia ao ponto de propor a rodagem de filmes em Portugal, com argumentos extraídos das obras de Camilo Castelo Branco. O curioso é que alguns desses artigos, embora escritos num francês sofrível, foram publicados e, facto não menos curioso, a determinado trecho, a revista da produtora francesa Gaumont nomeou-o seu correspondente em Portugal”, conta Joel Lima.
Já com um ano e pouco de profissão, Reinaldo casa-se com Lucília do Carmo Ferreira, de 17 anos, filha de mãe solteira, num terceiro andar da avenida Almirante Reis, casa de seus pais, pelo menos até à altura em que o pai parte para lugar desconhecido e a mãe vai viver com ele e com Lucília para Paris. Portugal tornara-se pequeno para tanta imaginação. E Reinaldo não se sairá mal na capital francesa, onde se deslocou a pretexto de fazer a cobertura da criação da Sociedade da Nações em 1919, a pretexto porque já “levava consigo uma carta de apresentação de Virgínia Quaresma para Óscar de Carvalho Azevedo, jornalista brasileiro responsável na capital francesa pela sucursal da Agência Americana”.
EXPULSO DE ESPANHA POR CRITICAR PRIMO RIVERA
Em Paris, onde terá dado o primeiro passo para se viciar em morfina, foi incumbido de abrir uma sucursal da agência noticiosa na capital belga, onde resolve tudo num mês. E vai morar para Barcelona, em 1921, tentando saciar a sua paixão, faz tudo para entrar na indústria cinematográfica. Em França, nasceu sua filha Yolanda, em Espanha seu filho Edgar que há ser poeta e cuja morte prematura aos 37 anos, em Moçambique, onde morava desde o liceu, o impedirá, segundo os críticos, de igualar Fernando Pessoa.
“Começou por, junto dos Estúdios Montjuich, colaborar na montagem e encenação do filme Arlequines de Seda y Oro, do jornalista e literato catalão Amichatis. Depois entrou como actor numa película do cineasta Ramon Caralt, interpretando a figura de um médico sádico e malvado. A seguir conseguiu convencer Aurélio Sidney da Gaumont a rodar um filme em Barcelona, no qual ele, Reinaldo, era argumentista, cenarista e assistente do encenador. Os honorários eram altos mas aconteceu que Sidney, que era também o actor principal, adoeceu e morreu pouco depois, a quatro cenas do fim da película”, diz Fernando Fava em “Reinaldo Ferreira, o artesão do Fingimento”.
O cinema pode não lhe ter corrido bem, mas a sua atividade literária é intensa. Escreve novelas em série, a um ritmo tal que o seu amigo e jornalista Paco Madrid nem todas consegue traduzir para o espanhol. Segundo Fernando Fava, as que saíam naquilo que vulgarmente se chama “portinhol”, meio português meio castelhano, vendiam-se mais e a razão prendia-se com o facto de “as abstrusas construções gramaticais” serem confundidas com a língua catalã, à data proibida.
Ainda passou uma temporada em Madrid, mas foi obrigado a regressar a Portugal por escrever, no jornal El Liberal, contra a ditadura implantada pelo golpe de 1923, de Primo de Rivera, fundador da organização fascista “União Patriótica”, a qual há de ter a sua congénere portuguesa “União Nacional”, o partido único do ditador Salazar. Mesmo assim, Reinaldo não desiste das críticas e continua a fazê-las no jornal A Tarde, em 1924, irritando o governo espanhol. É aqui que surge o semi-heterónimo. Depois de um amigo o aconselhar a não assinar com o seu nome, Reinado Ferreira risca-o, escreve por cima Repórter e o tipógrafo toma um indecifrável borrão por um X.
Reinaldo escreveu inúmeras histórias, entrevistas, algumas provavelmente reais, as mais famosas terão sido inventadas, como no caso de Mata Hari e Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, sua grande inspiração, mas as reportagens que mais lhe agradaram apontou-as: “A da Rússia dos Soviets - que tantos caluniaram. E antes dessa a da mendicidade, quando vestido de farrapos andei a pedir esmolas em Lisboa”. Foram três dias de mão estendida em 1918, para "A Manhã", assinando pela primeira vez com o seu nome e apelido. Até aqui, só apareciam no final dos textos as iniciais R.F.
EM PARIS COM A CANETA NA RÚSSIA
Ao que parece, Reinaldo rumou à Rússia, mas não terá saído de Paris. Porém, fará publicar na revista ABC, em 1925, 24 reportagens, aproveitando em parte o que escreveu o correspondente francês do “Journal”, o jornalista Henry Béraud, que, em maio desse ano, estivera na União Soviética. O restante sairá da sua imaginação, como refere Luís Queirós, “o jornalista passa a vida a tropeçar em portugueses, desde o porteiro do Kremlin ao homem que embalsamou Lenine”.
Reinaldo Ferreira via o jornalismo como a “varinha de condão que abria simultaneamente todas as portas”, o “elixir que nos dá todas as emoções”, e transformou-se sobretudo num pioneiro da literatura policial e do cinema português. “Acusam-no de fantasiar de mais, à volta de cada assunto…”, lançara-lhe o responsável Reinaldo, no seu papel de jornalista da ABC. Em resposta, o “grande X do mundo”, como a ele se refere a revista quando anuncia a ida ao ‘país dos sovietes’, começa por dizer que “em tantos anos de jornalismo só teve três desmentidos”, que procura assuntos extravagantes, os desprezados e... “desenvolvo uma técnica que está de acordo com a minha maneira de trabalhar", explica, resolvendo clarificar com um episódio histórico, o da “resposta de Charlotte, amante do rei Fernando VII de Espanha”.
