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POESIA E MÚSICA DA RESISTÊNCIA

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26
Jan18

MINA DE SÃO DOMINGOS: MISÉRIA E LUTA DE GERAÇÕES

António Garrochinho


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MINA DE SÃO DOMINGOS – 189? – A LA MINUTE (FOTÓGRAFO DE RUA) [FONTE: ANTÓNIO PACHECO] (AQUI)
Albino Forjaz Sampaio foi um jornalista e escritor republicano do início do século XX. Colaborou no jornal A LUTA, com Fialho de Almeida e Brito Camacho, a quem dedicou o livro “Crónicas Imorais”, editado em 1909 e que num dos capítulos aborda a situação dos mineiros de São Domingos, a propósito de uma greve dos 3 mil trabalhadores da empresa, propriedade de uma companhia inglesa, que transformara todo o couto mineiro numa verdadeira prisão, com polícia própria. São páginas que demonstram a miséria e a exploração que os trabalhadores mineiros viviam em São Domingos e que levaria a que esta mina do Baixo Alentejo fosse, já na República, um dos bastiões da organização sindical, com um forte sindicato dos mineiros integrando a CGT anarcosindicalista.
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BNP N61 CX 58 F14
A última grande greve em São Domingos registou-se em 1932, tendo havido uma violenta repressão subsequente em que os elementos mais destacados foram perseguidos, presos e despedidos da mina. A partir daí a presença anarquista e anarcosindicalista em São Domingos começou a decrescer. O último dirigente sindical anarquista – foi presidente do Sindicato dos Mineiros – Valentim Adolfo João era natural da Mina de São Domingos e esteve preso até quase ao final da década de 60, acusado de ter fornecido explosivos para o atentado a Salazar.

“AO PROLETARIADO: A CONFEDERAÇÃO GERAL DO TRABALHO E A GREVE NAS MINAS DE S. DOMINGOS”

(Apelo à solidariedade feito pela CGT, em 1932, quando a greve dos mineiros de São Domingos já durava há um mês)
cartaz CGT
e.m.


colectivolibertarioevora.wordpress.com
26
Jan18

ANTÓNIO CHORA EM DOSES REPETIDAS

António Garrochinho

Ponto prévio: O homem tem direito à sua opinião e a partilhá-la sempre que lha pedirem. Tem direito a escrever as suas memórias. Tem direito a gozar a sua reforma em paz, ou a manter-se politicamente activo, se assim o entender.
Agora passando ao assunto… porque raio é que, repetidamente, para comentar uma qualquer questão de ACTUALIDADE da negociação e da luta em curso na Autoeuropa, em vez de tratarem de saber e divulgar a posição dos sindicatos, ou da Comissão de Trabalhadores, ou até de trabalhadores em nome pessoal… ou mesmo de membros da administração da Autoeuropa, as televisões vão indagar qual é a opinião do senhor António Chora, ex-trabalhador da empresa, ex-membro da CT… e presentemente na reforma?
Pelo teor das opiniões que partilhou hoje num dos telejornais do almoço… vê-se que é um génio da política e da negociação. Só a título de exemplo e citando de memória:
- Os trabalhadores devem lutar pelos seus direitos, mas também devem saber até onde podem ir e que a corda pode partir se for esticada em demasia… - coisa que os trabalhadores actuais não sabem, porque devem ser umas bestas… mas o senhor Chora sabe.
- Os trabalhadores devem ter noção de que estão a lutar contra o poder da Volkswagen, que é uma gigante da indústria automóvel… - coisa que os trabalhadores actuais não sabem, porque devem ser umas bestas… mas o senhor Chora sabe.
- Eu não gostaria de ver a Autoeuropa a descer para a “segunda divisão” da indústria automóvel… um amor à empresa que, por qualquer razão, o senhor chora mantém intacto, uma coisa que os trabalhadores que lá trabalham e dali retiram os seus salários, como devem ser umas bestas… querem antes que se lixe e vá tudo à falência…
Eu nem sei como é que os trabalhadores da Autoeuropa sobreviveriam sem os conselhos diários do senhor António Chora! 
26
Jan18

A História Controversa do Passaporte

António Garrochinho


O conceito de uma norma de passaporte mundial é relativamente novo, criado após a I Guerra Mundial.

Em fotografias a preto e branco e filmes antigos de bobina, emerge uma imagem clássica dos EUA no virar do século passado: uma afluência constante de imigrantes, a maioria dos quais destinada a passar por Ellis Island. Aqui, eram sujeitos a uma verificação superficial de doenças, interrogados e, na maioria dos casos, eram autorizados a prosseguir a sua viagem. Tal era fácil de fazer sem uma norma global de identificação de documentos. Atualmente, à medida que a política de imigração assume um lugar de destaque a nível mundial, é difícil imaginar como é que se passou sem a existência de documentos.
Com os seus microchips e hologramas, fotografias biométricas e códigos de barras, os passaportes atuais parecem extraordinárias proezas da tecnologia moderna, sobretudo se considerarmos que a sua origem remonta à era bíblica. Há séculos atrás, o salvo-conduto era concebido para permitir ao inimigo uma "passagem de entrada e saída de um reino para as suas negociações", explica o historiador Martin Lloyd em The Passport: The History of Man’s Most Travelled Document. Tal era pouco mais do que um apelo escrito que funcionava como uma espécie de acordo de cavalheiros: onde dois soberanos reconheciam a autoridade um do outro e o ultrapassar de uma fronteira não iria causar uma guerra.

“Para além de um mercado negro de passaportes roubados e falsificados, alguns países abriram voluntariamente as suas fronteiras a quem apresentar a proposta mais elevada”

Obviamente, não é muito fácil aplicar regras quando não existe nenhum acordo em vigor. Tudo mudou em 1920, quando o conceito de uma norma mundial de passaporte surgiu após a I Guerra Mundial, promovido pela Liga das Nações, um organismo encarregue da árdua tarefa de manter a paz. Um ano mais tarde, talvez reconhecendo uma oportunidade política, os EUA aprovaram a Lei da Quota de Emergência de 1921 e, mais tarde, a Lei da Imigração de 1924 limitando a entrada de imigrantes. A emergência? Demasiados recém-chegados oriundos de países considerados uma ameaça ao "ideal da hegemonia norte-americana". Como identificar o país de origem de um imigrante? Através de um passaporte recentemente emitido, obviamente.
Os filhos de imigrantes detidos ou que estão a aguardar a sua vez agitam bandeiras norte-americanas num terraço em Ellis Island, por volta de 1900.
Idealizado por uma organização centrada no Ocidente que tentava dominar o mundo pós-guerra, o passaporte estava quase destinado a ser um objeto de liberdade para os privilegiados e um fardo para os outros. “Um passaporte é um tipo de escudo: quando se é cidadão de uma democracia rica”, explica Atossa Araxia Abrahamian, autora de of The Cosmopolites: The Coming of the Global Citizen. Cidadã suíça, nascida no Canadá e filha de pais iranianos, Abrahamian questiona-se sobre a construção de cidadania: "Não tenho uma ligação particularmente emocional com nenhum dos meus passaportes. Vejo-os como acidentes de nascimento e não identificaria nenhuma nacionalidade se não tivesse de fazê-lo."
Tal como Abrahamian, os críticos da resolução de 1920 argumentavam que não se tratava de criar uma sociedade mais democrática de viajantes mundiais mas sim da questão do controlo, mesmo dentro das fronteiras do próprio país. No início do séc. XX, as mulheres norte-americanas casadas correspondiam literalmente a uma nota de rodapé nos passaportes dos seus maridos, tal como informa o guia  Atlas Obscura. Não conseguiam passar a fronteira sozinhas, apesar dos homens casados terem total liberdade de circulação.
Uma família de imigrantes transporta a sua bagagem por Ellis Island, por volta de 1905.
Algumas nações previram as implicações negativas do passaporte e pronunciaram-se contra o que consideravam ser um domínio ocidental, explica Mark Salter em Rights of Passage: The Passport in International Relations. "Apesar de muitos países terem desejado eliminar o passaporte, porque alguns países não iriam desistir da ideia, de facto, nenhum país podia dar-se ao luxo de desistir do passaporte." Este impasse, em conjunto com uma grande dose de angústia existencial, iria fazer aparições sorrateiras e discretas na literatura de viagem do séc. XX, em obras de Paul Bowles e Joan Didion. Aparentemente, ninguém gostava muito da ideia de ser catalogado, embalado e desumanizado nas páginas de um passaporte, mas ninguém conseguia circular sem um.
Nos últimos anos, os passaportes defrontaram-se com uma crise de identidade distinta do séc. XXI, tendo-se tornado num bem muito procurado, como o imobiliário ou as obras de arte. Para além de um mercado negro de passaportes roubados e falsificados, alguns países abriram voluntariamente as suas fronteiras a quem apresentar a proposta mais elevada. "Quando descobri, durante a minha pesquisa, que existia todo um mercado legal para passaportes, confirmei a minha sensação de que a cidadania era uma coisa totalmente arbitrária", refere Abrahamian. Por exemplo, países como Malta e Chipre vendem essencialmente cidadania — Malta por um valor superior a 1 milhão de dólares e Chipre por investimentos significativos.
Para além do 1%, uma paisagem global inconstante de novos estados, fronteiras variáveis e políticas étnicas discriminatórias vieram reforçar ainda mais a condição de apátridas: os que não pertencem a uma nacionalidade de qualquer país. Pelo menos 10 milhões de pessoas no mundo inteiro são apátridas, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Estas pessoas veem frequentemente ser-lhes negado o acesso a passaportes e, consequentemente à liberdade de circulação. Estes extremos ilustram, uma vez mais, o quão pouco transparentes são as nossas noções de cidadania.
Atualmente, as estatísticas do Departamento de Estado dos EUA reportam a emissão de 18,6 milhões de passaportes em 2016 – o número anual mais elevado registado. A popular ferramenta de pesquisa on-line Passport Index oferece formas de comparar passaportes através de ferramentas interativas que fazem lembrar quadros de pontuação de ligas de futebol de fantasia. Revistas como a Travel & Leisure divulgam ansiosa e anualmente os vencedores dos "melhores" e "piores" rankings de passaportes. À medida que outras nações se juntam à nova administração dos EUA considerando o conceito de fronteiras fechadas, vale a pena voltar a pensar sobre a arbitrariedade essencial do passaporte.
Consoante o nosso país de origem, um passaporte pode conceder-nos enormes privilégios ou enormes preocupações. Pode significar um abrigo ou um fardo a carregar. O passaporte não vai desaparecer mas as precauções cuidadosamente pensadas com o objetivo de moldá-lo durante um período de décadas num documento quase perfeito devem agora evoluir à medida que o nosso mundo muda. Como será o seu aspeto no futuro?

www.natgeo.pt
26
Jan18

ADEUS ATÉ AO MEU REGRESSO

António Garrochinho

Adeus até ao meu regresso (sobre a Guerra Colonial)



A guerra colonial, e a consequente derrota militar óbvia e iminente, esteve envolvida, durante o tempo que durou, num nevoeiro de propaganda ideológica que ainda hoje perdura passados 39 anos do seu fim. Artigo de Mário Tomé

No passado dia 9 de Maio passou, no Canal 1 da RTP, o último episódio da série «Guerra», de Joaquim Furtado. Trata-se de um trabalho de invulgar envergadura e seriedade, talvez sem rival a nível mundial. Quem o acompanhou pode gabar-se de ter ficado na posse de um conhecimento histórico muito aprofundado sobre essa guerra já fora de tempo e que levou o regime à exaustão mas exigiu o seu derrube para lhe pôr fim. Exigiu ainda que para tal fosse necessário desagregar a hierarquia das Forças Armadas, tarefa de que se encarregaram os capitães.
Como puderam constatar os que acompanharam a obra de Joaquim Furtado, ainda há gente responsável que considera que Portugal tinha condições políticas, anímicas, humanas e materiais para continuar. Tais pessoas não serão certamente dissuadidas pelo gigantesco acervo de documentos, depoimentos, testemunhos, factos irrefutáveis e irrefutados postos à nossa disposição.
A guerra colonial, e a consequente derrota militar óbvia e iminente, esteve envolvida, durante o tempo que durou, num nevoeiro de propaganda ideológica que ainda hoje perdura passados 39 anos do seu fim.
Se não podemos olhar para os treze anos que durou a guerra colonial exclusivamente na perspectiva do sofrimento, do drama e da tragédia colectivos e individuais, também não podemos olhá-los apenas com “agridoce nostalgia” como alguns pretendem se bem que, por termos nessa altura 20 anos, esse sentimento pareça quase natural a muitos dos que por lá passaram.
Não, de certo, nos familiares dos mais de oito milhares de mortos, nas muitas dezenas de milhares de deficientados física e psicologicamente e nas suas famílias.
Os que foram e regressaram sãos e salvos terão, naturalmente, diferente pano de fundo para as suas recordações. Nas centenas de almoços de confraternização que cobrem o país, juntando os ex-mobilizados, muitos deles levando as mulheres, os filhos e, até, os netos, impera um espírito de reencontro de quem passou por vicissitudes várias, muitas delas dolorosas, cultivando o companheirismo e a solidariedade que aprenderam e exercitaram no combate ou apenas na tristeza da distância dos seus e da terra. A Pátria.



