Pablo Picasso concentra em si a evolução da arte e o simbolismo que impregna o século XX. É o nome por excelência do cubismo, mas também do expressionismo, da expressão clássica, da revolução estilística e temática marcada por uma trajetória na qual se destaca a multiplicidade de explorações, as infinitas possibilidades que a linguagem pictórica oferece para retratar a vida, a sociedade, a história e o homem.
Tudo aquilo que criou tornou-se atemporal. Projetou novos caminhos para a arte, fez com que esta não voltasse, a partir dele, a ser o que era anteriormente à sua obra.
Figura excepcional, Pablo Picasso protagonizou e fundou correntes revolucionárias no universo da arte, desde as formas cubistas até a neofiguração, desde a escultura ou da água-forte até a cerâmica artesanal ou a cenografia para balé.
Sua obra é abundante, diversificada, estendendo-se por décadas de um trabalho criativo inigualável, marcada pelo virtuosismo, pelo amor à vida e às amizades.
Desde que começou a pintar foi motivo de admiração e seu trabalho encantou e encanta desde os mestres até o homem mais simples, trazendo em si a força contagiante de um homem nascido para a arte, apaixonado pelos bairros boêmios de Paris, pelo sol do Mediterrâneo, pelos touros, pelas pessoas simples e pelas mulheres belas, afeições que cultivou reiteradamente.
Pablo Diego José Ruiz Picasso nasceu em 25 de outubro de 1881, em Málaga, Espanha, primogênito do matrimônio entre o pintor José Ruiz Blasco e Maria Picasso López.
De José Ruiz Blasco herdou o talento para o desenho e, apesar das dificuldades econômicas da família e da relação estreita com o pai, foi um estudante bastante negligente e muito distraído, mas com uma habilidade precoce que o levou a iniciar seus ensaios pictóricos aos dez anos de idade.
Aos quatorze anos, em Barcelona, onde o pai atuava como professor na Escola de Artes e Ofícios, resolveu em um único dia os exercícios dos exames para ingresso na escola, os quais eram previstos para serem resolvidos em um mês, sendo admitido prontamente e, um ano depois, instalou seu primeiro atelier.
Quando contava com dezessete anos, em Madri recebeu o primeiro prêmio: a Menção Honrosa pela obra Ciência e Caridade, da qual foi destacado o realismo acadêmico, tendo tomado como modelo para a figura do médico o próprio pai. A premiação o estimula a ingressar no curso avançado da Academia de San Fernando e seu trabalho, influenciado por Toulouse-Lautrec e por El Greco, recebeu diversas outras premiações, tanto em Madri como em Málaga.
Sua primeira exposição individual ocorreu em 1898, na cidade de Barcelona e seus primeiros esboços foram comercializados em Paris, dois anos mais tarde, por ocasião da Exposição Universal. O comprador, Petrus Mañach, ofereceu-lhe cento e cinquenta francos mensais por toda a obra produzida em um ano. Picasso, ao tornar-se um artista profissional, decide assinar somente com o nome materno.
Em 1901 tornou-se coeditor da Revista Arte Jovem, de Madri, a qual não durou muito e, de volta a Paris, conheceu Max Jacob e iniciou o que adiante se tornaria conhecido como o “período azul”. No ano seguinte, realizou sua primeira mostra parisiense e dois anos mais tarde passou a residir em Paris, em um alojamento compartilhado por outros artistas, tornou-se amigo de Braque e de Apollinaire.
Influenciado por Cézzane, iniciou um período de intenso trabalho no qual, além da pintura, dedicou-se a elaborar, juntamente com Braque, as linhas mestras do cubismo analítico, cuja grande obra experimental, Las Señoritas de Aviñón, foi pintada em 1907.
Rapidamente sobreveio o assombro e o escândalo dos críticos e de parte do público diante de um estilo disforme, que rompeu com todos os cânones e ganhou novos adeptos, no momento em que seu inventor expôs em Munique e em Nova York, nos anos de 1909 e 1911, respectivamente.
Ao lado da então companheira, Marcelle Humbert, assim como de Braque, estabeleceu o cubismo sintético aproximando-se da abstração (em toda a sua produção, nunca abandonou a figuração). Pouco depois, mudou-se para Montparnasse, realizando exposições em Londres e Barcelona.