“Charlotte era francesa e foi a primeira mulher a maquilhar-se em Espanha. O rei amou-a loucamente e todos os elegantes da época andavam perdidos pela sua beleza. Quando passeava pela Castelhana, o seu rosto era o íman de todos os olhares. Um dia, várias damas da corte espanhola, disseram: O êxito de Charlotte é a pintura. Se não fossem as tintas, ela não conquistaria ninguém… E ela respondeu: Ah! sim? Pois digam a essas senhoras que se pintem também…”
Luísa Carlota, retratada pelo pintor VIcente López Portaña
DR
Episódio chekado
Fernando VII reinou entre 1808 e 1833. Sofria de macrossomia genital, quer dizer, “as dimensões do seu membro viril eram muito superiores à média”, segundo um médico da época citado por César Cervera no diário espanhol ABC, em março desse ano. Além de citar o escritor francês Prosper Mérimée descrevendo o pénis real como sendo “fino como uma barra de lacre na base, tão gordo como um punho na extremidade”, Cervera afirma ainda que o rei “era um declarado misógino e muito conservador".
Se era verdade que não tinha as mulheres em grande consideração, também o serão os seus passeios noturnos disfarçado, “tanto para se inteirar da vida no reino, à laia de sultão oriental, como para se entregar, fora do Palácio, a certos desportos que os muçulmanos praticam dentro do harém”, lê-se em “Fernando VII, Rey Constitucional”, de W.R. de Villa-Urrutia, que, neste seu livro de 1922, afirma ainda gostar o rei “de moças de muito trato e pouco senhorio”.
Nas “Memórias históricas sobre Fernando VII”, escritas em 1840 por Michael J. Quin, vê-se outra coisa - lê-se que este rei “nunca teve amores publicamente conhecidos”. No entanto, nas “Memórias Intimas”, o marquês de Mendigorria, general coevo a par dos segredos reais, fala nos amores de Fernando com uma “formosa viúva”.
Será esta a francesa Charlotte? Nenhum destes autores refere diretamente um nome, daí que seja difícil comprovar que Fernando VII, rei aos 36 anos, tenha tido a amante nomeada por Reinaldo Ferreira. O nome mais aproximado é o de sua cunhada, Luísa Carlota, casada com o tio materno dom Francisco de Paula de Bourbon.
Luísa Carlota de Bourbon-Duas Sicílias será tia e sogra da rainha Isabel II, a filha de Fernando VII que o levou a revogar a lei sálica que não permitia a ascendência de mulheres ao trono, em detrimento de seu tio. Carlota era irmã de Maria Cristina, a quarta mulher de Fernando, e era italiana, nascida em Nápoles. Terá sido amante do cunhado?
Fernando VII foi casado quatro vezes. Da primeira mulher Maria Antónia Teresa teve duas filhas que morreram bebés. Com a segunda, a sua sobrinha portuguesa Maria Isabel Francisca de Bragança, de 19 anos, as relações eram péssimas, as suas saídas noturnas mais frequentes, mas teve tempo para a engravidar duas vezes - da primeira morreu o recém-nascido, da segunda faleceram mãe e filho.
A terceira, de 15 anos, também sua sobrinha, ia desmaiando quando o viu, mas depois “não o queria tirar de cima”, assim a alemã Maria Josefa Amália, mais nova 20 anos, explicou à mãe, por carta, que o marido imposto não era bonito mas fazia maravilhas no leito conjugal. O problema é que morre sem lhe dar filhos.
A quarta mulher, Maria Cristina, mãe de Isabel, herdeira do trono, é também sua sobrinha e a única que lhe sobrevive e se vingará engravidando do seu amante.
E, em tão curto espaço de tempo, horas, não conseguimos ir mais longe na nossa investigação.
O que Reinaldo Ferreira não faria se tivesse acesso à Internet...
expresso.sapo.pt
REPÓRTER X é um pseudónimo de Reinaldo Ferreira, (Lisboa, 10 de Agosto de 1897 - Lisboa, 4 de Outubro de 1935). Foi repórter, jornalista, poeta, dramaturgo e realizador de cinema. Era pai do poeta Reinaldo Ferreira (filh...
Repórter X é um pseudónimo de Reinaldo Ferreira, (Lisboa, 10 de Agosto de 1897 - Lisboa, 4 de Outubro de 1935). Foi repórter, jornalista, poeta, dramaturgo e realizador de cinema. Era pai do poeta Reinaldo Ferreira (filho), que viveu em Moçambique.
Iniciou a sua carreira jornalística aos doze anos de idade e foi, desde os vinte até à sua morte, considerado o maior repórterportuguês. Em 1926, instalou residência permanente no Porto.
Biografia
Imaginou entrevistas com Mata Hari e Conan Doyle, enviou reportagens da "Rússia dos sovietes" sem nunca lá ter posto os pés, criou um dos primeiros detectives de gabinete da literatura policial, deu forma a uma galeria interminável de heróis de folhetim, fundou jornais, realizou filmes, previu, ao jeito de Júlio Verne, como seriam Lisboa e o Porto no ano 2000.
