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POESIA E MÚSICA DA RESISTÊNCIA

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25
Fev18

VEJA AQUI O COMPLEXO E HIPNOTIZANTE FABRICO DO SABÃO NABULSI NA CISJORDÂNIA

António Garrochinho



O sabão de Nabulsi é um tipo de sabão produzido apenas em Nablus na Cisjordânia, Palestina, cujos principais ingredientes são o azeite virgem (o principal produto agrícola da região), a água e um composto alcalino de sódio. Tradicionalmente feito por mulheres para uso doméstico, tornou-se uma indústria significativa para Nablus no século XIV. Mas praticamente inexiste na atualidade depois da ocupação militar israelense. Em 2014, o cineasta norueguês Eirik Moe registrou imagens incríveis do processo tradicional da fabricação do famoso e artesanal sabão que você verá neste vídeo.

A câmera de Moe filmou o processo incrivelmente intensivo de mão-de-obra desde a retirada do sabão líquido, espalhando-o sobre uma folha de plástico no chão, que são cortados e estampados depois da secagem, quando então são empacotados um a um antes de chegar ao consumidor.

VÍDEO

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25
Fev18

Porque está saindo água desta árvore em Montenegro?

António Garrochinho



Muitas pessoas arquearam as sobrancelhas com um vídeo postado recentemente nas redes sociais sobre um fenômeno natural único que acontece em uma vila chamada Dinoša, localizada no sudeste de Montenegro, o pequeno país na costa do Adriático. Muitos acham que se trata do trabalho de um encanador troll que instalou tubulações em uma amoreira solitária no prado, que que se transforma em uma fonte abundante sempre que chove muito. De uma cavidade no tronco da árvore, é possível ver a água jorrando.


A explicação mais plausível, no entanto, é que as chuvas torrenciais inundam as fontes do lençol freático e a pressão adicional criada pela inundação empurra a água para cima do tronco da árvore através de rachaduras ou cavidades no tronco, até que seja derramada para fora do buraco a poucos metros acima do solo.

VÍDEOS



Como você pode ver nos vídeos, o solo é bastante pantanoso indicando grande quantidade de água subterrânea. É possível ver também outras gargantas de outros buracos no prado. Toda a área parece fluir como um riacho.



De acordo com morador local, isso vem acontecendo nos últimos 20-25 anos ou talvez até mais. Ele estima que a árvore tenha mais de 100 a 150 anos.

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25
Fev18

O dia em que os americanos nazistas realizaram manifestações em massa no Madison Square Garden

António Garrochinho
Pouco depois da nomeação de Adolf Hitler como chanceler da Alemanha em janeiro de 1933, os nazistas consolidaram o controle sobre o país. Tentando cultivar o poder além das fronteiras da Alemanha. Foi assim que o Delegado do Führer, Rudolf Hess, encarregou o imigrante germano-americano Heinz Spanknobel de formar uma forte organização nazista nos Estados Unidos. Combinando dois pequenos grupos existentes, Heinz formou os Amigos da Nova Alemanha em julho de 1933.

O grupo contava tanto com alemães quanto americanos de ascendência alemã entre seus membros e defendia fortemente a causa nazista.
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17 de maio de 1934
Fizeram diversos atos públicos e chegaram a invadir os escritórios do maior jornal de língua alemã de Nova York.
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17 de maio de 1934
Contrários aos boicotes judeus a empresas alemãs, realizaram comícios usando a suástica em uniformes preto e branco.
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17 de maio de 1934
Heinz acabou sendo deportado em outubro de 1933 por não se registrar como agente estrangeiro.
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18 de maio de 1934
Dois anos depois, Hess pediu que os líderes dos Amigos retornassem à Alemanha e que todos os cidadãos alemães deixassem a organização.
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18 de maio de 1934
Após a dissolução dos Amigos, um grupo sucessivo, oficialmente desconectado do governo alemão, foi formado: o German American Bund.
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6 de outubro de 1935
O Bund continuou as campanhas de anti-semitismo, anti-comunismo, devido a já relação tensa com Moscou, e retórica violenta.
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5 de outubro de 1936
A verdade é que o Bund era uma grande salada que misturava nazismo com o simbolismo patriótico e pró-americano, sustentando retratos de George Washington.
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20 de fevereiro de 1939
O Bund atingiu o auge de sua proeminência em 20 de fevereiro de 1939, quando cerca de 20 mil membros realizaram um "Rali Pro-América" ??no Madison Square Garden.
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20 de fevereiro de 1939
No interior, os adeptos nazistas preencheram todos os corredores enquanto os palestrantes falavam contra o presidente Frank D. Rosenfeld e seu "Acordo dos judeus".
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20 de fevereiro de 1939
Do lado de fora, cerca de 80.000 manifestantes anti-nazistas protestavam furiosamente contra o evento, entrando em choque com a polícia e tentando entrar na arena visando acabar com aquela manifestação.
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20 de fevereiro de 1939
O Bund foi finalmente dissolvido no final de 1941 com a declaração de guerra dos Estados Unidos contra a Alemanha nazista.
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20 de fevereiro de 1939
Abaixo da última foto há uma história e um vídeo assustador que provavelmente você ainda não viu.
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20 de fevereiro de 1939
O momento em que um encanador invadiu o recinto gritando "Fora Hitler!!!"
Conforme comentávamos no prólogo, o 20 de fevereiro de 1939, marcou o dia em que 20.000 norte-americanos nazistas se reuniram no Madison Square Garden, na mesma época em que Hitler terminava de levantar seu sexto campo de concentração na Europa. O ato, organizado pelo German American Bund contou com o discurso de Fritz Kuhn, naturalizado cidadão americano cinco anos antes do evento.