Os seus 20 anos não podem ser deitados fora. É assim.
Em boa verdade, as FA’s [forças armadas] que avançam para a guerra colonial, embaladas pela mobilização indignadamente patriótica contra os massacres da UPA – que tiveram uma boa fonte de inspiração nos massacres da Baixa do Cassange em que as tropas portuguesas chacinaram centenas- há quem aponte para milhares de populares - vão feridas no seu moral e no seu prestígio: depois de Delgado, a derrota do “revolucionarismo militar” assegura a sua fidelidade, sem sobressaltos, ao regime. Na Índia, uma missão impossível humilha-as e domestica-as. Salazar e Caetano desprestigiam-nas chamando “missões de polícia” aos seus combates para mais tarde lhes atribuírem toda a responsabilidade pela degradação da situação militar nas colónias. A tudo isto a heróica hierarquia militar se submete, se verga. O acesso ao generalato passa pela prova da espinha dobrada.
Dois anos depois do “Para Angola, em força” esmorece a vocação militar na juventude portuguesa que já começara a ser afectada pelas movimentações e greves académicas de 1962.
A Academia Militar em finais dos anos cinquenta abrira as suas portas a jovens de camadas sociais mais baixas do que as do seu tradicional recrutamento enquanto Escola do Exército. Passa a esforça-se por reconhecimento académico e até constitui um grupo de jograis que arrisca representações em algumas faculdades, com poemas híbridos ou, até mesmo, de inspiração democrática, não conflitual. Ao mesmo tempo propagandeava-se entre os cadetes a ideia de que as reivindicações proclamadas nas lutas universitárias seriam obscenas e libertinas, resumindo-se - horror dos horrores - a quererem casas de banho comuns para rapazes e raparigas: era preciso travar no seio dos académicos militares qualquer simpatia pelas movimentações democráticas, através do machismo e do fascismo, na sua componente básica de pôr ordem nos sexos.




Por volta de 1964 os efectivos do QP [quadro permanente] começam a entrar em crise. O número de concorrentes à carreira das armas decresce alarmantemente. Oficiais subalternos são chamados a meio da sua primeira comissão para virem integrar os quadros de instrutores na metrópole. Passam a ter funções acima das correspondentes ao seu posto. Majores pedem passagem à reserva, aspirantes de engenharia desertam para a Suécia.
Quando a guerra começou havia no regime já quem entendesse a necessidade de responder ao apelo de Amílcar Cabral. Mas o falhanço do golpe dos generais encabeçados por Botelho Moniz a 13 de Abril de 1961, impede qualquer veleidade de sair da rota da tragédia.
O mito do império resiste sempre até à catástrofe, cego às realidades. Até resistiu ao 25 de Abril e à democracia. Ele anda por aí, como um avejão, sem ilusões mas com objectivos claros: cortar as raízes mais profundamente democráticas ao 25 de Abril, tentar reduzi-lo a um acto pragmático e tirar-lhe a carga revolucionária e o papel inspirador para o futuro.
Com o seu império colonial já nas vascas da agonia, os franceses produziram um ideólogo travestido de romancista, aliás um excelente ficcionista, capaz de sustentar, de forma habilidosa, a decadência da sociedade colonial - já retratada nos seus aspectos mais sórdidos e de forma soberba na “Viagem ao fim da noite” de Céline – e o canto do cisne da invencibilidade das tropas de elite francesas, páras e legionários, propondo elegantemente uma mitologia que vai alimentar leitores ávidos de razões para se baterem.



Revêem-se nela jovens oficiais portugueses, acabados de sair da Academia Militar já com alguma reserva quanto a um regime que – humilhação das humilhações – os mandava para a guerra chamando-lhes polícias, e desconfiados dos generais que aceitavam docilmente o desprestígio daí decorrente. As condições em que se processou a derrota na Índia, pesem os indefectíveis do regime, haviam cavado o descrédito de Salazar em muitos, senão na maioria, dos oficiais do quadro.
Jean Lartéguy, o ficcionista referido, ajuda a preencher o vazio ideológico que serviu de pano de fundo à guerra colonial. Não porque o regime não empreendesse preenchê-lo, mas porque, mesmo num país sitiado por dentro, os ventos da história faziam mexer algumas folhas. E os estudantes haviam desinquietado a paz podre, recuperada depois do vendaval de 1958.






Nos livros de Lartégui “Os centuriões”, “Os pretorianos”, os jovens oficiais encontravam aquilo de que precisavam para o combate que entusiasticamente queriam travar, nas condições em que o iam travar, conscientemente ou não: a hipocrisia e pusilanimidade dos políticos que governavam o país e o comprometimento dos generais com esses políticos só permitiam uma saída digna: o combate pelo combate, a acção pela acção, o culto pela eficácia elevado a paradigma ético, a cumplicidade moral com o inimigo - à sua altura, ao contrário dos seus próprios políticos e generais, - não naquilo que os fazia enfrentar-se, “as desprezíveis razões políticas” (e aqui eram desvalorizados também os ideais políticos da libertação e da revolução), mas o risco comum, a comum familiaridade com a morte.
Encontravam-se num patamar superior e esteticamente apaixonante, o desprendido envolvimento aristocrático na guerra, que fazia com que todo o seu desprezo fosse dirigido para os burocratas militares, o Estado Maior e os habitantes da Zona de Ar Condicionado, a ZAC.
Isto caía como sopa no mel para o plebeísmo óbvio da grande maioria deles, profunda e contraditoriamente marcados na sua própria entrada na Academia Militar: aquilo que lhes permitia alcançar o prestigiante (apesar de tudo) estatuto de oficiais das Forças Armadas era, ao mesmo tempo, o anátema da sua inferior condição social: em meados dos anos cinquenta, a entrada para a Academia (até aí Escola do Exército) deixara de acarretar quaisquer encargos e os cadetes passaram mesmo a ter direito a um vencimento.
Os Bigeard, Langlais, Trinquier, derrotados em Dien-Bien-Phu, redimiam-se na barbaridade dos combates travados contra os “fellah” argelinos, com a tortura brutal dos guerrilheiros e militantes da FNLA (o pungente caso de Djamila Boupacha, superiormente relatado por Simone Bouvoir, permanece como referência da selvajaria colonial) e o massacre das populações, em nome da eficácia, transformada em ética superadora da prosaica condição humana. Ganharam o perfil do lobo, com os seus “quicos” quase aberrantes e certamente fora de qualquer padrão militar tradicional, no contra-luz das linhas de altura da Kabilia, que delimitavam os uedes onde se abrigavam os guerrilheiros da FNLA. Esses quicos foram então adoptados pelas tropas portuguesas. O mimetismo era quase completo.








“Os meus homens morrem barbeados de fresco” dizia Bigeard, citado por Julles Roy em “A Batalha de Dien-Bien-Phu”. O espírito de corpo, a fraternidade forjada no combate, que justifica todas as audácias e sustenta todos os heroísmos, ou o heroísmo de todos, encontra a alma gémea no inimigo, numa osmose sublime, num pacto de sangue e morte, fora de todo o efémero e precariedade do social, do político e mesmo do humano.
Eles seriam os únicos com direito a reivindicar a justeza moral do combate, não em nome da Pátria que os tinha traído (atente-se!) mas do próprio combate.
Esta a mística que animou, na primeiríssima fase da guerra, a elite dos futuros derrotados do exército colonial português.
O exército colonial português partia, portanto, já vencido, mesmo que os seus quadros não o quisessem ou pudessem saber. O regime foi o responsável pela humilhação na Índia e seria o responsável pela pesadíssima humilhação em África, se não entrassem em jogo outros factores. Sociais e políticos. Foi o factor político, tão soberana e estúpida quanto cinicamente desprezado pelos militares tradicionais, que os salvou.
A elite militar arrancou cheia de ganas de combate e, claro, de prestígio, medalhas e carreira. Muito legitimamente, aliás: nada melhor para desanuviar os quadros, romper os entraves à promoção, do que uma guerra. Foi para ela que se prepararam. Ela aí estava.
Mas a guerra faz-se com o povo e não apenas com a hierarquia, com os quadros ou a com elite militar. A ordem de batalha exige, para além das tropas de linha as tropas especiais: os comandos de “mama suma” que nasceram com esta guerra e com ela morreram na prática, embora em tempo de ingerência humanitária haja quem os queira ressuscitar; os paraquedistas, a quem os saltos e a queda livre davam outra leveza de comportamento.
Ao povo, cedo lhe passa a sanha de vingança contra as atrocidades da UPA. Os mobilizados começam a chegar em caixas de pinho, prontos para cadeiras de rodas, ou feitos homens cestos; os mancebos tornam-se refractários e desertores. Bem podem chamar-lhes cobardes: já ninguém acredita nisso nem mesmo aqueles próprios que lho chamam. O orçamento começa a estar hipotecado às despesas da guerra.
Com a eternização da guerra e a dureza das comissões, os estudantes e alguns militares despertam rapidamente para a literatura política e ideológica. Os ideais da revolução francesa (também eles subversivos para o regime) passam a ser considerados obsoletos: em seu nome a Europa escravizou, colonizou, oprimiu. A revolução russa, de 1917, forneceu a teoria e a prática da libertação social e nacional. A derrota do fascismo italiano e do nazismo germânico, e o avassalador movimento dos povos que se lhe seguiu, pondo em causa o domínio colonial das burguesias democráticas, criaram as condições para desmoralizar os povos dos países colonizadores que objectivamente se tornam aliados dos povos colonizados. Isso aconteceu até com alguns colonos.
O “Maio de 68” em França vem dar outro ânimo às forças democráticas e ao movimento anti-colonial português que passou a ser o catalizador de toda a contestação ao regime. As lutas estudantis do início dos anos 70, marcam a ideologização do movimento anti-colonialista.
O fim do colonialismo entrara já na ordem jurídica da ONU. O colonialismo passou a ser considerado um crime contra os povos colonizados e a guerra colonial é também um crime contra o povo português, porque imposta por um regime sem qualquer legitimação democrática.
Estranho é que, quando o povo português se apossou do próprio 25 de Abril ratificando de forma gritante a condenação do regime e da guerra, esta continue a ser abordada, do ponto de vista institucional e, portanto, nas escolas e na narrativa oficial da instituições democráticas, através do relato tutelado pelas Forças Armadas carecido do enquadramento político necessário à compreensão da guerra colonial. E isto apesar de não faltarem obras sérias e exaustivas, desde a referida série televisiva de Joaquim Furtado, à obra extensa e cientificamente sem mácula de Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso até à abordagem mais sintética mas nem por isso menos rigorosa da Academia Portuguesa de História.
O patrioteirismo propagandeado pelos generais, pela União Nacional, pelo Movimento Nacional Feminino e, mais tarde, pela ANP – e que ainda parece inspirar alguns sectores militares - era ridicularizado pelos milicianos e por muitos quadros permanentes.
Não admira portanto que a instrução dos mobilizados passasse em muitos casos a torpedear as orientações dos superiores e se estabelecesse tacitamente o real objectivo da instrução: dar a preparação necessária para que todos regressem, ou seja, salvar a pele.
Chega-se mesmo a integrar, em certos momentos da instrução, elementos estéticos e simbólicos que têm mais a ver com a libertação do que com a ocupação das colónias. O processo de divórcio inicia-se, o regime começa a mostrar-se impotente para ir além da exigência formal do esforço de guerra.
“Adeus até ao meu regresso” torna-se, ironicamente, a única frase patriótica que as bocas de 1 milhão de mobilizados, em treze anos de guerra, proferem. E, mais ironicamente ainda, ela é transmitida na acção de propaganda mais empenhada do regime: mostrar como os soldados estão bem e se recomendam.
Nasce a frustração em muitos colonos que exigem a guerra sem quartel, embora estejam pouco dispostos a entrar nela: é trabalho para os lapardões da metrópole.
Mas esses já não dão para as encomendas e chegam com o ânimo enfraquecido. É preciso africanizar a guerra. Os flechas, as milícias, os comandos africanos, os GE’s [grupos especiais] e GEP’s [grupos especiais para-quedistas], vão-se tornando instrumentos privilegiados do esforço de guerra. As baixas mais vultuosas – e que não estão contabilizadas no memorial recentemente inaugurado – começam a pertencer-lhes. Porque também começam a ser eles os mais e, depois, os únicos interessados na guerra: na realidade são mercenários, com um pagamento irrisório, é verdade, mas que lhes confere um estatuto que nunca tiveram: poder, encómios em vez de maus tratos e muito mais dinheiro do que alguma vez pensaram receber de um branco.
Entretanto a guerra que começara com a Mauser contra a catana passa para o dilagrama contra o RPG e o Strella. A superioridade material dos movimentos de libertação alia-se à superioridade anímica e começa a ser insustentável. A divisão dos movimentos, que tem êxito em Angola debilitando irremediavelmente a sua luta de libertação, não é bem sucedida nem na Guiné nem em Moçambique.
A acção psicológica – a tal “conquista das almas e dos corações” – perde em toda a linha no confronto com a ideologia da libertação e com a subversão por dentro das forças armadas colonialistas, levada a cabo pelos milicianos e pelo desgaste dos quadros permanentes que se tornam altamente permeáveis.
Os aldeamentos, menina dos olhos da APSIC e da propagandeada política de progresso, por mais entusiasmo que tenham despertado em muitos militares que se sentiam a dar humanidade à guerra, não passam, em rigor, de campos de concentração de populações deportadas, roubadas às suas terras, afastadas dos seus totems ou dos seus antepassados, separadas dos seus familiares, pais sem filhos, filhos sem pais, alguns deles caídos varados pelas balas ou estilhaçados por granadas em muitas acções de... “recuperação de populações”, que arrasam culturas e incendeiam as habitações. Na verdade para que queriam umas e outras se iam ser acolhidos à sombra amiga da bandeira verde rubra, em aldeamentos chapeados a zinco e cercados de arame farpado, para evitar que o inimigo molestasse as populações aldeadas?
As povoações em autodefesa que tanto orgulham os comandos militares ou eram controladas por milícias (mercenários) armados ou, por razões históricas, tribais ou étnicas estavam dispostas a combater com os portugueses, como aconteceu na Guiné, com algumas aldeias fulas ou mandingas. De qualquer maneira estavam ao abrigo das bombas de napalm lançadas pelos T-6 e das incursões piedosas das tropas especiais, brancas ou pretas.
Acreditar no portuguesismo de qualquer delas é ridículo que mata, é desconhecer o que os povos estão dispostos a suportar para sobreviver. É como não entender as povoações timorenses com bandeiras indonésias festivamente hasteadas, em véspera de votarem maciçamente pela independência.
É pensar que as tropas portuguesas na guerra colonial foram qualitativamente muito diferentes das indonésias em Timor; é esquecer que o massacre de Wiriamu,um entre muitos, teve requintes de barbaridade e perversidade dificilmente igualáveis, é esquecer a brutalidade criminosa dos grandes fazendeiros, que felizmente a pena de Lobo Antunes nos veio lembrar, nessa obra fundamental que é: “ O esplendor de Portugal”.
É esquecer que as Forças Armadas não tinham, não podiam ter, serviço de informações no terreno e que essa função era preenchida pela PIDE: com a tortura como regra para obtenção de informações e as execuções expeditas como método de aterrorização e de fazer desaparecer testemunhas ou quadros políticos e militares. Tal acontecia com o conhecimento dos comandos militares, dos capitães militares, dos subalternos militares, dos soldados militares. É esquecer os casos em que os próprios militares, mais azougados ou ambiciosos, eles próprios obtinham as suas informações à custa de tortura; e atiravam indiscriminadamente contra populações, ou por medo, ou porque no meio delas poderia estar o inimigo, ou porque os mortos da população também contavam para o relatório e, portanto, para a qualificação operacional; e, se não para a medalha, para a rotação da unidade para zona de menos risco. É, sobretudo, esquecer, que tudo isto foi feito por jovens saídos da fábrica, do cultivo da leira, da monda no latifúndio, da arte de xávega, ou da pesca do bacalhau, da escola técnica, da universidade. Que queriam paz, que queriam trabalhar, que diziam com cara inexpressiva: “adeus até ao meu regresso”.
Aquando da inauguração do memorial aos mortos na guerra em 1994 o PR exaltou os que morreram “ao serviço do país”. Quando o 25 de Abril devia ter revelado, mesmo aos mais distraídos, que tal memorial se devia às vítimas da guerra colonial.
Para não melindrar o tradicionalismo e a persistente mitologia colonialista, ignora-se o rigor histórico e permite-se chocar a memória dos que combateram, ligando-os ao regime fascista que os oprimia e admitindo que este defendia os interesses do país.
O facto de se ter atribuído falsamente às Forças Armadas portuguesas a libertação do país – quando para ela foi necessário um movimento no seu interior que desmontasse e neutralizasse a hierarquia - dificultou a lucidez da análise, a clareza da interpretação política e militar desse período histórico. Da névoa que a muitos ainda parece servir, se alimentam os branqueamentos do regime fascista, a beatificação do papel dos portugueses em África, a desculpabilização e glorificação das FA’s durante a guerra colonial, a incompreensão do próprio fenómeno da guerra e do comportamento dos militares, por um lado; por outro lado desguarnece o flanco do próprio 25 de Abril, enquanto acto libertador objectivamente necessário e sem alternativa, e dá o conveniente descrédito à chamada descolonização.
O rigor da historiografia portuguesa não deixa dúvidas quanto ao carácter do regime colonial.
Já quanto à questão militar e da guerra, mais a cargo da hierarquia militar, o rigor vê-se submerso pelo preconceito e pela defesa da honra do convento.
Uma caracterização frontal e despida de rodeios quanto à guerra colonial e ao papel das Forças Armadas é, ainda hoje, apodada de proselitismo político e ideológico, pelo menos.
O elemento chave, sempre na minha opinião, para nos libertarmos da mitologia que é hoje sustento simbólico dessa corrente em suave ascensão, vamos encontrá-lo na análise crítica que é, aliás, inimiga absoluta e radical do irracionalismo fascista.
E onde nos leva a interpretação crítica, historicamente sustentada?
Em resumo - e naquilo que importa neste âmbito - ao seguinte:
-O comportamento das Forças Armadas coloniais não respeitou a dignidade dos povos colonizados nem podia respeitar: eram forças de ocupação, opressão e repressão;
- a esmagadora maioria dos portugueses que integraram as tropas mobilizadas foram a isso obrigados por um regime ilegítimo: nessa medida foram vítimas desse regime, independentemente da forma como estiveram e se comportaram na guerra;
- o 25 de Abril foi desencadeado pela derrota militar do regime - já historicamente condenado e internacionalmente isolado - e do seu aparelho militar na guerra colonial;
- o 25 de Abril não foi feito pelas Forças Armadas;
- as FA’s, enquanto instituição, foram o pilar fundamental do fascismo e o seu instrumento na guerra colonial; por isso elas próprias passaram, com o 25 de Abril, por um processo de desagregação.
E é por aí que passa o movimento dos capitães.
Artigo de Mário Tomé, elaborado a partir da comunicação ao “I Congresso Internacional sobre a guerra colonial”, Lisboa, 13,14 e 15 de Abril, 2000