Reinaldo Ferreira. R de realidade e F de ficção. Nasceu há um século. Os 38 anos da sua breve passagem pelo mundo foram vividos à beira do delírio, com a morfina a ajudar. Um tipógrafo distraído inventou a alcunha que o iria consagrar: Repórter X.
O menino já fez incêndios?
Na redacção de "A Capital", a mãos com a cobertura da recém-deflagrada Primeira Guerra Mundial, Garibaldi Falcão, jornalista da velha guarda, interpelava um jovem aprendiz de 16 ou 17 anos. Interpretando mal a pergunta, e julgando que o tomavam por pirómano, Reinaldo Ferreira retorquiu com um indignado "Não, senhor!". Foi a primeira reportagem do futuro Repórter X: um fogo posto na rua lisboeta da Estefânia.
Mas a sua adolescência, formada na leitura dos folhetins policiais e de espionagem, enfadava-se com a insossa rotina dos "casos do dia". E como a realidade se obstinava em lhe negar assuntos palpitantes, só lhe restava inventar. E inventou, há que dizê-lo, a torto e a direito. Ainda hoje será difícil determinar todas as suas "reinaldices", para usar a expressão posta a correr pelos que lhe iam desmascarando as farsas. Ele, porventura consciente de que essa pulsão para confundir factos e ficções era, afinal, o sinal distintivo do seu génio peculiar, retorquía com um neologismo da sua própria lavra: "reporterxizar".
Em 1917, com 19 anos - nasceu em Lisboa no dia 10 de Agosto de 1897 - arrepia os lisboetas com o crime, tão tenebroso quanto inexistente, da Rua Saraiva de Carvalho, que metia malfeitores empuçados, um presumível cadáver e um vilão, apropriadamente designado como "o homem dos olhos tortos". A história veio a lume n' "O Século", em forma de cartas enviadas "por um desconhecido", que se assinava Gil Goes. E a coisa atingiu tais proporções que o jornal achou prudente revelar o embuste. Mas o folhetim, finalmente assumido como ficção, prosseguiu até ao seu desenlace, e não tardou a transformar-se em livro - "O Mistério da Rua Saraiva de Carvalho" -, que José Leitão de Barros tentou mesmo adaptar ao cinema com o título "O Homem dos Olhos Tortos". Segundo Joel Lima, minucioso biógrafo do Repórter X e autor de um extenso prefácio à recente reedição conjunta das suas histórias do "Dr. Duque, o Cartomante do Raciocínio" - uma espécie de Nero Wolfe "avant la lettre" -, a Cinemateca Nacional conserva ainda mil metros de película rodados para este abortado projecto.
Escassos meses após ter encerrado as aventuras de Gil Goes, Reinaldo Ferreira publica em "A Manhã", em Março de 1918, um "inquérito à mendicidade". Fez-se fotografar mal barbeado e andrajoso, de mão estendida, e o público convenceu-se de que o repórter fizera, de facto, vida de mendigo. Mas, salvo o retrato, era tudo inventado, incluindo os 47 centavos que lhe teria rendido esta incursão na indigência.
Neste mesmo ano, volta à carga em "O Século" com o suposto assassinato de uma estrangeira, perpetrado pelo respectivo marido numa pensão de Lisboa. Desta vez, auxiliado por Stuart de Carvalhais, vai ao ponto de pôr um quarto da dita pensão em pantanas e de espalhar sangue de galinha pelo aposento. E, a encerrar o ano de 1918, " recolhe" as últimas palavras do presidente Sidónio Pais, assassinado na Estação do Rossio: "Morro eu, mas salva-se a Pátria". A verdade é que não presenciou o sucedido e, ao que parece, o estadista tombou sem ter tido tempo de dizer seja o que for.
Ir à Russia sem sair de Paris
Já casado com Lucília Ferreira - de quem depois procurará debalde divorciar-se -, e sendo já pai de uma filha, Yolanda, Reinaldo Ferreira abala em 1920 para Paris, ao serviço da filial francesa da Agência Americana, que fora fundada pelo escritor brasileiro Olavo Bilac. Pelos finais do ano seguinte já deixara esta empresa e radica-se em Barcelona com a família, incluindo a mãe, que o pai abandonara. É aqui que nasce Edgar Reinaldo, que depois será o poeta Reinaldo Ferreira (filho).
Com a subida ao poder de Primo de Rivera, o jornalista regressa a Portugal, mas não sem antes enviar de Barcelona uma crónica à imprensa de Lisboa, atacando o ditador. Assina o artigo com o seu próprio nome, mas um amigo faz-lhe ver que poderia sofrer represálias e, prudente, Reinaldo escreve por cima "Repórter". Todavia, por um desses acasos do destino, o tipógrafo que recebe a peça vê um "x" no que não era mais do que o rabisco final da mal escondida assinatura. Nascia, assim, o Repórter X.
Já empregado no "ABC", o jornal envia-o à Rússia, em 1925, para acompanhar a luta intestina desencadeada após a morte de Lenine. De Paris, onde terá experimentado pela primeira vez a morfina, Reinaldo informa que lhe está a ser difícil conseguir um visto, mas vai mandando trabalho, designadamente uma entrevista forjada a Conan Doyle. E, finalmente, começam a chegar as crónicas de Moscovo, onde o jornalista passa a vida a tropeçar em portugueses, desde o porteiro do Kremlin ao homem que embalsamou Lenine. A convicção de Joel Lima é a de que o nosso repórter nunca pôs os pés na Rússia e que se limitou a ficar em Paris, aguardando os artigos de Henri Béraud, que para lá fora destacado pelo "Le Journal".