Senhoras e Senhores, queridos americanos, patriotas americanos", começou seu discurso Kuhn. - "Certamente vocês sabem quem sou pela imprensa controlada pelos judeus (...) Exigimos que nosso governo seja devolvido à gente que o fundou, lutamos por uma sociedade americana regida por brancos e não judeus; queremos sindicatos livres de judeus e da dominação de Moscou", dizia o orador quando há um alvoroço no seu lado esquerdo seguido de um grito

" - "Fora Hitler", gritou um homem que conseguira invadir o estádio. Rapidamente foi controlado por um grupo de guardas que o surraram fortemente. Os nazistas americanos presentes celebravam a cada pancada.

Seu nome era Isadore Greenbaum, um encanador do Brooklyn que não suportou ver tantos compatriotas anti-semitas juntos. Sua proeza foi relembrada recentemente com a recuperação de imagens inéditas daquela noite. O curta-metragem chama-se "A Night at the Garden" ("Uma noite no Garden") e inclui cenas do interior do Madison Square Garden durante o evento. O vídeo é um pouco assustador já que mostra uma ostentosa cerimônia nazista paramentada com bandeiras americanas. Até o hino cantaram.

VÍDEO

Acione as legendas se necessário
Greenbaum tinha 26 anos, vivia com sua mulher Gertrude e seu pequeno filho. Estava no meio da turba que se manifestava do lado de fora do estádio. Dizem que não planejava intervir, mas à medida que o discurso e a parafernália nazista seguia seu curso se enfureceu e reagiu.

Na época sua mulher precisou juntar 25 dólares para pagar sua fiança para que não ficasse 10 dias preso. Dois anos depois, os EUA entraram na guerra e o encanador do Madison Square Garden se alistou no Exército.

Quando volotou da guerra, Greenbaum e sua esposa se mudaram para o sul da Califórnia, onde passou o resto de sua vida. Ele morreu em 1997



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25
Fev18

Debaixo deste sobreiro há sexo, suicídio, abates e um caçador — e talvez um prémio europeu