Em 1914, com a Guerra, chegaram as tragédias que o levaram a praticamente abandonar o cubismo, através do recrutamento dos amigos Braque e Appolinaire e da morte súbita de Marcelle. A busca por novos rumos o levou a conhecer Diáguilev em 1917, por intermédio de Jean Cocteau, sendo encarregado da decoração do balé Parade, de Eric Satie.
O final da guerra trouxe-lhe novas tristezas e esperanças: conheceu a bailarina Olga Koklova, com quem se casou em 1918 e despediu-se do amigo Apollinaire, morto no mesmo ano. Entre 1918 e 1925 trabalhou com diversos balés, trabalhos que deram origem à sua evolução pictórica.
Em 1930, um velho retrato que pintara em 1918, retratando sua mãe, recebeu o prêmio milionário do Carnegie. Com o dinheiro recebido, comprou uma esplendida villa em Boisgelup e iniciou uma viagem pela Espanha que durou mais de um ano.
Dedicou-se à escultura nesse ínterim, mantendo um romance com Teresa Walter, cujas consequências são um escandaloso processo de divórcio movido por Olga Koklova e o nascimento de Maya, sua primeira filha.
Apaixonado novamente, desta vez por Dora Maar, Picasso assiste à eclosão da Guerra Civil e passa a apoiar firmemente os republicanos, aceitando simbolicamente a direção do Museu do Prado, embora residisse na França. Nesse período, em 1937, pintou o Guernika, e dois anos depois realizou uma grande exposição antológica, no Museu de Arte Moderna de Nova York.
Durante a Segunda Guerra Mundial, com a ocupação da França pelas tropas nazistas, passou a trabalhar em seu refúgio de Royan. Deprimido e cada vez mais engajado politicamente, filiou-se ao Partido Comunista Francês em 1944. Nesse período apresentou setenta e sete novas obras no Salão de Outono.
Até o ano de 1946, em que a fase de Vallauris se iniciou e passou a trabalhar com cerâmica, foi entusiasmado pela litografia. Viveu até então com a pintora Françoise Guillot, com quem teve dois filhos: Claude e Paloma.
Em 1954 viveu uma fascinação pela adolescente Sylvette D., que aceitou posar para ele em troca de um dos retratos, produzindo assim alguns de seus trabalhos mais famosos e conhecidos.
Em 1958 pintou o gigantesco mural para a UNESCO.
Pablo Picasso foi um milagre, uma força revolucionária da vida e da arte, um criador até o momento da morte, em 8 de abril de 1973. Sua obra artística e pessoal é a mais fabulosa do século XX, mesclada a uma história de vida intensa, exacerbada, digna do legado que deixou.
A fase azul
Uma das principais diferenças entre Picasso e a maior parte de seus contemporâneos é que ele nunca demonstrou qualquer sinal de debilidade ou de repetição em suas obras.
A única orientação permanente em sua obra é um lirismo agudo, que como o tempo adquiriu acentos cruéis, inclusive e principalmente no período azul: o amargo lirismo, talvez uma nota que afugentava os compradores do início do século XX, é uma baliza de um jovem Picasso entre os vinte e os vinte e três anos de idade.
Algumas de suas obras assinalam o espaço íntimo da mulher, outras mostram o cansaço do trabalho, com certa qualidade narrativa. Em seus quadros há mais do que intimidade, isolamento, e o cansaço brota da atitude de uma mulher sem que seja necessário explicá-lo, como no caso de La Planchadora.
As proporções ganham importância na obra de Picasso porque evocam proporções clássicas, que não podem ter sido escolhidas por causalidade, mas para produzir o equilíbrio nas obras, mesmo que por vezes subvertam os padrões da época.
Contudo, a análise de uma obra de arte não pode ficar restrita às suas dimensões formais, porque não prescinde do conteúdo, não para indagar o que o artista narra, mas quais são suas preocupações.
Enquanto a pintura acadêmica da época buscava incorporar-se à tradição pictórica com heroicos quadros históricos ou enaltecendo os valores da pintura consumeirista, Picasso apresenta uma mulher que trabalha até o esgotamento, idealizando a figura de alguém que passa por necessidades, tem compromisso político, retrata a pobreza e a necessidade sem fantasias, reflete sobre ela, traz para a arte o trabalhador empobrecido das cidades, o proletário, uma nova figura social.