26
Jan18

Moçambique: Exploração ilegal de mina de tantalite continua a causar mortes

António Garrochinho


tantalite

Doze pessoas morreram nas últimas três semanas em desabamentos na mina de Muiane, na província da Zambézia. A empresa que explorava a mina abandonou a região. E a exploração tem sido feita por populares.
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Jovens a caminho da exploração de rubis, nas minas de Namanhumbiri, em Cabo Delgado
Há cada vez mais jovens e adultos a arriscarem a vida na mina de tantalite de Muiane, no distrito de Gilé, para ganhar algum dinheiro. Só nas últimas três semanas, 12 pessoas morreram e várias ficaram gravemente feridas na sequência de desabamentos. E nos últimos dias, os desabamentos têm sido frequentes.
O tântalo é usado principalmente em baterias de celulares, mas quando combinado em ligas, ele vira um material de alta resistência – bastante adequado para aplicações potentes, como em gasodutos e na indústria aeroespacial
tantalite-usos
O director provincial dos Recursos Minerais da Zambézia, Almeida Manhiça, mostrou-se preocupado com a situação. “O governo está a sensibilizar [as comunidades] para que deixem esta prática de garimpo ilegal e está a fazer todo esforço para que a empresa que estava a explorar aquela mina retome as suas atividades.”
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Almeida Manhiça, director dos Recursos Minerais da província moçambicana da Zambézia
Há mais de um ano que a mina de Muiane está a ser explorada por populares. A Tantalum Mineração, a empresa que explorava os jazigos de tantalite, abandonou a região em novembro de 2015, depois de uma violenta rebelião popular. Populares destruíram máquinas e instalações da empresa para protestar contra a morte de um garimpeiro. Nessa altura morreram vários civis e agentes da polícia.
As autoridades acreditam que as mortes não vão parar, porque não há controlo da atividade e cada um extrai à sua maneira. Para Almeida Manhiça, uma solução seria o regresso da Tantalum Mineração.
“Já estamos a trabalhar no sentido de reabrir a mina. O que significa que a empresa vai ter de pagar novo equipamento. Tudo o que estava lá foi destruído, o equipamento foi queimado na totalidade. E vai ter de investir de novo” para repor toda a maquinaria, admitiu Almeida Manhiça, diretor dos Recursos Minerais da província da Zambézia, centro de Moçambique.
Garimpo sem qualquer segurança
Alfredo Ramos, da Confederação das Associações Económicas da Zambézia, sublinhou que é preciso reduzir os riscos que os garimpeiros correm em Muiane. “A atividade do garimpo, de uma maneira geral, é feita de forma artesanal e, muitas vezes, as pessoas não respeitam as regras de segurança no trabalho”, alertou.
Alfredo Ramos lembra que as mortes na mina de Muiane acontecem porque os garimpeiros ilegais não cumprem as regras de segurança: “Não têm a tecnologias que facilitam o processo e as consequências são essas. Não é bom que se esteja a perder pessoas jovens que deviam dar o seu máximo para desenvolver este país.”
O porta-voz da polícia na Zambézia, Miguel Caetano, afirmou que a corporação já foi chamada a intervir muitas vezes. “Temos vindo a sensibilizar a população para que não pratique aquela ação ilegal. A nossa equipa deslocou-se ao local, conseguiu resgatar quatro jovens. Por sinal, dois já estavam sem vida”, recorda Miguel Caetano.
De acordo com o governo provincial da Zambézia, desde que a mina de Muiane passou a ser controlada por ilegais perdeu muito dinheiro de impostos que deviam ser pagos pela companhia mineira, de capitais canadianos, que deixou a região.
26
Jan18

A AUTOEUROPA e a forma como a RTP deturpa a luta

António Garrochinho



O Jornal da Tarde de ontem, dia 23, faz um curto resumo do que, segundo a redação, se terá passado no debate do programa da Fátima. Quem assistiu a uma coisa (o debate) e a outra (o jornal) não pode deixar de se espantar com a habilidade cirúrgica com que se opera a manipulação. Quem só viu o Jornal da Tarde, fica (corre o risco de ficar) com  três impressões: a primeira é que o focus da luta da Comissão de Trabalhadores teria sido colocado em correr com o antigo dirigente e que lá dentro, aquela malta anda toda à porrada e que as questões de trabalho são aspeto secundário; a segunda, é que os mais de 5000 trabalhadores da empresa, são instrumentos estúpidos de uma força política em desespero de perda de influência eleitoral, lhes determina as decisões e os passos ; terceira, e esta com a força da convicção de um ilustre causídico, é que a administração da Autoeuropa, porque tem a Lei do Trabalho do seu lado, acabará por chegar ao "entendimento"...  

A peça é de merda, mas lá que funciona, funciona.

Relembrando como eu comentei o Prós e Contras e aquilo que o Jornal da Tarde deu a ver (após o 26º minuto) pergunto: estamos a falar da mesma coisa?

conversavinagrada.blogspot.pt
26
Jan18

INVESTIGUEM

António Garrochinho




Numa altura de histeria patética de apoio ao Lula por parte de vários militantes do PCP ou amigos da CDU, creio que não será pior fornecer alguns apontamentos breves sobre a governação de “esquerda” da personagem. Sem prejuízo de voltar ao tema, tantas vezes quantas eu considerar oportuno para ajudar (infimamente) a esclarecer o que eu puder.

Por exemplo no ano 2000 a participação predadora de empresas estrangeiras na indústria da cana de açucar era de 1%. Dez anos depois situava-se já em 20%, graças à política de “esquerda” do Lula.

Entre 2007 e 2009, houve 45 fusões ou aquisições de fábricas no Brasil. Metade das que eram de propriedade brasileira foram adquiridas por grupos estrangeiros.

As entradas de leão (de esquerda) foram rapidamente esquecidas pelo PT e por Lula, logo em 2002. A incontornável (tão famosa que ela é) “Carta aos Brasileiros” é a proposta eleitoral com que Lula se apresenta aos votos. Do lado do Congresso, deitando fora o essencial que tinha ao seu dispor, a matéria-prima dos movimentos sociais que deveria ter sido o seu escudo imbatível(?) para assegurar uma verdadeira prática política de esquerda, ainda que reformista. Ficou antes conhecida como “Carta aos Banqueiros”.

A escravatura existente no Brasil, e imensa no tempo das presidências do Lula, conforme foi denunciado por tanta gente, desde logo pelo Movimento dos Sem Terra (da sua área política), envergonha profundamente a complacência do seu mandato.

Talvez já muito poucos se recordem do “Fome Zero” programa emancipador, de verdadeira construção de um outro tipo de cidadão. Uma tentativa eficaz de luta autonómica dos produtores. Abandonada por pressão absoluta dos presidentes de Câmara e do grande capital por detrás deles.

Substituído pelo famigerado “Bolsa Família”, de âmbito compensatório, trombeteado pela comunicação social petista falseada. Este programa de caridade nunca poderia ser o caminho, já que foi construído sob uma ideia esmolar com oratória emboscada.

Deram ao povo vários bens pessoais, sim; televisão, frigorífico e telemóvel passaram a ser bens conseguidos com relativa facilidade, sim; Até carro em 2ª mão, sim. Mas como os trabalhadores moram nos bairros de lata da periferia das cidades, não têm saneamento básico, a educação é horrível, etc, etc. O desafogo económico (enfim…) não acompanhou a inclusão política. Naturalmente que como nada daquilo foi sustentado caiu com estrondo. Lula sorria afável para o grande capital nacional e internacional.

Culminou a GRANDE BOUFFE com a chamada entusiástica de Joaquim Levy, como ministro da Economia. Propositadamente não vou dizer quem é o facínora. Investiguem…ou não.


Guilherme Antunes in facebook
26
Jan18

126.º Aniversário do nascimento de Bessie Coleman, pioneira da aviação

António Garrochinho


Conhecida como "Queen Bess" ou "Brave Bessie", Elizabeth “Bessie” Coleman enfrentou o duplo preconceito, racial e de género, por ser negra e mulher, nos Estados Unidos do início do século XX, mas venceu tudo isto, ao tornar-se a primeira aviadora negra dos EUA.

Elizabeth Coleman nasceu a 26 de Janeiro de 1892 em Atlanta, no Texas, filha de Susan e George Coleman. Foi uma das 13 crianças de uma mãe negra e de um pai mestiço de índio cherokee com negro.

Quando ainda era muito pequena, a sua família mudou-se para Waxahachie, também no Texas. Bessie cresceu lá, alternando entre o trabalho na colheita de algodão e na lavagem de roupas, com a sua mãe.

A sua família, como a maioria dos negros que viviam no sul dos EUA no início do século passado, enfrentava grandes dificuldades para sobreviver, devido à pobreza, segregação, preconceito e à violência racial.

Devido a tais problemas, o seu pai decidiu levar a família para o Oklahoma, para morar numa reserva indígena, onde ele acreditava que teriam mais probabilidades de levar uma vida melhor. Porém, a mãe de Bessie não aceitou acompanha-lo e permaneceu em  Waxahachie, com Bessie e algumas das suas irmãs.

Bessie era muito dedicada e incansável. Era autodidacta e estudava usando livros emprestados por uma biblioteca ambulante. Assim, apesar de faltar muito à escola devido ao trabalho, ela conseguiu aprovação nos exames  do ensino secundário.