Em 1926 está de novo em Portugal, fixando-se agora no Porto e escrevendo simultaneamente para o ABC e para "O Primeiro de Janeiro". É em Março desse ano que se dá em Lisboa o célebre assassinato da corista Maria Alves, estrangulada num táxi e lançada morta para a sarjeta. Baseando-se em anteriores crimes congéneres e na intriga de um romance espanhol, Reinaldo aventa nos jornais que o culpado é o ex-empresário da vítima, Augusto Gomes. E o espantoso é que acerta.
Aproveitando mais este sucesso do então já famoso Repórter X, o "Janeiro" publica-lhe o folhetim " O Táxi nº 9297", que irá ser publicado em livro, levado ao palco e convertido em filme, que o próprio Reinaldo Ferreira dirigirá no Porto, nos estúdios da falidaInvicta Film, com Alves da Costa no papel do protagonista. Já em 1924 vira adaptada ao cinema, em Espanha, a novela El Botones del Rit ( O Groom do Ritz), e a sua Repórter X Film produzirá ainda três curtas-metragens.
O desvairado caso das libras de louça
Abandonado por Lucília em 1928, Reinaldo passa a viver no ano seguinte com Carmen Cal, ainda aparentada com a família portuense dos advogados Cal Brandão. Continua, entretanto, a trabalhar no "Janeiro", onde congemina a mais inverosímil das suas "reinaldices": uma alegada campanha alemã para desacreditar a moeda inglesa, que passaria pela produção de libras de louça. Isso mesmo, de louça; quebravam-se e tudo. O pior é que envolveu na trama o banqueiro Francisco Borges, do Banco Borges & Irmão, e a coisa, naturalmente, deu para o torto. Despedido do diário portuense, que ainda assim voltará depois a empregá-lo, funda vários jornais de pouca dura, até que, em 1930, financiado por um irmão, Ângelo, lança, em Lisboa, o "Repórter X", que durará até 1933. A chefia da redacção é confiada a Mário Domingues, que fora seu condiscípulo no Colégio Francês e que não tarda a abandonar o projecto para fundar "O Detective", onde denunciará, aliás, algumas "reinaldices".
De novo no Porto, Reinaldo Ferreira é internado, em finais de 1932, para uma cura de desintoxicação. E escassos meses depois decide confessar a sua morfinomania nas páginas do "Repórter X", dando também à estampa o primeiro volume - e o único que publicou em vida - das "Memórias de um ex-morfinómano".
No final da vida ainda lançará os efémeros jornais "A Reportagem da Semana" e o "X". Mas, regressado à dependência da morfina, separa-se em 1935 de Carmen - de quem tivera um filho, Oswaldo - e, no dia 4 de Outubro desse ano, morre em Lisboa, num prédio do actual Largo de S. Carlos.
Além das suas reportagens, entre as quais se contam fascinantes visões futuristas do Porto e Lisboa do ano 2000, Reinaldo Ferreira deixou ainda uma quantidade assombrosa de novelas, sobretudo policiais e de espionagem, além de várias peças de teatro. No "Diabo", Fernando de Araújo Lima garantirá, após a sua morte, que o viu escrever de jacto, a uma mesa do café portuense Avenida, para ganhar uma aposta de 250 escudos, a novela "Impossível", editada em 1929.
Se, como jornalista, e não obstante os seus múltiplos talentos, Reinaldo Ferreira merece óbvias reservas, já a sua inspiração torrencial, e até as acidentadas circunstâncias da sua biografia, fazem dele uma das nossas mais fascinantes figuras da primeira metade do século: uma espécie de Camilo da "série B". banda.sapo.ao
EROTISMO O Maxim’s, localizado no Palácio Foz, foi palco de glamorosos espetáculos de striptease
FOTO ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA
Logo após a I Guerra Mundial, Lisboa inspirou-se em Paris e abriu as portas de luxuosos cabarés, lugares de boémia, transgressão, vício, euforia e espetáculos de variedades. Os novos tempos de liberdade ditaram-lhes o fim. Mas há quem queira recriar um novo cabaré na capital
Comecemos com uma história de amor improvável entre uma corista e um empregado de um estaleiro naval que se tornara boémio dos sete costados para esquecer uma paixão falhada. Este romance errante alimentou-se num ambiente de luxúria e bas-fond. Fala Judite, a mulher para quem a noite deixou cedo de ter segredos. Conheceu o homem da sua vida na praia de Santo Amaro de Oeiras. Ela tinha 26 anos, ele 23. Foi em 1963. “Era loiro, engraçado, eu era bonita e bem feitinha. Ora andávamos ora desaparecíamos um do outro. Assim é a vida. A minha foi passada a dançar. Tinha boas pernas, mexia-me bem e durante décadas trabalhei como corista no Parque Mayer. Estreei-me aos 15 anos numa peça com o Vasco Santana e nunca mais parei. Felizmente, a minha mãe não me impediu de seguir este caminho, porque ela apreciava também a vida artística. Fui corpo de baile de largas dezenas de espetáculos, trabalhei com todos os grandes do teatro de revista. Aprendia facilmente as coreografias. E, para ganhar mais algum dinheiro, a partir dos 21 anos comecei a trabalhar em nightclubs e cabarés, onde dançava ao som de uma orquestra com piano e maestro. Estive uns anos no Maxime e no Fontória, na Praça da Alegria, e no Príncipe Negro, nos Restauradores. Belos tempos, animados, alegres, sem maldade, com respeito.” No Maxime passou a ser chamada de “Judite, a batatinha”, porque, no início, vendia cigarros e batatas fritas.