Contudo, os quadros do período azul não são, prioritariamente, um libelo contra a exploração, o desamparo a que a sociedade moderna condena homens e mulheres, mas se centram em uma reflexão sobre a condição humana. Há também muitas especulações sobre a relação entre o caminho seguido no período azul e o suicídio de seu amigo Casagemas, que o perturbou e influenciou diversas obras, elaboradas em torno desse acontecimento.
Aos poucos, a alusão ao caso concreto se perde, em benefício de uma meditação mais profunda e de uma obra com perspectivas mais amplas. Na realidade, não importa saber que a face de Casagemas é a do homem que aparece à esquerda, em La vida, quadro mais representativo da época azul para se ter a certeza de que o quadro remete ao amor e à maternidade, à proximidade e a distância que pode haver entre um homem e uma mulher.
Uma preocupação reiterada em Picasso é a comparação do casal que aparece à esquerda, em La Vida, com os frequentes estudos dedicados ao abraço que, nestes anos, se simplificaram na forma, radicalizando-se expressivamente.
A época azul, essencialmente, eleva o quadro ao que, nesses anos, pensava o jovem Picasso sobre a condição humana, em um meio tão estimulante e tão cruel como a cidade moderna. Talvez represente um período de crise, mas determinado não no esquema psicológico, nem na crítica social, nem tampouco na narração pintoresca ou nostálgica, mas como uma nova poética.
Observa-se, ainda, que tanto suas pinturas do período azul como no período rosa, Picasso desenvolveu um idioma pessoal, amplamente tradicional em seu caráter, capaz de transmitir temas líricos e melancólicos. Depois, sob a influência de Cézanne e das esculturas ibéricas da antiguidade, voltou-se para os problemas mais fundamentais da representação, abandonando um estilo que começava a trazer compensações financeiras.
No vasto e inacabado quadro Les Demoiselles d’Avignon, demonstrou novo interesse pela arte monumentalmente construída. Grandes nus femininos ocupam um espaço pictórico pouco profundo, fechado por panejamentos. As linhas oscilantes desses panejamentos e suas arestas vivas se repetem nas figuras, que só remotamente se relacionam com as formas normais de mulheres, e são quase desprovidas de modelado. As cabeças das três mulheres da esquerda possuem formas primitivas, relacionadas à escultura ibérica; as da direita derivam das máscara africanas da arte negras há muito existentes nos museus etnológicos, mas só então reconhecidas por seu poder artístico.
Foi precisamente este quadro que levou Braque a aproximar-se de Picasso e, em quatro anos, ambos trabalharam juntos, elaborando o novo estilo conhecido como Cubismo.
A fase rosa
Picasso encontrou em Olivier o estilo, o humor e a temática dessa fase de seu trabalho. Com essa relação, mudou sua paleta para rosas e vermelhos, nos anos de 1904 e 1905, quando se configurou o Período Rosa.
De uma maneira geral, pode-se afirmar do Período Rosa:
a) utiliza, além do rosa, as cores predominantes no outono e os tons ocres;
b) as pinturas se mostram mais agradáveis e os temas mais leves;
c) as obras se mostram mais otimistas do que as pinturas do período azul;
d) as figuras são curtas, concisas, e a dimensão é constante e equilibrada;
e) é uma pintura mais delicada e clássica, possuindo ainda um fundo melancólico.
A suave languidez, uma alegria difusa e emocionada inunda seus quadros. Paralelamente, as formas se tornam mais voluptuosas, os volumes surgem da profundidade monocromática, a forma mais potente reincorpora certa tradição do desenho clássico.
Sem abandonar completamente esse período, a partir de 1906 transforma mais uma vez suas figuras, seu desenho. Na representação convencional da pessoa humana, Picasso passa a introduzir ligeiras assimetrias, estilizações que afirmam a expressão e, ao mesmo tempo, não alteram ainda o sentido anedótico de sua obra.
De toda a sua produção artística, a menos usual pode ser considerada a obra Autorretrato, de 1907, identificada com o pós-impressionismo. Os tons avermelhados predominam, escuros ou claros, nas diversas partes do quadro. No fundo da parte esquerda, combina a cor rosa com base juntamente com o café e o azul, com um efeito que obscurece na parte inferior da tela. Os tons vermelhos e laranjas ficam mais claros até chegar ao rosto, que tem uma base gris que se une aos vermelhos, amarelos e laranjas para formar o tom da pele.