Candidatou-se e foi aceite na Colored Agricultural and Normal University (actual Langston University), em Langston, no Oklahoma. Mas só estudou um semestre, pois a falta de dinheiro para sustentar-se fez com que tivesse que abandonar os estudos. Face aos problemas que enfrentava no sul, mudou-se para Chicago, onde já vivia o seu irmão Walter. Lá, estudou numa escola de beleza e passou a trabalhar como manicure no salão de uma barbearia.

Bessie começou a  interessar-se pela aviação ao ler notícias e artigos sobre o assunto. Mas parece que o que definiu mesmo a sua vocação foi uma conversa com o seu irmão, John.

John esteve na Europa, durante a I Guerra Mundial e enaltecia sempre as qualidades das mulheres francesas. Contou a Bessie que as francesas “pilotavam até aviões, coisa que Bessie nunca seria capaz de fazer”.


Isto funcionou em Bessie como uma motivação, e ela partiu à procura de escolas de pilotagem por todo o país, mas naquela época, sendo mulher, isto já seria difícil. Sendo mulher e negra, tornava-se impossível. E ela não encontrou nenhuma que a aceitasse.

Após esse fracasso, Bessie foi destaque no semanário Chicago Defender, voltado para a população negra, eleita como a melhor manicure da comunidade. Isto levou-a a conhecer Robert Abbott, redactor do jornal. Ele aconselhou-a a economizar dinheiro e mudar-se para a França, que ele acreditava ser a nação mais progressista do ponto de vista racial, e onde ela poderia conseguir a sua licença de piloto.

Bessie partiu para França e lá matriculou-se na conceituada Escola de Aviação dos Irmãos Caudron, em Le Crotoy, onde aprendeu a pilotar, voando em aviões Nieuport, de fabrico francês. E em 15 de Junho de 1921, com apenas sete meses de curso, recebeu a sua licença da mundialmente conceituada Fédération Aéronautique Internationale , sendo a primeira mulher americana a faze-lo.

Em Fevereiro de 1923, no seu primeiro voo, o motor do avião parou e ela sofreu um acidente. Retirada inconsciente da aeronave, ela partiu algumas costelas, uma perna e sofreu alguns cortes no rosto. Levou mais de um ano para  recuperar-se totalmente e só voltou a voar novamente em 1925.

No dia 19 de Junho desse ano, ela deixou milhares de pessoas extasiadas enquanto executava manobras radicais sobre um aeródromo em Houston. Era a sua primeira apresentação no seu estado natal do Texas, e brancos e negros compareceram em massa, porém as arquibancadas também eram segregadas.

Embora percebendo que teria que trabalhar dentro deste esquema de segregação, Bessie resolveu tentar usar a sua fama para desafiar as barreiras raciais.

Logo depois da exibição em Houston, ela retornou à sua cidade natal, Waxahachie, para uma nova exibição. Como em Houston, brancos e negros assistiriam à demonstração em sectores separados. Os promotores haviam inclusive preparado portões de entrada separados, com as inscrições “brancos” e “negros”, mas Bessie  recusou-se a fazer a sua apresentação, a não ser que todos entrassem pelo mesmo portão. Após algumas negociações, ela conseguiu o seu objectivo e brancos e negros entraram pelo mesmo portão, apesar de se acomodarem em sectores diferentes.


No dia 30 de Abril de 1926, ela voava no seu Jenny , em preparação para uma nova  exibição em Jacksonville, na Flórida. Saltos de para quedas  tinham sido incluídos na exibição, e ela procurava  locais onde poderiam ser feitos saltos de para quedas. Deixando o seu mecânico, o também piloto William Wills nos comandos, ela tirou o cinto de segurança e ficou de pé sobre o assento traseiro para ver melhor sobre a alta borda do cockpit. Subitamente, o avião baixou o nariz, e Bessie ficou sob a acção de uma força G negativa, sendo atirada para fora do avião, e morrendo ao bater no solo. Wills ainda tentou controlar a aeronave, mas também faleceu quando o avião se estatelou ao lado do aeródromo.

Bessie Coleman  deixou-nos a mensagem de que um sonho não tem raça, sexo nem classe social. E que, às vezes, pode até  tornar-se realidade.

File:Bessie Coleman, First African American Pilot - GPN-2004-00027.jpg
Bessie Coleman, c.1922
File:Bessie Coleman and her plane (1922).jpg

A Licença de aviação de Bessie Coleman
File:Coleman-licens.jpg
Homenagem Google a Bessie Coleman
26
Jan18

Descobrem na Austrália uma nova população do peixe mais raro do mundo

António Garrochinho


Uma equipe de mergulhadores australianos se deparou surpreendentemente com uma nova colônia daquele considerado como o peixe mais raro do mundo, o peixe-mão-vermelho (Thymichthys politus). Até agora acreditavam que só tinha entre 20 e 40 espécimes no planeta. A única população conhecida da espécie vivia perto da costa de Frederick Henry Bay, no sudeste da Tasmânia. O novo clã reside em uma área diferente a quilômetros de distância, ainda não divulgaram porque os pesquisadores querem manter sua segurança.

A raridade deste peixe vermelho não é a única coisa notável deste habitante do oceano. Como seu nome indica, o peixe tem extremidades estranhas que se parecem notavelmente com mãos. O T. politus não se comporta como outros peixes. Em vez de nadar, utilizam suas "mãos", que são barbatanas dianteiras para se moverem pelo fundo do oceano.

Segundo os pesquisadores que encontraram a nova colônia, este segundo grupo é um grande alívio, efetivamente duplica a quantidade conhecida no planeta e nos dá esperanças de que existam outras populações.

VÍDEO
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26
Jan18

Em 2050, terá mais plástico no oceano do que peixes (se não fizermos nada)

António Garrochinho


Não se trata de coleções de garrafas e sacolas plásticas apenas, senão de partículas microplásticas que se comprimem entre si, o que dificulta sua limpeza. São os dejetos de plástico de nossos oceanos. Mais de oito milhões de toneladas de plástico ingressam à corrente de lixo a cada ano. 91% dela não é reciclada. Isso significa que se encontra nos desaguadouros e, finalmente, faz seu caminho para o oceano. O plástico demora 400 anos para decompor-se.


Conquanto a maioria dos microplásticos acumulam-se em toda a superfície, um estudo das criaturas das partes mais profundas do oceano descobriu que muitos, se não a maioria dos organismos, tinham ingerido plástico.

Foi o constatado em um estudo dirigido por Alan Jamieson, da Universidade de Newcastle, no Reino Unido. Para realizar o estudo desenvolveram um "módulo de amerissagem" especial de queda livre especificamente desenhado para a missão. 90 criaturas do fundo do mar foram capturadas e examinadas ao todo. A ingestão de plástico variou de 50 a 100% das amostras. na Fossa das Marianas, por exemplo, a mais profunda do mundo a 10.994 metros, comprovaram que 100% dos organismos tinham ingerido fibras plásticas ou semi-sintéticas. Segundo palavras de Jamieson:

- "Os organismos de águas profundas dependem dos alimentos que descem da superfície, o que por sua vez traz consigo muitos componentes adversos, como o plástico e os poluentes."

O fundo do mar não só é o último sumidouro de qualquer material que venha da superfície, senão que também está habitado por organismos bem adaptados a um meio de pouca comida e que com frequência engolem quase qualquer coisa.

VÍDEO



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26
Jan18

A EUFORIA DO DRONE

António Garrochinho


COMPREM DRONES Ó MEU POVO
A TECNOLOGIA, O MODERNO, O NOVO
COMPREM DRONES
FAÇAM SELFIES AÉREAS, TEM MICROFONES
PARA CUSCAR OS VIZINHOS
AS GAJAS EM FÉRIAS
OS GAJOS A QUEM PÕEM OS CORNOS
O ESCONDIDO EM TODOS OS BURAQUINHOS
COMPREM DRÓNES ZÉ POVINHO
QUE O TELELÉ QUE FOTOGRAFA ESTÁ VELHINHO
COMPREM DRONES QUE CAPTAM POR CIMA, POR BAIXO
GRAVAM OS DISCURSOS DOS POLÍTICOS, O DO ORADOR SÃO E O DO BORRACHO.
COMPREM DRONES PARA AS VOSSAS DIVERSÕES, OS MOMENTOS LÚDICOS
MAS CUIDADO NÃO OS APROXIMEM DOS COLH.... E DOS PELOS PÚBICOS
COMPREM DRONES, GRANDES, PEQUENINOS, OS ESPIÕES, OS ASSASSINOS.
COMPREM DRONES.


António Garrochinho
26
Jan18

O FALSO FEMINISMO DAS MARCHAS ANTI TRUMP

António Garrochinho


Um texto escrito com indignação, e talvez com excessiva exigência face à realidade dos EUA. Realidade politicamente bloqueada que tivera no cenário de pesadelo das eleições presidenciais a mais grotesca expressão: escolher entre Hillary Clinton e Donald Trump. E o bloqueio prossegue no próprio “movimento anti-Trump,” esteja ele refém de questões “de género” ou de quaisquer outras.
Marchas de feministas pró-Hillary Clinton. Não é necessário ter muito discernimento para saber que estas manifestações são manipuladas e que têm interesses que nada têm a ver com os direitos de género. Entretanto, entendo a genuinidade da decisão de muitas em participar e não vou generalizar.
Toda a mulher que creia que Hillary Clinton é feminista não entendeu a menor coisa do feminismo, e pior ainda é que a apoie e lhe dê o seu voto. E é o que sucedeu nos Estados Unidos com a vaga de mulheres jovens que se deixaram levar pela emoção e o discurso anti género de Trump. E satanizam Trump quando têm um exemplar a cada dois metros de distância: nas suas casas, nas escolas, na sua comunidade, no seu trabalho; porque os homens como Trump são produto do sistema, como o é um falso Obama que resultou mais kukluxklan que o mais caucásico dos racistas. Obama é um negro pró-sistema. E que se disfarce e que as pessoas acreditem nele é outra coisa, tal como o faz Clinton com o feminismo.
¿Porque é que estas feministas que marcham contra Trump não marcharam contra Obama durante o seu mandato, quando morreram centenas de meninas, adolescentes e mulheres sírias e iemenitas, em resultado da intervenção estado-unidense nesses países? ¿Porque é que não tomaram as ruas quando soldados estado-unidenses violaram pelo menos 53 meninas colombianas? ¿Acaso estas meninas, adolescentes e mulheres não importam tanto como as nascidas nos Estados Unidos? ¿Porque é que estas mulheres feministas não se interessam pela política exterior do seu país, antes a ignoram, calando ou justificando que o seu país a única coisa que faz é defender-se de ataques terroristas e intenções de invasão?
¿Porquê apoiar uma mulher como Clinton, que representa igual ou pior perigo para a política exterior dos Estados Unidos que o próprio Trump? E pior ainda, tomá-la como referente do feminismo e instar a que mulheres jovens a sigam. ¿Porque é que feministas anti sistema se têm empenhado em apoiá-la e a convertê-la numa plataforma anti-Trump? Para não ir mais longe, ¿porque é que estas multidões de mulheres não formam uma frente anti-deportações de indocumentados? Seria uma plataforma sólida e com uma mensagem clara para o mundo.
¿Acaso importam mais os direitos de género de cidadãs ou residentes estado-unidenses que os direitos humanos daqueles que são os mais atingidos do sistema por não terem documentos? Qualquer feminista sabe que os direitos de género são direitos humanos, por conseguinte uma feminista verdadeira jamais iria manifestar sem exigir direitos para as minorias; porque encarando a questão pelo lado do género também há meninas, adolescentes e mulheres indocumentadas. Há famílias que estão sendo separadas e não pela administração Trump, isto vem desde a administração Obama.
Porque muitas destas falsas feministas que abarrotaram as ruas dos Estados Unidos têm mulheres indocumentadas trabalhando nas suas casas, limpando-as, cuidando dos seus filhos enquanto elas frequentam a universidade ou vão para o trabalho, enquanto elas conseguem desenvolver-se profissionalmente. E não lhes convém que tenham os direitos laborais que elas exigem para si mesmas, porque então isso as prejudica como empregadoras, não poderiam aproveitar-se mais de quem trabalha, por migalhas, trabalha para elas. 
Aqueles que cuidam dos seus jardins são indocumentados, aqueles que semeiam e colhem as frutas e verduras que elas comem todos os dias, são indocumentados. Aqueles que limpam os sanitários nos centros comerciais, nas escolas, nas universidades são indocumentados. Dos indocumentados se aproveitam todos, porque quem quisesse que tivessem direitos laborais teria que lhes pagar conforme a lei.

¿Porque é que estas feministas pró-direitos humanos, se então sabem o perigo que famílias inteiras correm pelas deportações, não formam uma frente e exigem uma Reforma Migratória Integral? Seria um exemplo claro e humano de querer mudar o sistema. Sem necessidade de andar a bater no peito ou de se autoproclamar feministas. O feminismo demonstra-se na acção, não em cantorias nem festas.