Esse espaço de diversão noturna abriu pela primeira vez as portas em 1939 e consta que era usado como refúgio de espiões, aliados e nazis, que ali à socapa realizavam reuniões secretas no início da II Guerra Mundial. O Maxime fazia lembrar o Rick’s Café do filme “Casablanca”, onde Humphrey Bogart ordenava mais música ao pianista Sam. Mas talvez fosse ainda mais requintado, com os seus veludos vermelhos e painéis dourados.
MAXIM’S Em 1920 era considerado o expoente máximo da Lisboa boémia e elegante
Com mais de meio século de história para contar, o Maxime marcou a capital como o mais luxuoso cabaré dos anos 40, local de festa e ócio da burguesia, intelectuais e artistas. Por ali passou Juan Carlos de Espanha e muitos outros elementos de famílias aristocráticas portuguesas. Era poiso também de turistas e senhores da província que procuravam os ares modernos e libertinos da cidade.
Uma clientela sempre engalanada, de fato ou smoking, porque o espaço exigia elegância e notas fartas no bolso para pagar champanhe do bom às meninas. Na hora do jantar havia sempre folclore, e pela meia-noite o cabaré ganhava outro esplendor e atrevimento com striptease, cantorias e ballet com coristas de pernas jeitosas. Como a Judite, ou Jú. “Veja como o tempo passa”, sussurra-nos agora num fio de voz. O rosto muito magro é um mar de rugas. As mãos engelhadas apontam para o álbum de fotografias que conta o seu passado nos teatros e cabarés. Não parece a mulher graciosa e ginasticada que noutros tempos levava com facilidade um pé à cabeça e vestia a pele de mil e uma personagens, até de uma sexy guerreira das estrelas de botas altas prateadas. Mas é.
Judite está agora deitada numa cama de hospital em lenta convalescença. As pernas que toda a vida lhe garantiram aplausos, urros e assobios faltam-lhe agora. O tempo é ingrato para o corpo. Caiu há duas semanas à beira da cama e partiu a anca, coisas de quem cruzou os 82 anos e não se privou de nada. “A noite é mais intensa e turbulenta. Tudo isso tem uma fatura. Ah, pois tem”, resume Américo Prata, o marido de Judite, 79 primaveras. Todas as tardes a visita no hospital e lhe leva iogurtes e água. “Ela parou com as danças na noite perto dos 50 anos, quando me juntei finalmente a ela. Até aí tive muitas namoradas nos intervalos. Casámos em 1985. Estávamos velhos, solteiros, éramos muito amigos e decidimos ficar juntos. Esta amizade continua. Se não fosse assim, não a aturava ainda.” Se o amor não é isto...
CORISTA Judite Prata (segunda a contar da esq.) estreou-se aos 15 anos como corista no Parque Mayer, trabalhou com grandes nomes do teatro de revista e a partir dos 21 anos atuou como bailarina nos cabarés de Lisboa até aos 50
FOTO COLEÇÃO PARTICULAR
Os olhos de Judite enchem-se de brilho quando aponta para uma determinada fotografia a preto e branco. No retrato está sentada em cima de um balcão, seminua, de cabeleira afro platinada, acompanhada de outras raparigas, numa pose ensaiada e desafiante. “Foi tirada no Príncipe Negro, um pequeno cabaré ao estilo francês situado no início da subida do Elevador da Glória, do lado direito [onde mais tarde funcionou uma sex shop]. O show era uma recriação dos cabarés de Paris. Eu usava um biquíni com lantejoulas, mas não me despia. Era uma mulher alegre, se não fosse não teria ido para esta vida de artista, não é verdade?” Judite trata de explicar que o trabalho das bailarinas não se ficava pelo palco dos clubes. A maioria delas acumulava o seu baile ou canto com funções de alterne. Ou seja, muitas vezes eram convidadas a sentar-se à mesa de amigos ou clientes habituais, que lhes ofereciam uma bebida ou uma garrafa de champanhe em troca de conversa e companhia. Quanto mais os clientes bebessem maior comissão recebiam. Fazia parte das regras da casa, para abrilhantarem a sala e trazerem outro picante ao ambiente. Judite conta o velho truque desses clubes: “Frequentemente, os nossos cocktails eram servidos sem álcool, para não nos embebedarmos.” Outro esquema usado era distraírem o cliente quando pousavam o copo de champanhe cheio, que uma amiga rapidamente entornava para dentro do frappé. Vinha logo à mesa um empregado: “Vou trazer gelo mais fresco.” Isto de forma discreta para que os clientes não se apercebessem. “Mas quando me sentava junto desses amigos era com muito respeito. E se algum cavalheiro me perguntava: ‘Quer sair daqui comigo?’, tratava logo de responder: ‘Não. Não saio daqui com ninguém.’ As mulheres da rua que por lá andavam é que saíam com eles. Nós éramos as vedetas do espaço e estávamos ali apenas para animar.”
Judite conta que ganhava bem mas que não se privou dos seus vícios e de garantir conforto à filha, que tem necessidades especiais e com quem ainda hoje mora. “Na vida tive três vícios, os cigarros, a bebida e o ouro. E ainda gosto de beber whisky em casa ou de um copo de vinho branco.” Quem viveu a boémia da noite, dificilmente lhe perde o gosto.