Picasso não se fixa muito nos detalhes da forma do rosto, mas enfatiza as cores, jogando com os tons para dar maior realismo ao semblante, deixando já de lado a perfeição da forma para se fixar no fundamental. É essa mudança que determina a obra de Picasso, já que teve uma evolução que o levou ao cubismo.
Daí advém, para alguns autores, a divisão em um outro período: proto-cubista, do qual se evidencia El retrato de Gertrude Stein. Nesse período Picasso se desvincula dos cânones de arte relacionados em mostrar representações exatas da realidade e as modifica, mais precisamente transformando-as com padrões geométricos.
A principal afirmativa que se pode fazer, diante da observação das obras do período rosa, finalmente, é que este foi de calor e vivacidade, retratando um mundo de beleza, equilíbrio e serenidade, de felicidade mesmo, como a que o artista viveu nesse tempo e que lhe proporcionou a necessária evolução para o período cubista.
O Cubismo
O Cubismo é sinônimo de descobertas, uma fase na qual não se encontra o aporte teórico, mas sim experimentos fundamentais na arte, com planos autônomos e independentes que se dissolvem e com volumes que se tornam menores, rompendo-se a linha de contorno e interrompendo-se o traço linear. Por isso, se compara o resultado com “o reflexo em um espelho quebrado” ou com a visão através de um caleidoscópio.
A princípio ignorou a cor e concentrou-se na forma, buscando um elemento da intenção de Cézanne: captar a tridimensionalidade das coisas sem destruir a bidimensionalidade da tela. Depois dos “sólidos simplificados” das esculturas africanas, algumas pinturas foram “enfaticamente escultóricas”, encontrando uma nova solução, pela fragmentação do objeto em vários planos de formas simples, dispostas em um espaço pictórico plano.
O clímax do cubismo analítico aconteceu em 1911, quando Picasso e Braque completaram sua formatação, produzindo algumas de suas demonstrações extraordinariamente belas.
A perspectiva é múltipla, dada pelo estudo de cada plano, em sua autonomia, rompendo com a perspectiva monofocal albertiana e libertando a pintura dessa visão através da multiplicação dos ângulos de visão de um mesmo objeto.
As gradações de sombra e de luz desaparecem, ocasionado pela decomposição do volume e a cor não traz indicações suplementares aplicando-se, em geral, em pequenos toques (passe-partout) a todos os objetos, mas que não consistem na cor verdadeira de nenhum deles.
As formas geométricas invadem as composições. São formas que se traduzem em cilindros, cones, esferas e cubos. A retina capta as formas e a mente do pintor as simplifica e toda a composição ganha uma conotação filosófica, em que o observador é colocado diante de uma experiência distorcida das informações intelectuais, em que não é a realidade que se reflete, mas sim a ideia de realidade que possui o artista.
Embora na época parecesse que o Cubismo conseguiria retirar da arte todos os elementos subjetivos e proporcionar a criação de obras que não poderiam ser “traduzidas” ou “descobertas”, como havia tentado o Impressionismo, a pintura dos cubistas varia muito no caráter e no significado
A partir de 1912, Picasso, junto a Braque, desloca-se dessa fase de cubismo analítico para o cubismo sintético, mudando substancialmente a atitude diante da realidade e dos materiais artísticos, assim como demonstrando uma visão irônica da arte como tal.
Do emprego de materiais e texturas que normalmente possuem significados ou contextos específicos resultou uma dupla função, muito importante na arte moderna: os quadros podiam agora ser planejados como organizações abstratas, muitas vezes formadas de unidades amplas e a forma e/ou caráter particular dos materiais podiam indicar um tema específico.
Em 1913, Picasso produziu relevos baseados nessa ideia, assim como pinturas. Toda essa inovação conceitual foi possível, também, pela adesão de Gris ao movimento, no ano de 1911.
Especialmente sobre sua obra cubista, Picasso dizia que “a arte é uma mentira, que nos faz ver a verdade [...] quando se fala do naturalismo como oposto à pintura moderna, seria bom perguntar se alguém viu, alguma vez, uma pintura natural”.