António Garrochinho



O Sobreiro Monumental é o favorito ao prémio Árvore Europeia do Ano 2018. É o maior e mais velho da sua espécie — e debaixo da sua sombra cabem histórias de sexo, suicídios, crimes e caçadores.
Entre os que vivem em Águas de Moura, aldeia do concelho de Palmela, só quem anda a dormir é que não sabe que o Sobreiro Monumental vai a prémio. São 234 anos que aquele tronco carrega, além dos 16 metros de altura e tantos de perímetro que são precisas pelo menos cinco pessoas para conseguir abraçá-lo. É considerado Monumento Nacional desde 1988 e o Livro de Recordes do Guinness diz que é o maior e mais velho do mundo. E, agora, é uma das 13 árvores que concorrem ao prémio da Árvore Europeia do Ano 2018.
“Claro que sei do concurso, então não se fala de outra coisa além disso”, atesta Manuel Aldino, homem de 84 anos que muitas vezes tem de mostrar o bilhete de identidade para mostrar que “são mesmo 84 anos, sim senhor”. “E também parece que vai à frente no concurso, não é assim?”, pergunta o reformado à presidente da Junta de Freguesia, Cecília de Sousa. “Estamos à frente!”, diz, orgulhosa.
A votação começou a 1 de fevereiro e termina no dia 28 do mesmo mês — e o resultado final será conhecido a 21 de março, dia internacional das florestas. Na última semana, os números das votações passaram a ser secretos. Mas, antes disso, o Sobreiro assobiador — o nome com que se apresenta ao concurso, designação essa que, já lá vamos, é pouco consensual — tinha cerca de 19 mil votos, mais de 2 mil do que o principal adversário, o “Ancião das Florestas de Belgorod”, um carvalho russo.
“Cada vez que vou ao telemóvel vou ver como é que está a minha árvorezinha.”
Cecília Sousa, presidente da União das Freguesias de Poceirão e Marateca
Manuel Aldino não votou no sobreiro — “não me entendo bem com isso da internet” — e Luís Bastos, o amigo dois anos mais novo que tem ao lado, também não — “e eu então ainda menos” — apesar dos esforços da presidente da Junta de Freguesia. “Cada vez que vou ao telemóvel vou ver como é que está a minha arvorezinha”, diz. Votou no sobreiro, claro, mas também teve de votar noutra árvore. “São as regras”, explica. Mas já não se lembra de qual era. “Só sei que era a que tinha menos votos. Teve de ser, para não ajudar uma mais forte. É estratégia.”
Pouco passa da hora do almoço e Manuel Aldino e Luís Bastos, de 82 anos, estão sentados na esplanada do restaurante e café Cantinho do Céu — e estão os dois sentados de maneira a verem do céu pouco mais do que um cantinho. O sol está forte e só não bate de frente na cara porque os dois homens a escondem à sombra do expositor dos editais da Junta de Freguesia. Aos poucos, a Terra lá vai girando e o Sol começa a bater na cara de Luís Bastos. Quando chega essa altura, dá uma cotovelada no parceiro do lado. “Manuel, vá, chega-te para aí que já tenho o sol nos cornos”, diz. E lá se vão chegando os dois para a esquerda. Enquanto isso, a presidente da Junta de Freguesia sai — “é uma freguesia que dá muito trabalho, são 282,5 quilómetros quadrados” — e junta-se-lhes Manuel Peixoto, de 59 anos.

Luís Bastos, Manuel Aldino e Manuel Peixoto conhecem bem o sobreiro, mas não reconhecem o nome "Sobreiro Assobiador", que é como ele está registado no concurso (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)
É assim todas as tardes. Falam do que lhes apetece. Por exemplo, da juventude que já lá vai.
“Quem me dera ter essa idade agora”, suspira Manuel Aldino.“Quem me dera? Ainda bem é que estou livre dessa idade!”, responde-lhe Luís Bastos. “Nessa idade andava aí a fuçar no chão que nem um porco. Agora não. Agora é só na gamela!”
Outro tema recorrente é o jogo da malha, que deixou de haver no campo de futebol. Manuel Peixoto fala com saudade e mágoa. “Era uma coisa tão boa, pá”, diz. “Mas, sabem como é, as pessoas bebem e depois não se controlam”, acrescenta, sem aprofundar o problema que para ali se deu. “Não vale a pena.”
Também se fala da virilidade que, com a idade, já vai esmorecendo. É uma das maiores angústias de Luís Bastos. “Isto agora já não dá para nada”, lamenta-se, olhando para a zona pélvica. “Só debaixo da salamandra. Aí tem de ser. Ou ele levanta ou eu morro queimado!”
E também da sobreiro, claro. “Então e que histórias é que há ali do sobreiro?”, perguntamos-lhes. “Oh, há tantas”, diz Manuel Aldino.

Euro 2000, Portugal – Roménia — ou uma boa altura para abater sobreiros ilegalmente e construir vivendas