Judite Prata
FOTO COLEÇÂO PARTICULAR
Há dez anos, o falecido ator Raul Solnado contou ao Expresso como debutou no então Royal Maxime, na época em que Judite era uma jovem menina a dar à perna em palco, tal como outras tantas bailarinas espanholas. Corria o mês de dezembro de 1952. O colega José Viana tinha construído o “Sol da Meia-Noite”, um atípico espetáculo de variedades idealizado para aquele palco e do qual faziam parte cantores, bailarinos, atores e as alternadeiras espanholas, as irmanitas. “E lá estava eu, estreante, cómico dentro daquele universo. Vinte e dois aninhos completamente inebriados, catrapiscando as bailarinas, encostando-me às cantoras e passando a mão no pelo da equipa de alterne. Sete quintas”, confessou Solnado com o seu típico humor. E confirmou que nessa época o Maxime era “o grande acontecimento da noite de Lisboa”. A palavra show não existia, porque o termo ‘variedades’ chegava para o consumo interno. Recentemente inaugurado, o Maxime soava a luxo, com dois palcos para duas orquestras que alternadamente abrilhantavam o baile entre as 22h e as 5h da manhã. Solnado revelou que o esquema era o mesmo nos outros cabarés da cidade: o Moroco e o Fontória, também na Praça da Alegria, o Ritz, na Rua da Glória, o Cristal, na Avenida da Liberdade, perto do Parque Mayer, ou o Olímpia, na Rua dos Condes. Sem meias palavras, o humorista garantiu que em todos eles o estilo das ‘variedades’ pouco mudava. “Um ilusionista foleirote, um ou outro cantor já em fim de estação, por vezes um artista de circo, uma atração com um nome mais sonante para estimular o pessoal e as inefáveis espanholas, que cantavam ou dançavam e aqui chegavam sempre com as suas gordas madres, que enquanto faziam variados crochés não tiravam os olhos das suas niñas.”
O Maxime fora inspirado num dos primeiros cabarés portugueses, o Maxim’s, localizado no atual Palácio Foz, nos Restauradores, a ditar o ritmo dos loucos anos 20, com dancing, salas de jogo e roleta, bar e restaurante. Dizia o “Notícias Ilustrado”, em 1929, que o Maxim’s era o cabaré onde “pode levar-se confiantemente o mais viajado turista, sem receio de confrontos humilhantes com o que de melhor existe, no género, lá fora [...] o seu jazzband grita alegria [...] o ambiente é de luxo, conforto e comunicativa alegria”. O “Diário de Lisboa” chegou a descrevê-lo: “O clube à noite é a síntese da vida moderna: a confusão, o delírio e às três da madrugada... a cocaína!”
O romance do escritor João Ameal “Os Noctívagos”, de 1924, descreve uma sessão de dança erótica ocorrida no Maxim’s: “O quarteto lançava os compassos banalíssimos do [tema] ‘Mon Homme’ [...] E, inesperada, uma mulher surgia, detrás do biombo, ao fundo, toda coberta duma capa negra, que só deixava assomar o cabelo doirado [...] principiou uma dança lânguida, arrastada, sublinhando com quebraturas sensuais [...] desenhando uma sucessão de afagos, de arquiteturas lúbricas, de espasmos infinitos. Depois, parava momentos e atirava o refrain, numa voz ronronante e viciosa: ‘C’est mon homme... C’est mon homme’.” O Maxim’s era de facto um lugar de prazer e de excesso, de extravagâncias morais e físicas. E isso é bem aceite por vários cronistas da época. “O cabaré tem de ser sobretudo bizarro. Deve surpreender, ferindo mesmo a vista e a sensibilidade dos frequentadores”, lia-se no jornal “ABC” em 1924.
No livro “Os Nightclubs de Lisboa nos Anos 20”, de Júlia Leitão de Barros, escreve-se que esse cabaré “combinava a rigidez da decoração, genuinamente aristocrática, com um novo elemento que fornecia ao dancing laivos de modernidade e do frenesi da década de 20: o jogo de luzes. A sua cabina de distribuição elétrica, comandada diariamente por um mestre eletricista, oferecia efeitos luminosos surpreendentes para a época”. Além da dança, do jogo, do restaurante fora de horas, este tipo de clubes eram lugares apetecíveis para quem procurava a aventura de um flirt ou o prazer pago a uma mulher. As papillons dos clubes, hoje chamadas de ‘alternadeiras’, já teriam como objetivo chamar clientes às ‘casas’: borboleteavam de mesa em mesa e eram figuras de má reputação. Reinaldo Ferreira, para sempre conhecido pelo pseudónimo Repórter X, considerado o melhor jornalista do seu tempo, chega a escrever em 1927 sobre as papillons do Bristol Club, outro conceituado cabaré da mesma altura (onde depois foi a sede do Sport Lisboa e Benfica), decorado com esculturas de Leopoldo de Almeida e Canto da Maia e com pinturas de Almada Negreiros e Eduardo Viana, entre outros: “A papillon [...] é o tipo mais aproximado ao da geisha japonesa. A sua missão é puramente decorativa. Deve ser bela, deve ser inteligente, saber palestrar, fazer rir, representar, abancada a uma mesa, como se representasse no teatro. E se quer ser só papillon... o seu papel termina aí. Terminada a festa, retira-se para o seu lar.” Mas muitas não se ficavam por aí, praticando uma prostituição de elite, com requinte.