Fiel a esse preceito, Picasso nunca realizou uma pintura não-figurativa, pela ideia de que a pintura trata da realidade, mesmo que sustentasse que não lhe interessava pintar o que via, mas o que pensava sobre o que via. Do mesmo modo, acreditava que a pintura não pode ser concreta, ou seja, limitada a si mesma.
O Cubismo de Picasso consta de várias fases:
a) a primeira é a de Les Demoiselles d’Avignon, que se inspira no primitivismo e na arte negra africana;
b) a segunda é de uma pintura com certa influência de Cézanne como, por exemplo, Tres mujeres;
c) no Cubismo Sintético as obras transcrevem a palha entrelaçada e surgem montagens de recortes de jornais, etiquetas, anúncios com crayon sobre eles e imitações de madeira, tal como em Au bon marche;
d) a última fase é a “pontilhista”, da qual é ilustrativo o quadro Mujer con Mantilla e que representa o rompimento gradual com o Cubismo.
A fase clássica ou greco-romana
Esse período, posterior ao Cubismo sintético, inicia em 1917 e se estende até 1927. Nesse período, Picasso demonstra cansaço das estruturas geométricas e se volta, repentinamente, ao clássico.
Outra motivação importante desse período foi a visita à Itália que Picasso fez, depois da Primeira Guerra Mundial, na qual contemplou as obras da Roma antiga, Pompéia, as obras renascentistas.
Nesse momento, cria as máscaras, nas quais, com um desenho prodigioso, imobiliza a expressão, enquanto se limita a apontar as outras partes da figura.
Caracteriza essa etapa a concepção do quadro como algo construído a partir de elementos plásticos inovadores, mesclados a elementos tradicionais, a simplificação dos planos geométricos, a riqueza das cores. Suas primeiras montagens como escultor também são desse período.
O início da I Guerra Mundial conclui a etapa mais criadora do movimento cubista, encerrando-se também o momento em que o pintor realiza algumas de suas obras mais significativas, embora sua carreira ainda seria grande e frutífera.
Nesse momento, quando cria a decoração para os Balés de Diaghilev, a sua produção em desenho e pintura entra em uma etapa hedonista, de inspiração clássica.
Arlequín com Espejo, de 1923, é parte das obras desse período, do qual se consideram como parte desenhos inspirados no estilo do pintor francês Jean August Dominique Ingres.
O período surrealista se confunde com o clássico porque, apesar de alguns autores considerarem que se estende de 1928 a 1932, com esculturas cheias de fios e lâminas de metal, no ano de 1931 ilustra a obra Metamorfosis dentro do mais puro classicismo.
A partir de 1925, sua temática se modifica novamente, indicando a transição a um período surrealista na qual, sem deixar de atender à realidade, não passam despercebidos sintomas ameaçadores como a ascensão do fascismo e o avanço do consumismo, os quais o inclinam, paulatinamente, a uma representação inédita da realidade.
A fase expressionista
Para Picasso, a pintura é um conjunto de sinais e a metamorfose, ou modificação das formas, é equivalente a uma metáfora, uma linguagem com a qual o artista expressa as angústias de sua época.
Em 1936, irrompe a Guerra Civil Espanhola e o artista, plenamente identificado com a causa republicana, carrega sua pintura de acentos trágicos, denunciando a violência e a morte.
Em Guernica, no ano de 1937, deixa clara a denúncia da violência do bárbaro e gratuito bombardeio alemão a esse povoado basco. A redução da cor ao branco e ao preto e as figuras desconectadas tornam o quadro um símbolo legítimo e doloroso da história e das impressões da arte contemporânea.
O expressionismo de Picasso busca a representação da angústia. Uma obra de 1937,Cabeza de Mujer LLorando, é provavelmente o rosto mais doloroso de toda a história da pintura.
Durante toda a Segunda Guerra Mundial, o tema da morte é constante na sua criação artística, como em Nature morte au crâne de boeuf, de 1942, que resume o sentimento do artista pelos mortos na guerra e pela perda do amigo Julio González.
O expressionismo traduz as vivências de medo ou de insegurança para com o futuro, em deformações características do período, com suas metamorfoses baseadas primeiro em curvas e em elipses e, em seguida, em ângulos e traços enérgicos.