As violações sexuais que, fora do país, meninas, adolescentes e mulheres sofrem por parte do exército estado-unidense são tão importantes como as que sofrem mulheres nascidas nos Estados Unidos, vivendo dentro do país.
¿Porque é que estes milhares e milhares de mulheres não protestaram pela insolência de Trump face à Palestina? A resposta é fácil: porque as mulheres palestinas não lhes importam nem lhes importa o que possa suceder a outras mulheres, em qualquer lugar do mundo, por responsabilidade do governo estado-unidense.
É dessa dimensão a sua moral dupla e o seu falso feminismo.
¿Porque é que estas mulheres indignadas que se autoflagelaram nas marchas não pediram que cesse o bloqueio a Cuba? ¿A devolução de Guantánamo? ¿Porque é que não pediram que cesse a invasão dos Estados Unidos a outros países? Porque o que suceda às pessoas de outros países, seja qual for o género a que pertençam, a elas não lhes importa. ¿Qual feminismo então?
Existe uma confusão bárbara quanto ao conceito de feminismo entre as mulheres jovens estado-unidenses. Porque nenhuma feminista de verdade apoiaria que uma Clinton dirija uma invasão estado-unidense de países como a Venezuela, como já vimos quando em Miami prometia derrubar o “ditador” Maduro ao tempo das guarimbas, que eles mesmos armaram. Ou que uma feminista de verdade apoie as deportações de crianças e adolescentes que chegaram ao país sem companhia, como o fez Clinton quando Obama decidiu acabar com o programa temporário que eles mesmos montaram para justificar a militarização do México e do triângulo norte da América Central.
Ou uma Clinton que deu continuidade à construção do muro entre México e Estados Unidos, que o seu esposo iniciou. Trump é o homem típico da sociedade e este falso feminismo também o é.
Como vemos, ser feminista não é apenas algum artesanato decorativo, o feminismo vive-se com as acções quotidianas, não com pancartas, festas e fotos para as redes sociais.
Estamos a anos-luz de um feminismo consequente, irreverente e humano. Antes de tudo humano. É certo que alguém dirá: “antes isto que nada…” Justificar dizendo antes isto que nada são truques de advogado. E desculpem as flores se lhes faço murchar uma pétala, mas é necessário chamar as coisas pelo seu nome.
Blogue da autora: https://cronicasdeunainquilina.com/2018/01/22/el-falso-feminismo-de-las-marchas-anti-trump/
Rebelión publicou este artigo com autorização da autora mediante uma licença de Creative Commons, respeitando a sua liberdade para o publicar em outras fontes.

www.odiario.info
26
Jan18

HUGUINHO: O DONO DA BOLA?

António Garrochinho

(Joaquim Vassalo Abreu, 24/01/2018)hugosoaresNota Prévia: No mesmo registo do anterior texto, mas hoje com pontuação!
No meu tempo de criança era assim: O dono da bola, de capão claro está, coisa apenas acessível a uns poucos privilegiados, é que escolhia a equipa e se a coisa não estivesse a seguir segundo o seu capricho, pegava na bola e ia embora…sob o protesto de todos e mesmo choro de alguns! Ele era o dono da bola!
Mas também me lembro de há uns longos anos, princípios da década de oitenta, ter visto uma rábula protagonizada pelo Óscar Branco que aí vestia a mítica figura do “Toninho Piranha”! Sucede que um Huguinho qualquer também tinha comprado uma bola nova, uma bola cheia de um ar redondo, como a definia o Toninho Piranha, pois ela “pinchava”! Mas quando o Toninho Piranha ia marcar um penalti, o tal Huguinho virou-se para ele e avisou-o: Ó Toninho, olha que a bola é nova!
E o Toninho Piranha, sob o peso de todo aquele ar redondo, o ar redondo que fazia “pinchar” a bola, descobrindo que no penalti a bola não “pinchava”… falhou o penalti!
Este preâmbulo é apenas para introduzir mais um “compère” nesta espécie de peça, o Ruizinho!
De modo que o “Ruizinho”, parceiro na vida real do Huguinho, tal como ele bem nascido e desde sempre dono de qualquer coisa, transformou-se em dono do campo, quis de imediato fazer uma nova equipa e, ainda mais, quis substituir o anterior capitão. Só que o Huguinho ergueu lentamente seu dedo indicador e disse-lhe: Na, Na, Na…Aqui o capitão da equipa sou eu e, mais, a bola é minha! E virando-se para o Ruizinho disse-lhe: Tu até podes ser dono do campo, mas…substituir a equipa? Mudar de capitão? Olha, tu até podes ser dono do estádio, até podes formar uma nova equipa, mas…sem bola? Quem é que joga? E relembrou-lhe: É que a bola é minha!
E o Ruizinho, à maneira de um Jasus qualquer, logo pensou: Mas como é que eu, com esta porcaria de equipa – equipa que eu até derrotei nas urnas -, posso conseguir os meus “objectivos”? Que me adiantará levantar a cabeça e seguir em frente, como dizem os Jasus todos?
Então, tolhido de gestos e de imediatas acções, lá reuniu com o Huguinho que, à falta de outra bola, era o dono da única! Mas o Huguinho, com o seu anterior chefe em vias de se fazer à vida, resolveu julgar-se o lídimo repositório da sua sequela e perguntou-se: Mas quem sucede a Passos e à sua imemorável actuação? E quem sucederá ao incompreendido mas mais que fabuloso pensamento de Santana para o futuro deste País? Quem se não eu?
Quem melhor para travar este menino da Foz que quer fazer do nosso inesquecível passado recente tábua rasa e fazer esquecer estes dois valores da Pátria, ao nível de qualquer Infante da ínclita geração, ou de qualquer Vasco da Gama ou  Albuquerque? Quem? Quem mais para travar este menino mimado que aqui chega e quer logo mudar de equipa, de táctica, de capitão, de tudo…pensando que é logo tudo dele? Pois é, falta-lhe a bola, e sem bola não há jogo! A bola é minha e se ele quer a bola para jogar, esta tem que ser muito bem negociada!
E então lá surgiram todos os comentadores, todos os analistas, todos os politólogos e até economistas e todos os seus afins, a afirmarem alto e bom som: suicídio político! De quem? Dos dois! Um porque fez finca pé e, como alvitrou Marques Mendes, deu sinal que ficou agarrado à bola e o outro, o Ruizinho, porque não soube exercer a sua autoridade e ficou fragilizado!
Isto é: o Huguinho colou-se à bola e só sabia dizer que a bola era dele e sem a sua bola não haveria jogo, fazendo birra! E o outro porque ganhou o campo, mas…nem uma bola conseguiu arranjar, quanto mais uma equipa!
Pelo que, neste imbróglio, o jogo continua parado! E parado por falta de bola! Se ainda fosse por falta de energia eléctrica…E o que é certo é que ninguém lhe dá a bola, ao Ruizinho, que é o mesmo que dizer, como se diz cá na minha terra, “ninguém lhe passa bóia” ou “ninguém lhe liga bóia”!
E assim a pergunta final é: Que vai fazer o Huguinho com a bola e que vai o Ruizinho fazer com o campo? O Huguinho vai jogar sozinho? O Ruizinho vai rapar a relva?
É assim este “nosso” (melhor, Vosso) PPD, que também se auto intitula de PS+D! “D” de divertido
PS- Como sempre digo: analistas políticos anestesiados, economistas assalariados e comentadores deslumbrados há muitos! De modo que eu dedico-me à “medicina alternativa”!!!


estatuadesal.com
26
Jan18

Foi-se o “tirano” ficou o “pai”

António Garrochinho


(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 25/01/2018)  
marcelo_cavaco1
Também no mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, que esta quarta-feira completou dois anos, há um antes e um depois dos incêndios. Antes, era a solidariedade institucional, o que o levou a ser muito criticado por políticos e comentadores de direita enquanto era amado pelo povo de direita. Depois, vieram os recados e pequenas farpas para o Governo, o que o leva a ser criticado por políticos e comentadores de esquerda enquanto é amado pelo povo de esquerda. Há, no entanto, traços comuns ao antes e ao depois. São os que interessam. Não estando dependentes de ciclos políticos, são eles que nos dizem o que esperar dos próximos anos.
A definição mais consensual para este Presidente tem sido a do “Presidente dos afetos”. Não seria difícil este perfil depois de um Presidente distante, crispado, autoritário e autossuficiente. Marcelo compreendeu bem o temperamento português. Mais do que a bonomia de Soares, que também era a seu tempo apreciada e de que Marcelo também é um bom exemplo, o atual Presidente destaca-se como ombro amigo no momento de dor e sofrimento. Não preciso de apelar aos clichés sobre os portugueses para sublinhar o óbvio: a alma pátria pela-se por uma boa choradeira. E Marcelo está lá sempre. Mesmo não acreditando em categorias identitárias emocionais para definir um povo – e eu não acredito –, os mitos ajudam a criar uma estética. O papel de José na manjedoura, que as gentes que mais sofreram com os fogos lhe reservaram neste Natal, ajuda a explicar que lugar ocupa Marcelo no imaginário nacional.
O vínculo emocional que une o Presidente aos portugueses é intrinsecamente positivo. Não há liderança democrática sem ele. Não há, aliás, liderança sem empatia. A democracia não é apenas um conjunto de regras e processos, apesar de eles serem um elemento central da sua legitimidade. É também uma adesão voluntária que depende de uma ligação emocional entre representantes e representados. Ter, na Presidência da República, alguém de que as pessoas gostam (e não apenas que apoiam) é bom para as instituições democráticas. Mas este magistério emocional tem riscos.
O primeiro risco é o de retirar a racionalidade da política. Diz-se que Margaret Thatcher terá afirmado, um dia, que as pessoas já não queriam saber o que os políticos pensavam, só queriam saber o que os políticos sentiam. Não sei se o disse mesmo. Espero que sim, ou terá sido em vão que várias vezes citei tão sinistra figura. A forte mediatização da política, com um peso crescente da importância da imagem, torna a parte emocional e sensorial da dramatização política cada vez mais relevante. Marcelo tem levado isso até às últimas consequências – e não sei se sempre com ganho do debate político. Temos a sorte de estarmos perante um Presidente comprometido com os valores democráticos. Mas a verdade é que raramente ele apela à racionalidade do debate, quase sempre opta pela vinculação estritamente emocional à sua pessoa. Talvez seja assim com todas as lideranças carismáticas. O único problema é se elas não nos querem levar para lado algum a não ser para si mesmas. Temo que seja o caso.
O segundo risco tem a ver com este: Marcelo Rebelo de Sousa parece ser escravo da sua própria popularidade. A popularidade é o elemento fundamental de um político que dependa do voto. É ainda mais importante num Presidente da República, cuja latitude de poderes está limitada e depende em larga escala da sua capacidade de influência. Mas por vezes temos a sensação que, mais do que ter uma agenda própria, Marcelo a adapta aos humores, indignações e paixões coletivas de cada momento. Que Marcelo não lidera a opinião pública, é liderado por ela. Que é uma espécie de eco das redes sociais sem os insultos. Até agora isso não foi um problema. Mas tenho curiosidade para ver o comportamento de alguém que precisa de ser adorado se alguma vez tiver de contrariar o sentimento geral. No caso do financiamento dos partidos prescindiu, como então escrevi, de qualquer esforço pedagógico. Mas tinha, neste caso concreto, boas razões para o veto. Veremos como se comporta quando a emoção nacional e a razão política estiverem em evidentes campos opostos.
O terceiro risco é a banalização. Marcelo está em todo o lado, comenta tudo, tudo lhe merece igual atenção. Também nisto ele corresponde ao tempo que vivemos, marcado pelo fim da intermediação e correspondente hierarquização. É um Presidente que se entrega facilmente ao imediatismo, correndo riscos de que a sorte o tem salvo. O único caso caricato foi mesmo o da Cornucópia, quando, totalmente descoordenado do Governo, decidiu deslocar-se ao teatro para prometer o que não podia. Como eram coisas da cultura ninguém ligou muito. Mas um dia pode ser pior. Ainda assim, o Presidente da República, que é tudo menos parvo, tem mostrado que sabe quando não pode pisar ramo verde. O seu silêncio obstinado no caso da recondução da Procuradora Geral da República demonstra que a banalização da sua palavra não é um descuido, é uma escolha. Mas é um caso fácil, porque ele sabe à partida a relevância que virá a ter. Outros são mais imprevisíveis. E é difícil ter a última palavra quando se teve a primeira, a segunda e a terceira.
Por fim, há o risco de o árbitro se querer transformar num treinador. Cavaco correu esse risco, e o resultado foi desastroso. Não será por Marcelo ser muito mais popular que o perigo desaparece. O nosso sistema semipresidencial é, na realidade, semiparlamentar. O Presidente é o “chefe de Estado” mas tem, pelas suas funções, menos protagonismo político do que Governo e Parlamento. É verdade que o seu poder de influência, mais relevante do que os seus poderes constitucionais, depende, como o anterior Presidente tão amargamente descobriu, da sua capacidade de trasvazar as barreiras políticas e partidárias da sua eleição. Marcelo conseguiu e isso até levou, no primeiro ano do seu mandato, ao risco de termos um governo sob tutela presidencial pelo seu excessivo apoio. É compreensível que Marcelo queira ampliar a sua base de apoio. Qualquer político quer. A questão é saber se, por nunca sair do palco, isso não cria entorses no sistema.
Marcelo sucedeu ao mais impopular dos Presidentes e é impossível olhar para o tipo de intervenção que escolheu para si sem perceber que herdou uma instituição com a imagem degradada. Tínhamos um Presidente que nos sufocava com os seus sermões, passámos a ter um Presidente que nos sufoca com os seus abraços. Em qualquer dos casos, temos figuras tutelares e paternais. Não simpatizo com nenhum dos registos, mas convenhamos que o segundo é mais simpático do que o primeiro.
E que a transição do primeiro para o segundo devolveu à Presidência da República o prestígio que teve desde 1976 e que apenas Cavaco Silva interrompeu. Num tempo de crise das instituições democráticas isso só pode ser bom.

estatuadesal.com
26
Jan18

O BEIJO

António Garrochinho



Mesmo acelerando o ritmo, torna-se impossível beijar todos os cidadãos até ao fim do mandato. Há que ser seletivo, razão pela qual o senhor PR se escusou a receber as trabalhadoras da “Triumph” que havia convidado a Belém. Era fatal!
 
O PR ainda não depositou o seu ósculo em toda a realeza, muitos bispos aguardam ainda a saliva presidencial e, beijar uma operária que ficou sem emprego, não é o mesmo que beijar a turista que lhe pediu uma selfie.