BRISTOL Inaugurado em 1918, tinha decoração modernista e era frequentado por artistas
FOTO GABINETE DE ESTUDOS OLISIPONENSES
Em meados dos anos 40 do século XX, no entusiasmo do pós-guerra, o eixo entre os Restauradores e o Parque Mayer vai-se transformando na nova zona dos cabarés, à boleia do teatro de revista e dos restaurantes das noites longas — e permanece como destino privilegiado da folia noturna até o 25 de Abril, quando a revolução e a nova liberdade retiram, aos poucos, o fulgor ao cabaré, que passa a estar associado à prostituição e à decadência.
O músico Vitorino, de 74 anos, foi um frequentador dessas noites vorazes quando saiu do Alentejo e descobriu a capital nos anos 60. Mal ia à cama. Gostava particularmente de frequentar o cabaré do Ritz, na Rua da Glória. “Era talvez o cabaré mais barato do mundo. Custava 20 paus uma noite de ócio. Ali havia striptease, pequenos números brejeiros de revista feitos por um casal de velhotes, e havia as espanholas, que eram um must.” Vitorino, que mais tarde, nos anos 80, foi sócio do Ritz, recorda-se que lá dentro existia uma barbearia e uma florista que funcionavam toda a noite. “Chegavam da província, mal barbeados de uma longa viagem e do trabalho no campo, e preparavam-se para a conquista. Outros iam barbear-se antes de pegar ao serviço. As flores eram para oferecer às alternadeiras.” Vitorino recorda-se de personagens surreais que atuaram no Ritz, como um travesti careca que arrancava a cabeleira postiça como momento apoteótico, ou de uma stripper que tinha uma grande cicatriz de cesariana na barriga. “Eu passava a noite a observar as prostitutas. Cheguei a enamorar-me por uma e escrevi-lhe um poema que começava assim: ‘Boca fina, baton rouge, blue-jean de provocar, peito ao ritmo do descuido dos passos que dá...’” Trajado todo de branco, com boina e suspensórios creme, Vitorino mantém ainda hoje uma aura de dandy. Descreve o cabaré português como único. “Era um cabaré ingénuo, com um provincianismo rural e laivos de revista e circo.”
RITZ Entre os anos 40 e 70 teve espetáculos de cabaré, uma barbearia e uma florista toda a noite
FOTO IN “LISBOA À NOITE” DE LUÍS PAVÃO
Também o músico Manuel João Vieira, líder das bandas Ena Pá 2000 e Irmãos Catita, se recorda desse ambiente felliniano que ainda existia no Ritz nos idos anos 80. Em 2006, Manuel João tentou recriar um novo cabaré português no velho Maxime, descolado do alterne. Durante cinco anos misturou concertos de artistas como Jorge Palma ou José Cid com números de burlesco para um público mais jovem e descontraído. O espaço acabou por fechar por sucessivas queixas de barulho do hotel vizinho. Agora é propriedade de um grupo hoteleiro, que terá adquirido o edifício por cerca de dois milhões de euros e que prevê a construção de um hotel de 70 quartos com abertura marcada para 2017.
MAXIME Inaugurado nos anos 40, foi um cabaré de grande gabarito em Lisboa
FOTO ARQUIVO MUNICIPAL DE LISBOA
Manuel João Vieira e os seus sócios deslocaram-se então para a zona ribeirinha do Cais do Sodré e aí abriram no ano passado o Titanic Sur Mer, um espaço de concertos que pretende também ter espetáculos de cabaré. Manuel João está obstinado nessa vontade. Devolver o cabaré a Lisboa. A prova disso foi o espetáculo “Titanic Monster Show”, que teve a sua segunda edição no passado dia 9 de julho e que misturou striptease burlesco com números de musical e variedades (acertada performance de Miss Suzie), velhas glórias do canconetismo (o cantor italiano Sandro Core foi uma agradável surpresa) e sketches de teatro do absurdo.
TITANIC SUR MER Aberto em 2015 num armazém do Cais do Sodré, quer combinar concertos ao vivo com espetáculos de cabaré
FOTO TIAGO MIRANDA
Manuel João chegou mesmo a atuar trajado de urso de peluche enquanto cantava com o auxílio de um cavaquinho o clássico tema de Elvis Presley ‘Love Me Tender’. Uma delícia. Mas há espaço para um novo cabaré? “Não sei. Sei que Lisboa tem uma longa tradição de cabaré e faz sentido continuá-la. Gostava de me focar na área do surrealismo, do absurdo e do inesperado.” Espera-se o melhor
A bateria é feita de um pequeno vaso de argila no qual reside um tubo de chapa de cobre, com diâmetro aproximado de 2,5 cm por 10 cm de comprimento; sua base é selada por um disco de cobre, de seu interior projeta-se uma barra de ferro, aparentemente corroída por ácido, com uma tampa de betume.
O mistério por trás desse artefato é: "para que alguém iria querer uma bateria elétrica na Bagdade de 2.000 anos atrás?".
Ainda não sabemos a resposta, mas o fato é que um instrumento capaz de gerar energia foi encontrado em 1936, numa ruína próxima à capital do Iraque (daí o nome do objeto).
O arqueólogo alemão Wilhem Konig percebeu que o objeto estava corroído por uma substância ácida e concluiu que aquilo era uma pilha rudimentar.