Com o término da Guerra, inicia-se um período de calma na arte de Picasso, o momento em que surgem as pombas e as sacadas abertas para o Mar Mediterrâneo.
O mais significativo do expressionismo, sem dúvidas, é Guernica, que representa mais do que uma cena concreta: é um símbolo, no qual Picasso renuncia à cor e a reduz a tonalidades gris. As chamas, o guerreiro morto com uma flor nas mãos, o cavalo ferido, são símbolos da dor da guerra. As figuras convulsas expressam a dor como um grito, um testemunho da revolta e do sentimento do artista.
Além da evidente complexidade destes e de outros símbolos, e também da impossibilidade de dar à obra uma interpretação acabada, o impacto de Guernicacomo um retrato-denúncia dos horrores da guerra foi intenso.
A última etapa de Picasso se inicia em 1946, após a Segunda Guerra Mundial, com novo otimismo, exaltação renovada da vida, acompanhada por reflexões pessoais sobre grandes obras do passado.
A fase de Vallauris
Esse período se inicia quando Picasso fixa residência na cidade de Vallauris, onde termina a escultura El hombre del cordero e se dedica completamente à cerâmica.
Os quadros desse período são mais infantis, remetendo à maternidade e composto por enormes murais, tais como o Masacre en corée, de 1951, La guerra e La paz, de 1952 e La Baignade, de 1957. Durante os últimos anos, pintou variações de temas célebres.
Picasso baseou muitas de suas criações finais nas obras dos grandes mestres do passado, com influências de Diego Velázquez, Gustave Courbet, Eugene Delacroix e Edouard Manet.
Nesses anos mesclou a pintura tradicional com a litografia e um interesse pela cerâmica, criando cerca de duas mil peças. também criou esculturas em bronze e, em 1968, especialmente, retornou aos temas iniciais, como o espetáculo circense, as touradas, as cenas eróticas e o teatro.
Nesse último período não demonstrou qualquer cuidado em atender às exigências da pintura, a qual escoa em meio aos seus traços, tendo alcançado a liberdade para exprimir-se tendo como único compromisso essa expressão.
De 1953 a 1973, incansavelmente, Picasso prosseguiu criando, usando todos os recursos que descobriu ao longo da sua trajetória. Sua pintura sempre foi influenciada pela vida pessoal e, em tudo que criou, imprimiu uma marca única.
Em seus últimos anos, alcançou uma absoluta inovação conceitual, estética e formal. Somente a morte foi capaz de interromper essa inovação, retirar-lhe a vitalidade característica, quando se encontrava em plena atividade criadora.
O homem e seu legado
Picasso representa um tema de difícil definição, uma espécie de “monumento” sobre o qual se apresenta um desafio intransponível para quem deseje explorá-lo.
A maior dificuldade em delimitar suas contribuições é explicitar todas as faces de sua obra, todas essenciais para a renovação de conceitos e a revitalização do olhar sobre a arte e sobre a vida, de uma maneira muitas vezes explicitamente dolorosa e comprometida.
A primeira constatação a ser feita é que sua obra é indispensável, mas é muito mais do que isso. Não se trata de qualquer outro pintor moderno, pois Picasso é a própria pintura moderna. Não se trata de um diferencial dentre outros de seus contemporâneos, mas do pintor produtivo, poderoso e inesgotável. É a supernova da arte do século XX, a qual qualquer asteroide que se queira formar em relativa independência deve evitar, para não ser tragado por seu enorme campo gravitacional.
Picasso encarna o que escreveu Herman Hesse em O Lobo da Estepe: somos multidão, manada, debaixo de nossa aparência de indivíduos civilizados. Nele vemos isso claramente, sempre será maior que qualquer estilo, interpretação ou leitura que façamos de sua obra.
O cubismo analítico representa a doutrina mais acabada do desenvolvimento de uma ideia: a arte nunca mais poderá ser a mesma depois dele, é um exercício que vai além do intelectual, uma lúdica e transcendente experiência de busca do espaço e de sua representação, comparável à revolução que Einstein realizou na Física, nessa mesma época.
Picasso se distinguiu por sua capacidade de seguir com tenacidade uma ideia e, ao mesmo tempo, não se perder nessa ideia. Suas paixões, sua família, seus amigos, suas obsessões e o diálogo com os pintores (contemporâneos ou não) que lhe interessam, são o grande tema de sua obra.