Acabou a festa. Pode servir o almoço aos sem-abrigo na cantina ou na tasca, que logo encontrará à porta, os trabalhadores dos CTT ou os enfermeiros reivindicando mais seringas.
Cerca de quinhentos trabalhadores foram lançados na vala-comum do desemprego, quase tantos como os habitantes das aldeias atingidas pelos fogos. É uma calamidade diferente, a que o senhor PR já se habitou desde pequenino, é um sofrimento que destrói queimando lentamente.

aspalavrassaoarmas.blogspot.pt
26
Jan18

Reportagem Ao vigésimo dia, a “angústia” das trabalhadoras da Triumph acabou - A “luta” acabou num despedimento colectivo, já esperado por quem não acreditava que aquelas máquinas voltassem a costurar.

António Garrochinho



As quase 500 funcionárias da antiga Triumph já não precisam passar os dias e as noites aos portões da Fábrica. A “luta” acabou num despedimento colectivo, já esperado por quem não acreditava que aquelas máquinas voltassem a costurar.
"Vim abrir aqui a fábrica e vou fechá-la", vaticinava na manhã desta quarta-feira, sentada num dos bancos, junto à tenda improvisada aos portões da fábrica, Maria José Gomes, de 64 anos, que detinha o posto de funcionária mais antiga da fábrica por andar há 51 anos à volta das máquinas dos cortes. O que "Zezinha", como todos ali a tratam, ainda não sabia é que ao vigésimo dia de vigília em frente aos portões, de onde não arredaram pé, nem de dia nem de noite, a luta que encetaram acabaria por dar frutos: a administradora de insolvência, nomeada pelo tribunal, chegou ainda de manhã, mandou fechar os portões e garantiu que a prioridade daquele processo seria devolver os direitos aos trabalhadores.
A campainha tocou como todos os dias a anunciar o início de mais um turno. Às oito da manhã, a maioria das trabalhadoras picava o ponto como se se tratasse de mais um dia normal de trabalho. Trocam-se os “bons dias”, ditos a alto e bom som, entram para o interior da fábrica, saem de bata já vestida, ainda com o logótipo da Triumph bordado a vermelho, apesar de, para todos os efeitos, a empresa onde trabalhavam se chamar, há um ano, Têxtil Gramax Internacional. 
A questão do dia era se a incerteza quanto ao futuro da fábrica seria, finalmente, desfeita na reunião que tinham agendada com a administradora de insolvência. Quase todos acreditavam que, no fim, não voltariam a trabalhar naquelas máquinas. 

"Foi um desgaste muito grande"

"Desde Agosto até aqui foi um desgaste muito grande. No corte, desde Setembro, muitas de nós já não trabalhávamos. Imagine o que é vir trabalhar e estar sentada a olhar", sublinha Graça Brás, de 54 anos, que ali trabalhou durante três décadas.
A boa-nova chegou-lhes ao final da manhã pouco depois de terem feito uma espera ao Presidente da República, na Escola Secundária de Camarate, onde lhe foram pedir explicações do porquê de não ter comparecido ao encontro que tinham agendado para segunda-feira, em Belém. É que “se Maomé não vai a montanha, a montanha vai a Maomé", ouvia-se aos portões da fábrica, enquanto rapidamente se formava um grupo que se disponibilizou a falar com o chefe de Estado. E assim foi. 
Já em Camarate, Marcelo Rebelo de Sousa ouviu-lhes as inquietações, de quem trabalha há 20, 30, 40 anos naquela fábrica, e não sabe como seguir em frente. Garantiu-lhes, assim como o presidente da câmara de Loures, Bernardino Soares, que já estaria a ser estudada “uma fórmula de apoio social de emergência” para aqueles 463 trabalhadores. 
À chegada de Camarate, pela hora de almoço, a euforia tomou conta de quem descia do autocarro e das que as esperavam no mesmo sítio onde "acampavam", sem interrupções, há 20 dias. "Conseguimos! Conseguimos! Conseguimos", gritavam as funcionárias enquanto se suspirava de alívio, se davam os abraços mais apertados, em sinal de vitória e de missão cumprida, de quem vingou o direito a ter direitos. 
"Estamos muito contentes porque a nossa luta venceu. Tenho dois filhos e não quero que eles venham a passar por aquilo que nós passamos. Esta luta já está ganha", atira Graça, que levou o recado a Marcelo Rebelo de Sousa. 
As portas foram fechadas ainda durante a manhã. A principal preocupação das trabalhadoras, que as aguentou durante a vigília, 24 sobre 24 horas a guardar os portões, continua a ser a salvaguarda das máquinas e o património da fábrica. Serão estas "as garantias para os subsídios em atraso e para as eventuais indemnizações”, explicou Mónica Antunes, delegada sindical com 41 anos e trabalhadora da fábrica há 18. 
Foram precisos 20 dias de “luta” ao calor e à luz daquele braseiro que nunca se apagou e que se tornou quase num símbolo de luta destas mulheres. Mulheres que se viam apoiadas pelos filhos que lá iam passar a noite com elas, assim como os maridos ou sobrinhos que falavam, de voz embargada e olhos encharcados, no “orgulho” que tinham em vê-las bater o pé daquela forma.
O ponto final na indecisão que pairava sobre o futuro da fábrica desde o final do ano passado acabou por ser um despedimento colectivo. Com a insolvência decretada, finalmente, pelo tribunal, os trabalhadores vão poder aceder ao subsídio de desemprego e ao fundo de garantia social, enquanto aguardam que lhes sejam pagos cinco dias do mês de Novembro, o mês de Dezembro e ainda as indemnizações.
"Sem a nossa luta isto não se conseguia", completa Zezinha. Festejou-se com arroz doce, “para aquecer primeiro as mãos e depois a alma”, atirava uma das costureiras. 

"É um dia feliz e triste"

A Rua Vasco da Gama foi pequena para os carros que ali se juntaram e para as buzinas que não paravam de tocar. "Isto era um desespero tão grande. Esta é uma lufada de ar fresco nesta gente. Nós andamos há dois anos a passar de mão em mão e a viver uma angústia enorme. Nós queremos trabalhar, mas nas condições que estávamos a trabalhar aqui é impossível", vinca Mónica. 
À saída da reunião, vivia-se entre o “alívio” de poder seguir com a vida para a frente e a tristeza de largar a vida e os "amigos" que sempre conheceram. "Esta noite, em princípio, será a última de vigília. É um dia feliz e triste. Foram 28 anos aqui", lamentou Rodrigo Teixeira.
Despem-se as batas e pica-se o ponto. Esta batalha pode estar ganha, como advogam, mas a luta, para muitos daqueles trabalhadores, acabou mesmo agora de recomeçar. "Acabou o nosso martírio", atirou a costureira Isabel, "e agora vai começar outro". 


www.publico.pt

26
Jan18

EU

António Garrochinho


Andei na escola paga da professora Delmira (passinha) situada no Calvário, nas instalações antigas de um lagar de azeite. A cadeira de atabua, o caderno de linhas, a pedra e o giz, deram depois lugar à caneta de aparo, às sebentas, a tinta de frasco.
Só depois chegado à escola primária, na quarta classe, os meus pais me ofereceram uma caneta de tinta permanente. Uma caixinha de madeira polida com os acessórios para a escrita e o desenho.
Aprendi na cartilha de João de Deus, no Pires de Lima, na história, na geografia, feita à medida do Salazar e de todos os filhos da puta que mantiveram até aos dias de hoje, a escuridão, a ignorância, a ausência de vontade de abrir a janela da cultura a este povo bom a que pertenço.
Lia os jornais, o Século, o Diário de Notícias etc na taverna/mercearia do Amadeu Guerreiro, coleccionava cromos de história, de futebol, e depois de ir para Faro trabalhar comecei a comprar os livros de cowboys, os cinco balas, as aventuras do fantasma, o kansas kid etc.
O meu pai que era barbeiro e tinha sempre o jornal na oficina incentivava-me a ler, e ele próprio era um homem atento ao que o rodeava e proporcionou-me um exemplar clandestino do António Aleixo que ainda conservo.
Depois vieram os livros da Europa América, também os da RTP (um lixo) os discos vinil, os companheiros, e as inevitáveis cassetes com a música ainda proibida do Zeca Afonso que com a malta ouvia-mos às escondidas.
Ainda me recordo da difícil audição do Rádio Moscovo não fala verdade na "galena com auscultadores de báquelite" que como qualquer jovem adolescente me despertava curiosidade
Esperava ansioso no comboio rápido pelo Diário de Lisboa e o Diário popular, jornais mais "progressistas" e comecei a arranjar os amigos subversivos que me encantavam e despertavam para a realidade da vida.
Comecei a comprar muitos livros, muitos mesmo, os clássicos russos e franceses do Círculo de Leitores e outras editoras mais ousadas. Não ligava à televisão, os livros eram a minha paixão e também o cinema no Santo António, o Cine Teatro Louletano.
Visitei livrarias clandestinas num alçapão dissimulado.
Veio a tropa, o Ultramar, o 25 de Abril , a militância comunista e aqui continuo sem qualquer operação de cosmética nos valores que absorvi e aos quais me mantenho e manterei fiel.
Sinto hoje que os livros, os meus amigos companheiros, camaradas, a minha família, me deram tudo o que puderam.
Estou sempre a aprender.
Tenho qualidades e defeitos como qualquer humano e se fosse possível voltar atrás não jogava fora nada de tudo o que vivi.
Sou eu.
António Garrochinho
26
Jan18

Um enorme excedente primário

António Garrochinho



Portugal regista um excedente primário( diferença entre receitas e despesas não contando com os juros pagos ) de 5.725 milhões de euros, aumentando 1.677 milhões face a 2016 . 
Aqueles que têm a carteira cheia , que podem socorrer-se dos serviços médicos privados , das escolas privadas para filhos e netos e de respectivos explicadores , entendem que se devia ter ido ainda mais longe na redução do défice. 
Mais redução do défice significaria menos recursos para a escola pública , para o SNS e para o investimento público.
No comunicado enviado pelas Finanças é explicado que a receita fiscal cresceu acima do previsto mas que a despesa também. "A evolução da receita ultrapassou o crescimento previsto em sede de Orçamento face ao período homólogo (+1,4%), tendo a despesa apresentado um crescimento igualmente acima do previsto quando se compara os OE de 2016 e de 2017 (+0,5%)."

O ministério explica que do lado da receita, a arrecadação fiscal no subsector Estado cresceu cerca de 5% e a receita líquida de IVA aumentou 6%, acompanhada pelo crescimento no IRC de 10%. Além disso, "a receita beneficiou ainda do comportamento do mercado de trabalho, visível no crescimento de 6,3% das contribuições para a Segurança Social", sustenta o ministério.

foicebook.blogspot.pt
26
Jan18

Congresso da Anafre debate descentralização e reorganização territorial

António Garrochinho



Sob o lema «Somos Portugal Inteiro!», a reunião magna da associação representativa das 3091 juntas de freguesias eleitas servirá para eleger novos dirigentes e debater um conjunto de temas como a reorganização territorial ou administrativa.
DesdeSetembro de 2011, data da extinção de 1167 freguesias, que a luta pela sua  reposição tem dado corpo a várias iniciativas, a nível nacionalA medida tomada sem auscultação prévia dos respectivos órgãos autárquicos e à revelia dos interesses da população, diminuiu tanto a representatividade como a proximidade dos eleitos às populações.
Entre as propostas da Anafre está a devolução às populações e aos órgãos autárquicos da decisão sobre a reorganização administrativa do seu território, de modo a permitir a reposição de freguesias onde se justifique. Perspectiva-se igualmente a criação de uma lei-quadro que permitacriarmodificar e extinguirautarquiaslocaiscolocando-se, no imediatonecessidadediagnosticada de repor as freguesiasextintaspelogoverno do PSD e do CDS-PP. 
A associação preconiza a reorganização do território e descentralização administrativa acompanhadas da respectiva definição das competências e financiamento adequado, de forma a garantir a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos.
O pressuposto alinha no tema da reunião [«Somos Portugal Inteiro!»] e traz a ideia de coesão territorial. A este propósito, vale a pena recordar que, entre as conclusões do congresso realizado em 2015, a Anafre manifestava «vontade de participar num processo de criação de regiões administrativas». 
A par da regionalização, o financiamento é outro aspecto a concorrer para que a descentralização de competências ocorra num quadro em que se assegurem os serviços públicos de proximidade e se satisfaçam as necessidades das populações.
As freguesias denunciam o incumprimento da Lei de Finanças Locais ao longo dos últimos anos. Quanto ao anteprojeto de revisão, apresentado pelo Governo em Dezembro último, advogam que ele deve apontar no sentido de aumentar os recursos do Estado e proporcionar uma mais justa distribuição de recursos entre freguesias. 
A propósito de incumprimento, as freguesias lembram ainda que se viram subtraídas em mais de 100 milhões de euros graças à redução da sua participação nos impostos do Estado, por um lado, e à redução do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), por outro. 
PavilhãoMultiusos de Viseuacolhe o congresso da Anafreentre as 17h de amanhã e as 13h de domingo, 28, onde são esperadoscerca de mil delegados em representação de seiscentenas de freguesias.