Em 1940, o engenheiro americano Willard Gray construiu uma réplica da pilha de Bagdade e, usando uma solução de sulfato de cobre, conseguiu gerar cerca de meio volt de eletricidade.
Nos anos 70, o egiptólogo alemão Arne Eggebrecht fez a bateria funcionar melhor ainda com um ingrediente abundante na antiga Mesopotâmia: com suco de uva, a pilha produziu 0,87 volt de energia.
Uma das hipóteses para o uso da pilha é a medicina – os gregos antigos, por exemplo, usavam peixes elétricos como analgésico.
Mas a corrente gerada é pequena demais.
Outra possibilidade é a aplicação da energia para galvanizar metais na ourivesaria. De qualquer forma, o real propósito da bateria continua um mistério.
se escreveram palavras antigas: o cão, o jardim impresente,
a mãe para sempre morta.
Anoiteceu, apagamos a luz e, depois,
como uma foto que se guarda na carteira,
iluminam-se no quintal as flores da macieira
e, no papel de parede, agitam-se as recordações.
Protege-te delas, das recordações,
dos seus ócios, das suas conspirações;
usa cores morosas, tons mais-que-perfeitos:
o rosa para as lágrimas, o azul para os sonhos desfeitos.
Uma casa é as ruínas de uma casa,
uma coisa ameaçadora à espera de uma palavra;
desenha-a como quem embala um remorso,
com algum grau de abstracção e sem um plano rigoroso.
Como se desenha uma casa, Manuel António Pina, Assírio e Alvim,
«Casa» é uma das palavras que mais me agradam pelo seu significado simbólico de refúgio, proteção, liberdade de ser e estar, relações familiares e afetivas e ainda pelo facto de nela estarem arquivadas as memórias da infância, entre as quais as peripécias associadas à transição de um mundo fechado (a minha casa) para uma realidade exterior (a sociedade, a casa dos outros). Mas «casa» é também símbolo da realidade interior de cada um, o espaço mental no qual se vai construindo o nosso ser.
Como «nada surge com a sua própria forma», a criação artística depende da visão do mundo arquivada na mente do seu criador e esta enraiza-se nas emoções e sentimentos que o seu percurso de vida fizeram nascer e às quais o artista dará «forma» materializando o «nada» dessa realidade imaterial num poema, num desenho, numa pintura.
O poema «Como se desenha uma casa» sugere a importância do espaço «casa», seja físico, mental ou ambos como o espaço onde a vida começou, mas também sugere que a representação simbólica dessa «casa» deverá obedecer a certas instruções, talvez devido ao facto de se tratar da representação de algo com elevado valor afetivo e que, por isso, traz até à luz da consciência emoções heterogéneas, umas boas e capazes de estabelecer uma ponte com o passado, outras más e com potencial destrutivo.
Talvez o primeiro passo para se aceder ao nosso ser mais genuíno e dar «forma» através da arte a essa verdade mais profunda que guardamos dentro de nós consista em abrir a porta da memória, espaço mental onde as vivências de cada um estão arquivadas. A «tela», palavra cuja origem etimológica é a mesma de «texto», será o recipiente em que vão derramar-se essas recordações já que dar «forma» a algo acontece num espaço, tela ou folha de papel, no qual o «nada» se materializa e ganha visibilidade.
Antes de «se desenhar uma casa», a tela é apenas um espaço vazio à espera de um preenchimento que justifique a sua existência e por isso é «imatura»
As «palavras antigas» precedem o «desenho» da casa para ajudar à evocação do passado (infantil?) no qual o cão, o jardim e a mãe (a alma da casa que é um espaço tradicionalmente feminino). Estas são «palavras antigas» na medida em que têm o mesmo tempo de existência daquele que as relembra, saudoso ou não, no presente; o referente de cada uma delas ficou nesse passado e a única via para lhe aceder é a memória; o cão, o jardim e a mãe valem pelas emoções que suscitam
Na segunda quadra há um contraste entre escuridão e luminosidade; a escuridão sugerida por «anoiteceu» e «apagamos a luz» acentua a luminosidade das «flores da macieira no quintal» que ganham vida graças à memória, tal como «a foto que se guarda na carteira» tem a função de manter viva a imagem do retratado. Se o pensamento racional passa para segundo plano, as recordações arquivadas no subconsciente ocupam a «tela» da consciência e perturbam o presente com ecos de sofrimentos antigos e histórias de sonhos que ficaram por concretizar; o poeta, consciente de que as emoções precisam de ser racionalizadas para que a obra nasça, aconselha o artista que quer «desenhar uma casa» a defender-se dessas memórias que, por terem ficado sem o controlo da razão nos confins da memória, conservam uma carga emocional negativa que se foi adensando no decurso do tempo e desencadeiam um sentimentalismo exagerado; assim, «as lágrimas» serão pintadas de rosa, a cor do coração, da vida, perfeição e renascimento e com azul, a cor do infinito e do vazio, «os sonhos desfeitos». Ficarão tons quentes e frios a recriar vestígios de momentos passados perturbadores e que deste modo são transformadas em objeto artístico.
«Uma casa é as ruínas de uma casa», adverte o poeta-professor de desenho, na última quadra, e «uma coisa ameaçadora» tal como a linguagem do inconsciente; o ser humano é controlado por um labirinto de emoções que o acompanham desde o passado e é preciso contorná-lo e domesticá-lo para que a criação artística tenha sentido e seja comunicativa; por isso esta «casa» será desenhada «com algum grau de abstracção e sem um plano rigoroso».