Para ele, a arte era a vida. A obra e a pintura eram formas de existir, de “respirar”. Sua capacidade criadora trouxe para a arte um novo tempo, um novo sentido, de encontrar sem procurar, de receber sem inventar, de assimilar todo o que via, sentia, vivia, para depois, com a naturalidade do processo de respiração, emitir, exprimir, expressar.
Nesse sentido, tudo alimenta a criação, tudo pode ser inspiração; criar e recriar, desenhar, modelar, juntar elementos, representam um único ato criativo, uma única expressão, porque são, sobretudo, sentimentos.
Picasso não é o artista técnico, não buscou a perfeição estética, não perseguiu o aprimoramento do legado da arte através dos tempos, mas o fez, com naturalidade.
Tudo o que se pode dizer as seu respeito, invariavelmente, deságua no consenso de que é a representação do século XX, um artista extremamente complexo, em que pese a precisão de sua obra.
Picasso é complexo por suas ambiguidades, que lhe permitem ser considerado como o paladino da modernidade e das vanguardas artísticas, mas, ao mesmo tempo, também é a capacidade personificada de voltar-se os clássicos para recuperar os gêneros da pintura (a natureza morta, com o cubismo; a pintura histórica, com Guernica; a escultura, que retirou das trevas do academicismo; a cerâmica., etc.) e, sobretudo, para protagonizar uma das mudanças mais espetaculares da vanguarda do século XX: a chamada “volta à ordem”, que não era outra coisa senão um novo e intrigante olhar ao classicismo Greco-romano.
Mesmo com todas as suas contradições, como todos os seres humanos, e com suas carências, se mostra um enigma, com toda a sua força, sua riqueza e sua precisão. Também com sua simplicidade, seu subjetivismo e sua variedade. Talvez sua visão do século XX não seja a mais completa, a mais sensata, mas dificilmente se poderá dizer que não seja a mais emocionante.
É a revolução da forma, a ruptura, a reconstrução do tradicional, do clássico, o revolucionário que impõe uma concepção da arte, dividindo-a entre antes e depois de sua obra. Um gênio, pois.
A genialidade de Picasso, por sua arte, como a de outros pintores também geniais, se deve à sua violência maravilhosa, que não evita o temor trágico da morte por estar vivo, que eleva, que arrebata o ânimo ao expor a vida, em todas as suas formas.
Pode-se estabelecer uma evolução em seu próprio tempo, através de três etapas de sua vida: seu “ensimesmamento”, seu “enfurecimento” e seu “entusiasmo” final. É como se houvesse três Picassos sucessivos, sempre diferentes e sempre iguais ou fiéis a si mesmos.
Dessas três etapas, o autor destaca as telas mais significativas para caracterizá-las: Los musicos, como retrato do pintor “ensimesmado”, Guernica como retrato do pintor “enfurecido” e Les Demoiselles d’Avignon como retrato do pintor “entusiasmado”.
Contudo, não se pode esquecer que, junto às telas magistrais de Picasso, por sua vitalidade mesma, pela prodigiosa explosão da vida que se manifesta, em cada uma das suas diferentes etapas, em cada uma de suas telas, esculturas, litografias, cerâmicas, outras manifestações as complementam e enriquecem e talvez seja precisamente nessas que sua personalidade se torna mais evidente, se faz mais expressiva.
Pode-se afirmar também, pela evolução da sua obra, que nenhuma fase de Picasso é mais extremada e absoluta do que a última, especialmente porque permanece incompleta e seria ainda mais surpreendente se o pintor tivesse vivido mais.
A personalidade de Picasso, por suas próprias palavras, é o sentimento de um profundo e novo humanismo, angustiado e coletivo. Em oposição à concepção tradicional, que enaltece a beleza, Picasso se destaca por traduzir o sofrimento dos homens e mostrar suas faces.
Picasso usa suas tintas para plasmar em sua obra processos coletivos, de tal forma que Guernica, por exemplo, não é o retrato de um bombardeio de uma cidade concreta, mas todo o horror da guerra, de todas as guerras, e as figuras não são personagens, mas a representação de todos os homens.