Serviço CTT assegurado por 879 freguesias

O presidente da Anafre, Pedro Cegonho, assegurou esta semana que o serviço dos CTT é assegurado por 879 freguesias e que a associação pretende avaliar as condições negociadas com as autarquias, admitindo «ajustes» ao contrato firmado com a empresa, dois anos antes da sua privatização. 
Nuns casos as agências são geridas pelas próprias freguesias, noutros os postos funcionam nas instalações destas. Em ambas as situações, o protocolo firmado com as autarquias em 2012 foi um contributo importante para o processo de desarticulação e alienação da empresa.
A iniciativa da Anafre insere-se no âmbito da reestruturação em curso nos CTT, de encerrrar 22 estações no País, e na participação da associação num grupo de trabalho anunciado pelo Governo para avaliar a «prestação do serviço público postal».


www.abrilabril.pt
26
Jan18

EU NÃO SOU SUSPEITO PORQUE SOU ATEU E OPINO SEM TOMAR PARTIDO DE QUALQUER RELIGIÃO - É COMUM LER NA NET, NOS LIVROS DE HISTÓRIA MANIPULADOS, QUE OS JUDEUS FACE À SUA RELIGIOSIDADE FORAM COVARDES NO COMBATE AO NAZISMO. - ESTA PUBLICAÇÃO MOSTRA PRECI

António Garrochinho




Soldados alemães prendem judeus durante a revolta no Gueto de Varsóvia. Polônia, maio de 1943.
Soldados alemães prendem judeus durante a revolta no Gueto de Varsóvia. Polônia, maio de 1943.

A perseguição e o extermínio em massa dos judeus, levadas a cabo e incentivadas pelos nazistas, fizeram com que alguns alemães do Terceiro Reich, bem como outros grupos nas áreas européias ocupadas, reagissem e passassem a oferecer resistência ao regime. Mesmo sendo as principais vítimas dos nazistas, os israelitas também resistiram à opressão de diversas maneiras, tanto coletiva quanto individualmente.

As organizações de resistência armada eram o meio mais enérgico de oposição dos judeus às políticas nazistas nas áreas da Europa ocupadas pela Alemanha. Civis resistiram de forma armada em mais de 100 guetos em toda a Polônia e em áreas da União Soviética ocupada. Em abril/maio de 1943, os judeus do Gueto de Varsóvia rebelaram-se, usando armas improvisadas e roubadas fora de seus muros, após ouvirem boatos de que os alemães os deportariam para o campo de extermínio de Treblinka. À medida que as unidades da polícia e das SS entravam no gueto, os membros da Zydowska Organizacja Bojowa/ZOB, "Organização da Luta Judaica", e de outros grupos compostos por judeus, atacavam os tanques alemães com coquetéis Molotov, granadas de mão, e revólveres de pequeno calibre. Embora os alemães ficassem surpresos com a ferocidade dos ataques, eles conseguiram acabar com a maior parte da luta em poucos dias. No entanto, demorou quase um mês para que as poderosas forças alemãs conseguissem derrotar totalmente os partisans do gueto, após o que deportaram praticamente todos seus habitantes. Por meses após o fim do Levante de Varsóvia, os judeus daquela região resistiram, escondendo-se entre as ruínas do gueto, mesmo com o patrulhamento das unidades de polícia e das SS, que tentavam extinguir os ataques contra os alemães.

Naquele mesmo ano, os judeus que viviam nos guetos de Vilna, Bialystok, e de outras cidades, revoltaram-se contra os alemães. Mesmo sabendo que a maioria dos habitantes já havia sido deportada para campos de extermínio, e mesmo sabendo que sua luta não conseguiria salvar os judeus restantes, que não tinham como se defender, ainda assim, eles lutaram pela honra judaica e para vingar os massacres cometidos contra seus irmãos.

Milhares de jovens judeus resistiram fugindo dos guetos para as florestas. Lá, eles incorporavam-se às unidades de guerrilha soviéticas ou formavam seus próprios grupos contra os ocupantes alemães. É sabido que alguns membros dos "Conselhos Judaicos" (Judenrat) cooperaram com os alemães, embora isto acontecesse sob coação, até que fossem deportados. Contudo, alguns resistiram, como Moshe Jaffe, presidente do conselho da cidade de Minsk, que em julho de 1942 recusou-se a cumprir as ordens alemãs para que entregasse um grupo de judeus para serem deportados.

Também ocorreram rebeliões em três campos de extermínio, Treblinka, Sobibor, e Auschwitz-Birkenau. Em agosto de 1943, em Treblinka, e em outubro de 1943, em Sobibor, os prisioneiros, munidos de armas roubadas do inimigo, atacaram os membros das SS e os guardas da cidade polonesa de Trawniki que colaboravam com os alemães. Os alemães e seus asseclas assassinaram a maioria dos rebeldes durante e após a rebelião, caçando como animais aqueles que haviam escapado. Entretanto, vários prisioneiros conseguiram escapar de seus perseguidores e, assim, sobreviver à guerra. Em outubro de 1944, em Auschwitz-Birkenau, os membros do "Comando Especial Judaico" (Sonderkommando) amotinaram-se contra os guardas das SS. Cerca de 250 judeus morreram durante o combate e, mesmo depois do motim haver sido controlado, os guardas das SS executaram sumariamente outros 200. Alguns dias depois, as SS identificaram cinco mulheres, entre elas quatro judias, que estavam envolvidas no fornecimento de explosivos para que membros do Sonderkommando destruíssem um crematório. As cinco foram assassinadas.

Em muitos países ocupados ou aliados aos alemães, a resistência judaica concentrou-se na ajuda humanitária e no resgate de pessoas. Em 1944, líderes judaicos da Palestina enviaram pára-quedistas clandestinos, tais como a heroína Hanna Szenes, para a Hungria e a Eslováquia, com o objetivo de auxiliar, de qualquer forma possível, os judeus que lá se encontravam escondidos. Na França, vários elementos da resistência judaica uniram-se e criaram diferentes grupos, tais como a Armée Juive (Exército Judeu), que atuava no sul da França. Muitos outros judeus lutaram como membros de movimentos de resistência nacional na Bélgica, na França, na Itália, na Polônia, na Iugoslávia, na Grécia e na Eslováquia.

Nos campos e nos guetos os judeus também responderam à opressão nazista utilizando suas mentes e espíritos. Eles tudo fizeram para preservar a vida comunitária e a história israelita, apesar dos esforços nazistas para que o povo judeu fosse apagado da memória humana. Entre tais respostas, havia a criação de entidades culturais judaicas, a observância das festas e rituais religiosos, provimento de educação judaica de forma clandestina, publicação de boletins, e a coleta e ocultamento da documentação que contava esta história; este é o caso do arquivo "Oneg Shabat", em Varsóvia, onde foi preservado o material que posteriormente contaria a destruição do Gueto de Varsóvia em 1943.

www.ushmm.org
26
Jan18

"Se Isto é um Homem"

António Garrochinho


Falamos de desumanidade?, inumanidade? 

De que falamos quando falamos dos campos de concentração e extermínio e da Segunda Guerra?

Auschwitz foi libertado a 27 de Janeiro de 1945. Primo Levi viu uma brecha nessa madrugada que lhe permitiu pensar no regresso a casa. No livro Se isto é um Homem testemunha a sua vida no campo, que considera “uma gigantesca experiência biológica e social (...) [onde é possível] estabelecer o que é essencial e o que é adquirido no comportamento do animal-homem perante a luta pela vida”.
Fui a Auschwitz-Birkenau e Treblinka em 2007 e reli então o livro de químico italiano.

Antes de mais, uma interrogação: que podemos nós saber acerca daquilo de que fala Primo Levi? Que podemos nós saber e em que termos podemos falar de uma realidade tão radicalmente diferente da nossa que não chegamos sequer a configurar, senão sob um ponto de vista teórico e ainda assim imensamente vago, tacteante, a que é que ela corresponde?
Parece evidente, desde logo, que o nosso olhar é o olhar asséptico de quem observa no conforto das “casas aquecidas”, para usar uma expressão de Primo Levi, por mais horror, asco, incómodo que a descrição ou a visão provoquem. A nossa condição é outra. A nossa galáxia é outra. A sonda que fornece alguma informação está longe de nos fazer experimentar a qualidade daquele ar, de nos indicar sequer as suas propriedades.
E nem algum conhecimento de alguns dos conteúdos em causa nos ajuda. Justamente: são conteúdos, não são experiências.
(Há um quadro de Gauguin que traduz numa imagem o que pretendo dizer. É um retrato de Van Gogh, que data do período que os dois pintores passaram em Arles, no qual se vê o pintor holandês a pintar, não numa tela, mas directamente sobre um ramo de flores. A peculiaridade e a força de Van Gogh era pintar directamente a vida, e não sobre a vida.)
Apesar de serem conhecidas as imagens do horror, ele não deixa de nos impressionar brutalmente quando estamos na sua presença. A imagem das escovas, milhões de escovas, amontoadas em Auschwitz, fere-nos quando está ante os nossos olhos. Como se chegássemos mais perto de perceber ou sentir o que aquilo é. Aquela já não é uma fotografia que passou pelas nossas mãos. Aquelas são escovas, que fazem um determinado volume, que correspondem a um determinado número, que pertenceram a concretas pessoas, e que têm, digamos, uma existência mais concreta ante os nossos olhos. Mas continua a existir entre nós e elas uma parede de vidro. Uma forma de impermeabilização e de incompreensão. Sobretudo, nenhuma daquelas escovas é nossa, foi nossa. Não fomos expropriados dela.
Primo Levi escreve: “Perguntei-lhe (com uma ingenuidade que poucos dias depois já me devia parecer fabulosa) se nos iam devolver pelo menos as escovas de dentes; ele não riu, mas com uma expressão de extremo desprezo no rosto, disse-me: – Vous n’êtes pas à la maison.”
Estar privado da escova de dentes significa começar a estar privado de uma identidade. É um sinal de se estar longe de casa.
Nós estamos em casa.
Podemos inventariar episódios de humilhação, privação, violência que se convencionou inumana. Mas será que podemos, mutatis mutandis, reconhecendo a diferença de escala, ter uma ideia do que ali se passou? Não acabaremos por constatar que todas as situações por que passámos, apesar da sua penosidade, continuam a inscrever-se naquilo que é da esfera do humano?
O que é que caracteriza essa esfera? Quem delimita o alcance dessa esfera?
Mas se é verdade, parafraseando Antígona, que “o homem nada sabe sem queimar os seus pés no fogo ardente”, é igualmente verdade, e concordando com Levi, que a realidade não pode ser ignorada. Não podemos fazer de conta que não vimos as escovas amontoadas. Presencialmente. Em fotografia. Desde os massacres de judeus, ciganos e comunistas a partir de 1941 na antiga União Soviética, desde o gueto de Varsóvia e Treblinka, desde Auschwitz, sabemos de uma maneira diferente aquilo de que o homem é capaz. Os relatos de Tadeusz Borowski (This Way to the Gas, Ladies and Gentlemen), de Primo Levi (Se Isto É Um Homem), de Vasily Grossman (Life and Destiny ou A Writer at War) tornam possível pensar o que ali aconteceu.
Não acordamos para o sonho da maldade humana com a Shoah. A Shoah confirma certo pensamento que falava do gosto do humano pelo sofrimento alheio. Mas surpreende, e isso é talvez novo na Shoah, que o inominável tenha sido perpetrado por um povo altamente civilizado, sofisticado, culto, que estava desde sempre na vanguarda da literatura, da música, do pensamento. E o método com que esse horror foi levado a cabo – sob a exímia e “pedante” (novamente Levi) organização alemã. E o facto de ser um calvário que dizimou famílias, uma comunidade, um povo, e não um calvário individual.    
Primo Levi, como Borowski, como Semprún, foram capazes, nas mais anti-humanas situações, de que Auschwitz-Birkenau paradigmaticamente são uma representação, de elaborar um discurso humano sobre o anti-humano. Um discurso baseado no que de mais humano o homem tem – isto é, na capacidade de narrar.
Levi apela à memória, dirige imprecações aos que a corrompem ou ignoram:

«Estando em casa andando pela rua,
Ao deitar-vos e ao levantar-vos;
Repeti-as [estas palavras] aos vossos filhos.
Ou então que desmorone a vossa casa,
Que a doença vos entreve,
Que os vossos filhos vos virem a cara.»

Primo Levi nasceu em Itália em 1919, morreu em 1987, provavelmente por suicídio. Licenciado em Química. Membro de uma brigada de partigiani, filiada no grupo «Justiça e Liberdade». Os partigiani eram resistentes armados contra os nazis-fascistas em Itália.
Devido a ser judeu, é preso e deportado para o campo de concentração de Auschwitz em Dezembro de 43, no qual permanece até ao fim da Guerra, em Janeiro de 45. Fica, portanto, pouco mais de um ano. É dos poucos que aguentam tanto tempo. No começo do livro, começa por aludir à «sorte» que lhe assiste ao ser capturado numa altura em que os alemães, devido à escassez de mão-de-obra, decidem prolongar a vida dos prisioneiros, suspendendo as execuções arbitrárias.
Há outro aspecto: é dos poucos a resistir às condições de vida do campo de concentração. O tempo máximo rondava os três meses, após o qual os homens soçobravam devida à fadiga, à fome e ao frio. Tem 24 anos quando é capturado.
Se Isto É Um homem é o relato da experiência vivida em Auschwitz. Como explica na introdução, a génese do livro tem dois motivos:
  1. «O livro foi escrito para satisfazer essa necessidade; em primeiro lugar, como libertação interior»
  2. «Foi escrito para fornecer documentos para um estudo sereno de alguns aspectos da alma humana»
Começa a ser escrito logo depois da sua libertação e concluído em 1947. A primeira edição data desse mesmo ano.
O livro é um testemunho, escrito com crueza implacável, sobre a condição humana. Nele se pergunta dos limites que a definem. Da natureza que a constitui. Dos inesgotáveis recursos de que o homem dispõe e que não adivinha em circunstâncias normais.
Mas ainda que os recursos físicos o façam subsistir, que humanidade há nisso? Que subsistência é essa? A de um homem? Repete-se ao longo do livro que pode ser qualquer outra coisa, um animal, um farrapo, uma sombra, mas raramente se utiliza a palavra homem.
Página a página é possível assistir à desumanização progressiva vivida por Primo Levi e demais prisioneiros. À bestialidade que conquista, dia após dia, o espaço que se julgava inviolável e pertença do homem.
Mas o que é um homem?
A pergunta é feita de outro modo: Se isto é um Homem. Como se não pudéssemos ter alguma vez uma definição de homem. Mas pudéssemos saber com certeza aquilo que está excluído da condição humana.
Ainda antes de ser iniciada a narração, há um poema que abre o livro, justamente intitulado “Se isto é um homem”:

“Vós que viveis tranquilos
Nas vossas casas aquecidas
Vós que encontrais regressando à noite
Comida quente e rostos amigos:
Considerai se isto é um homem
Quem trabalha na lama
Quem não conhece paz
Quem luta por meio pão
Quem morre por um sim ou por um não
Considerai se isto é uma mulher
Sem cabelos e sem nome
Sem mais força para recordar
(...)
Recomendo-vos estas palavras
Esculpi-as no vosso coração”

Neste poema começa-se por descrever uma situação de normalidade: tranquilidade, casas aquecidas, rostos amigos. De seguida, assenta-se a descrição naquilo que consome a “vida humana” dos prisioneiros; ou seja, aquilo que os faz deixar de ser humanos: a lama, a ausência de paz, a luta desenfreada pela sobrevivência, o número tatuado no braço, pelo qual passam a ser conhecidos, e que renega o nome, a identidade. “O meu nome é 174 517.”
Isto que é aqui enunciado é escalpelizado ao longo do livro em passagens sucessivas.
Logo no momento em que entram para o “vagão de mercadoria”, pergunta-se quantas peças ali constam. Peças. Quando se embarca nestes vagões, abundam os relatos do destino que os espera, sabe-se o que aquilo significa. O que os espera é a desesperança. “Ai de vós, almas perdidas” é um verso da Divina Comédiautilizado por Primo Levi para sucintamente apresentar a situação.
A incursão na obra de Dante acontece, aliás, outras vezes. Como num dos excertos mais famosos: “Isto é o Inferno. Hoje, nos nossos dias, o Inferno deve ser assim, um local grande e vazio, e nós, cansados de estar de pé, com uma torneira a pingar água que não se pode beber, esperamos algo sem dúvida terrível e nada pode acontecer e continua a não acontecer nada. Como pensar? Já não se pode pensar, é como estar já morto. O tempo passa gota a gota”.
Curiosamente é também a privação, expressa no poema e traduzida em pancadas, frio, sede que não deixa que se afundem no vazio de um desespero sem fim. Levi explicita que é a privação, e “não a vontade de viver, nem uma resignação consciente: pois são poucos os homens capazes disso”.
Despojados de tudo, da sua vida quotidiana, da sua identidade, da possibilidade de se pensarem intimamente como homens livres, são sustidos, paradoxalmente, por um lado puramente físico, animal, que os impele à sobrevivência. Uma sobrevivência animal, e não uma sobrevivência humana. Porque esta requer um sentido, uma meta, um futuro. “A persuasão de que a vida tem uma finalidade está enraizada em todas as fibras do homem, é uma propriedade da substância humana. Os homens livres dão a esta finalidade muitos nomes, e sobre a sua natureza muito se debruçam e discutem; mas para nós a questão é mais simples. Agora e aqui, a nossa finalidade é chegar à Primavera”.
O campo é a ausência de futuro, a arbitrariedade a toldar a liberdade. “Pela primeira vez apercebemo-nos de que a nossa língua carece de palavras para exprimir esta ofensa: a destruição de um homem. (...) Já nada nos pertence: tiraram-nos a roupa, os sapatos, até os cabelos; se falarmos, não nos escutarão, e se nos escutassem, não nos perceberiam”.
O homem de que aqui se fala é um homem reduzido ao sofrimento, à carência, esquecido da dignidade. Vive num campo de extermínio onde rapidamente aprende que tudo serve. Aprende, por exemplo, o valor dos alimentos. Percebe-se isso quando se sabe que o pão é comido com a marmita por baixo para não desperdiçar as migalhas. O pão é a única moeda de troca entre os prisioneiros. Meia ração de pão pode trocar-se por um litro de sopa. Ou por nabos, cenouras, batatas, colheres com cabo afiado que fazem de faca. É isto que se comercia no campo.
Esta é a vida que têm. Até quando? “O problema do futuro longínquo esmoreceu, perdeu qualquer intensidade diante dos problemas bem mais pungentes e concretos do futuro próximo: quanto haverá para comer hoje, se irá nevar”.
A vida que têm é a vida de animais. Mas justamente por isso, como percebe o autor, “porque o campo é uma máquina para nos reduzir a animais, não devemos tornar-nos animais; neste lugar também se pode sobreviver para contar, para testemunhar. (...) Somos escravos, condenados quase com certeza à morte, mas restou-nos uma última faculdade: a faculdade de negar o nosso consentimento”.
A vida de todos os dias destes prisioneiros é a de autómatos que partem em marcha: as suas almas estão mortas. Pensar sobre o que lhes aconteceu é algo que só acontece quando, por exemplo, se está na enfermaria. “Fala-se de outras coisas para além da fome e do trabalho, e acontece-nos considerar ao que nos reduziram, quanto nos tiraram, o que é esta vida. Aprendemos que a nossa personalidade é frágil, está muito mais ameaçada do que a nossa vida.”
Por vezes, os prisioneiros sonham. Não sonham todas as noites, mas apenas quando o cansaço o permite. E nos sonhos há também margem para um não-acreditar. Um relato: “É um prazer imenso, estar na minha casa, entre pessoas amigas e ter tantas coisas para contar. Mas não posso deixar de me aperceber de que os meus ouvintes não me prestam atenção”. A dor deste sonho (que é a dor de contar e não ser ouvido) é uma dor que acompanha não só Primo Levi como muitos outros. Uma espécie de sonho insistente. Também sonham que estão a comer.
“Se pudéssemos chorar!” desabafa, dizendo-se a seguir “um verme sem alma”. Ora um verme não chora. Um verme não chora porque não tem consciência da ofensa que lhe infligem. Se tivesse nem que fosse uma sombra dessa consciência, compreenderia valores como o da dignidade, respeito, individualidade. E nesse caso, todo o campo se lhe tornaria insustentável. No campo só se sobrevive na condição de animal acossado. Pela mesma razão, no campo não há uma meta. O futuro não existe. A ideia de que a vida tem uma finalidade é “propriedade da substância humana”.
Entre estes homens é possível estabelecer uma distinção: não entre bons e maus, mas entre os que sucumbem e os que se salvam. O bom e o mau, o cobarde e o corajoso – todas essas combinações são variáveis em cada um deles, mas presentes em todos. Como cá fora. O que os marca, definitivamente, é a sua capacidade física e moral de sobreviver ou não.
Esta distinção é igualmente ditada pela sua serventia. Os fracos e ineptos são votados à selecção, ou seja, à morte. Os que ainda têm forças e competência são poupados e obrigados a trabalhar.
Vantagem é um conceito fundamental. Quem tem vantagem sobre quem, qual a vantagem em manter vivo alguém. Os outros, morrem sem deixar rasto na memória de ninguém. Estes são os ineptos, aqueles são os proeminentes.
Um aspecto raramente revelado nos filmes e literatura sobre a Segunda Guerra é o da situação de rivalidade e de ódio entre os oprimidos. Primo Levi explica que isso acontece por ser urgente sobreviver: “É preciso lutar contra a corrente, dar batalha à fadiga, à fome, ao frio, não ter piedade dos rivais, aguçar a inteligência, endurecer a paciência”.
É uma luta esgotante de um contra todos. “As personagens destas páginas não são homens. A sua humanidade está sepultada, debaixo da ofensa que sofreram ou que infligiram a outrem. (...) Um homem é o que mantém pura a sua humanidade”.
Mas, a despeito da fome, da fadiga, da dor, não haverá réstia de esperança? A resposta pode ler-se neste excerto: “Se no ano passado nos tivessem dito que iríamos ver mais um Inverno no campo, ter-nos-íamos atirado contra o arame farpado electrificado, e mesmo agora o faríamos se fôssemos lógicos, se não fosse este insensato e louco resíduo de esperança inconfessável”.
O arame farpado electrificado é sempre uma possibilidade. A via do suicídio é sempre uma possibilidade. Mas curiosamente foram poucos aqueles que a escolheram. O processo de bestialização de que são alvo no campo de concentração condu-los a um estado de indiferença. Levi descreve esse movimento e diz que muitos enfrentariam a morte com a mesma indiferença. Para se espernear perante a morte, é preciso estar ainda suficientemente vivo. E aqueles, e aquele prisioneiro que nos deixa este testemunho, confessam: “Já não sou bastante vivo para ser capaz de pôr termo à minha vida”. Já não restam forças para a indignação.
Primo Levi e um pequeno grupo de prisioneiros foram libertados pelos russos no fim da Guerra. Tinham sabido adaptar-se ao campo. Levi, formado em Química, foi poupado por mor de um trabalho num laboratório. Foi assim que foi salvo do gigantesco processo de selecção do último Outubro da Guerra que matou milhares e milhares de judeus. Por fim, em vésperas da chegada dos russos, adoeceu seriamente e foi internado na enfermaria. Por essa razão também se salvou.
Na madrugada de 27 de Janeiro é libertado. “A brecha no arame farpado significava não mais alemães, não mais selecções, não trabalho, não pancadas, não chamadas, e talvez, mais tarde, o regresso”.


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26
Jan18

Quando Cristas se antecipou à Volkswagen na destruição da vida familiar

António Garrochinho


A presidente do CDS-PP, Assunção Cristas, acompanhada pelo deputado e ex-ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares, durante uma visita à creche de Bicesse, Cascais. 19 de Abril de 2016CréditosMiguel A. Lopes / Agência LUSA
A Segurança Social está a preparar uma alteração ao acordo de cooperação que celebrou com as creches frequentadas por filhos dos trabalhadores da Autoeuropa de forma a facilitar o trabalho aos sábados, assumindo a despesa com o alargamento do horário.
Este não é um mecanismo exclusivo à Autoeuropa, sublinhou o Ministério da Segurança Social à Lusa, sendo já aplicado em vários locais em que os pais manifestaram esta necessidade.
Mas a ideia de colocar o Estado a pagar a desregulamentação dos horários de trabalho dos pais não é novidade. Já na discussão do Orçamento do Estado para 2018, em Novembro último, o CDS-PP introduziu a questão através de uma proposta de alteração.

Creches ou depósitos de crianças?

Para permitir uma ainda maior disponibilidade dos trabalhadores para laborarem mais horas, o CDS-PP propôs um pacote de incentivos para que as creches e os jardins de infância tenham horários «flexíveis e alargados».
O objectivo era que os equipamentos para a infância funcionassem de acordo com as necessidades das empresas, adaptando os seus horários aos impostos aos trabalhadores.
Para o concretizar, o CDS-PP pretendia condicionar o financiamento público às Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) de acordo com esse objectivo, assim como permitir que sejam as próprias empresas a criar IPSS financiadas pela Segurança Social «que pratiquem um horário flexível e adequado às necessidades dos seus funcionários».

CGTP: o que é preciso é alterar a legislação laboral

Em comunicado, a CGTP-IN afirma que a intenção de subsidiar o alargamento de horário das creches em resposta à imposição do trabalho ao sábado na Autoeuropa «corresponde a uma perversão do próprio  princípio da conciliação» da vida profissional e da vida profissional, que a Constituição prevê, «que o Governo jamais deveria assumir».
«O que se exige do Governo, e a realidade vem comprovar, é a necessidade da revisão da legislação do trabalho, a redução do horário de trabalho e a garantia dos dois dias de descanso semanal seguidos», acrescenta a central sindical.
Até meados de Fevereiro vão estar em discussão várias iniciativas legislativas do PCP sobre matérias laborais, nomeadamente revogando mecanismos como o banco de horas e a adaptabilidade, e reforçando a garantia de cumprimento dos horários de trabalho e da conciliação da vida pessoal com a vida familiar.

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26
Jan18

MUITO CRIATIVO ESTE HUMOR - Piada do Dia: O Dicionário do Joãozinho

António Garrochinho


A professora aplicou uma prova de vocabulário e ficou surpresa com as respostas do Joãozinho! Veja abaixo:
Abreviatura: ato ou efeito de abrir o carro 
Alopatia: dar um telefonema para tia.
Cálice: ordem para ficar calado.
Caminhão: caminho grande.
Catálogo: ato ou efeito de apanhar coisas rapidamente.
Comediante: adiar uma refeição para comer mais na frente.
Computador: queixa de alguém com dor grande.
Compressa: que está apressado.
Cretino: habitante da ilha de Creta, na Grécia.
Destilado: aquilo que não está no lado de lá.
Detergente: ato de prender um indivíduo suspeito.
piada joãozinho
Determina: ato de prender uma garota.
Diagnóstico: fantasma detectado durante o dia.
E-mail: metade de um coisa.
Esfera: animal feroz domesticado.
Filosofia: é apenas um filho da Sofia.
Imbróglio: página da internet gratuita onde muita gente está envolvida.
Leilão: mulher chamada de Leila que é muito alta.
Leptospirose: vírus que infetam laptop.
Carma: expressão mineira para evitar o pânico.
Locadora:  mulher maluca chamada Dora.
Morfologia: ciência que estuda o morfo. 
Novamente: indivíduo que renova sua maneira de pensar.
Pianista: mulher que passa o dia na pia lavando louças.
piada joãozinho
Quartzo: partze ou aposentzo de um apartamentzo.
Razão: lago muito extenso, mas pouco profundo.
Rodapé: aquele que tinha carro, porém agora está a pé.
Simpatia: concordando com a irmã da mãe.
Sossega: afirmação de que não enxerga.
Talento: coisa muito devagar.
Típica: o que o mosquito te faz.
Unção: erro de concordância verbal muito comum. O certo é 'um é'. 
Vatapá: ordem do prefeito para tapar os buracos na rua.
Viúva: ato de ver uma uva.
Volátil: sobrinho avisando onde vai.
Agora ela pensa: "Que nota devo dar a ele? Zero por que está tudo errado, ou 10 pela criatividade?"



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