Sua arte “se enquadra na vida da forma, e não na forma da vida”. Em seus quadros, se revela uma personalidade que excede a cena da obra pictórica, a cultura ocidental, que cria um universo organizado onde o espaço, a luz, a cor, são tratados como fenômenos evidentes, que o refletem pessoalmente.
A personalidade de Pablo Picasso dominou a evolução das artes visuais durante todo o século XX e sua obra conserva intacta sua genialidade, intensidade e capacidade de comunicação. Afinal, se há algo que possa se aproximar da complexa personalidade de Picasso é sua curiosidade, seu imenso desejo de conhecer e de experimentar.
Sua impetuosidade fez, portanto, com que passasse à história como exemplo de criatividade, de genialidade, de produtividade e de diversidade. Seus biógrafos coincidem quanto a isso e ao fato de ser um homem e um artista incomparável, mas também um grande destruidor.
Isso é verificado, por exemplo, quando se sabe que quatro anos depois de sua morte e cinquenta anos após havê-lo conhecido, Marie Thèrése Walter enforcou-se na garagem de sua casa. Sua última esposa, Jacqueline Roque, também suicidou-se. Para ambas, a vida não tinha sentido sem Picasso. Do mesmo modo, poucos dias após a sua morte, o neto, Pablo, tenta suicidar-se, morrendo três meses mais tarde.
Sua complexidade tinha muitas outras faces: era machista, cético, zeloso, possessivo, tirano, e sua força anulava todos os que o rodeavam. Esse caráter repercutiu na vida amorosa, em uma sucessão de mulheres que, praticamente, se conectavam umas com as outras. No fundo, Picasso se revela uma figura com forte carência afetiva, um temperamento que necessitava constantemente amar e ser amado.
Diante disso, teve várias mulheres ao longo de seus noventa e dois anos, ainda que as biografias costumem reconhecer aproximadamente o mesmo número de parceiras oficiais. São doze relações, além da mãe, cuja influência é fundamental nos primeiros anos do pintor, criado em um entorno principalmente feminino, junto a duas irmãs.
A importância dessas relações é desigual na vida de Picasso e, em alguns casos, dura apenas alguns meses. Sua relação mais duradoura foi a última, com a segunda esposa, com quem permaneceu até a morte, por quase vinte anos.
Se é fato que a personalidade de Pablo Picasso pode não ter sido exemplar, o que se ressalta é que, como homem, foi singular e, como artista, um gênio grandioso. É esta, precisamente, a personalidade que influenciou a arte e continua a fazer de Picasso senão a mais importante, uma das mais produtivas contribuições que poderia ser dada à arte que se produziu depois dele.
Foi um visionário, inquieto, irreverente, corajoso, características que quase sempre definem um gênio, um artista tecnicamente perfeito, do qual uma das faculdades mais notáveis era a capacidade de ver o mundo de todos os ângulos possíveis, formais, psicológicos ou intelectuais.
Sua paixão pela vida o levou a interessar-se por todas as coisas que afetam ao homem: a solidão, a ternura, o amor, o desejo, a pura brincadeira, a decepção, a dor, a crueldade, a loucura, a fascinação pela mulher. Para expressá-los, inventou novas linguagens, experimentou materiais, utilizou todas as técnicas e em todas se destacou com excepcional maestria.
Ao longo de sua trajetória como artista, descobriu e utilizou todas as fontes, reinventou o passado, absorveu tudo, experimentou tudo, apropriou-se de tudo para transformar e devolver com uma expressão original, renovada e freneticamente contemporânea.
Picasso pode ser considerado a própria realidade, porque não pretende transcendê-la ou sublimá-la, mas mostrá-la, confundir-se com ela, oferecer possibilidades e perspectivas inéditas, fluxos de energia artística que projeta para o futuro.
Indiscutivelmente, enfim, é o gênio da arte do século XX, aquele que mudou e determinou o destino da arte do seu tempo e da arte que viria depois dele.
Fontes:
DUNCAN, David Douglas. O mundo privado de Pablo Picasso. Tradução de José Geraldo Vieira. São Paulo: Palácio do Livro, 1958.
SCHAPIRO, Meyer. A unidade da arte de Picasso. São Paulo: Cosac e Naify, 2002.
WALTHER, Ingo F. Pablo Picasso: o gênio do século. Lisboa: Taschen Books, 1994.
deanimaverbum.weebly.com