As coisas não andavam fáceis. Ainda cinco dias antes a seleção portuguesa tinha feito uma das reviravoltas mais memoráveis do futebol luso, ao virar um 0-2 contra Inglaterra para um 3-2 em pouco mais de meia hora de jogo. Mas, uma mão cheia de dias depois, não havia maneira de marcar contra a Roménia. Figo, João Pinto, Nuno Gomes, os marcadores contra os ingleses lá iam tentando — mas, na baliza do romeno Bogdan Stelea, não havia maneira de meter uma bola.
Em Águas de Moura, como um pouco por todo o país, as atenções centraram-se naquele jogo de futebol. Até que se começou a ouvir um barulho enorme e contínuo, vindo dos fundos. “Era um terramoto que estava ali”, diz Manuel Aldino.
“Terramoto” é a metáfora encontrada pelo homem de 84 anos para descrever algo bem concreto que ali se passou. No dia 17 de junho, pelas contas que o jornal Público fez à altura, “quatrocentos e onze sobreiros foram (…) arrancados por cinco potentes retroescavadoras” numa “operação-relâmpago, que foi executada em poucas horas durante o fim-de-semana”.
“E só não arrancaram mais porque se chamou a GNR”, recorda Manuel Peixoto. “Se não ia tudo.”
“Foi tudo de surpresa. Apareceram aí com a maquinaria toda e foi tudo a eito. Eu quase não saí de casa, para não ter nada a ver com aquilo. Mas aquilo, a bem dizer, até meteu medo. Era com cada estrondo…”
Manuel Aldino, 84 anos, habitante de Águas de Moura
O assunto teve honras de abertura da secção local do Público dois dias depois do sucedido, num artigo que sublinhava que o abate daqueles sobreiros foi feito “contra o parecer vinculativo das direcções-gerais das Florestas e da Agricultura”.
O terreno em questão, que pertencia então a uma empresa imobiliária do Montijo chamada Urbimetas, era considerado pela Câmara Municipal de Palmela como zona de expansão urbana — mas, sem autorização das autoridades florestais, era proibido abater os sobreiros. Ainda assim, o abate das mais de quatro centenas de sobreiros foi para a frente. Na altura, a lei que garantia a proteção dos sobreiros e azinheiras, elaborada em 1997, não impedia que os terrenos onde estes fossem abatidos — com ou sem autorização — dessem lugar a construções.
“Afinal não há lei que os proteja”, escreveu Helena Freitas, então presidente da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), num texto de opinião no Público. “Se não houver coragem para mudar as fragilidades da actual legislação que protege o montado de sobro e azinho, perspectiva-se a rápida destruição destas áreas, sobretudo nas zonas de maior pressão urbanística e expansão demográfica.”
Em 2001, uma nova lei para proteger o sobreiro e a azinheira foi aprovada em conselho de ministros, já na fase final do segundo mandato do ex-primeiro-ministro António Guterres. Nela ficou estabelecido que, em caso de abate ilegal daquelas duas espécies, se seguiria um prazo de 25 anos em que a construção seria proibida no terreno em questão.
Ora, como o abate foi em 2000 e a reforma da lei foi em 2001, onde havia sobreiros há agora várias vivendas, as mais vistosas e amplas da aldeia, que ali viu chegar gente nova pela Ponte Vasco da Gama.
Poucos esquecem o dia do abate ilegal dos 411 sobreiros. Manuel Aldino recorda como o tal “terramoto” que se ouviu um pouco por todo o lado aconteceu “num abrir e fechar de olhos”. “Foi tudo de surpresa. Apareceram aí com a maquinaria toda e foi tudo a eito. Eu quase não saí de casa, para não ter nada a ver com aquilo. Mas aquilo, a bem dizer, até meteu medo. Era com cada estrondo…”, recorda.
Adélia, mulher de 73 anos que mora perto do terreno onde as retroescavadoras laboraram, também não esquece aquele dia. “Foi tudo durante o jogo”, diz. “Não sei se havia legalidade ou não, eu disso não sei. Mas que foi rápido, foi!”
O mesmo não se pode dizer da memória dos autarcas. Cecília Sousa nega conhecer o caso e comenta, em contramão com os factos de então, que “se as árvores foram abatidas foi porque houve autorização”. E o presidente da Câmara Municipal de Palmela, Álvaro Amaro, que entrou em funções em 2013, também não está recordado. “Aqui em volta não houve, que eu saiba, abates. Nessa altura não estava envolvido nisso. Mas foi aqui? Aqui neste loteamento? Não tenho conhecimento. Mas alguém teve de dar autorização para isso. Não estava próximo da câmara nessa altura”, refere.

Álvaro Amaro, presidente da Câmara Municipal de Palmela, a ser entrevistado por Rob McBride debaixo do sobreiro de Águas de Moura (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)
Mais à frente, os dois autarcas já mudam o discurso. “Agora que me fala disso já me estou a recordar um pouco, sim”, continuou Álvaro Amaro. “Mas pelo que me lembro as pessoas nem se importaram muito com isso”, acrescentou. “Pois não”, assentiu a presidente de junta de freguesia.
Do caso, parece restar apenas esta história. Na imprensa da altura, nada mais se escreveu sobre o tema além daquilo que o Público fez. Na Quercus e da LPN, ambas consultadas pelo Observador, não há memória nem registo de qualquer desenvolvimento do caso.
No jornal Público, era feita uma ressalva que nos permite escrever este artigo em 2018. “Poupado foi também o exemplar mais valioso de todo o montado, um sobreiro gigantesco, considerado o maior do mundo, e classificado como monumento nacional”, lê-se.
Trata-se, já deu para perceber, do sobreiro que se habilita agora a vencer o prémio de melhor da Europa. Coisa que a seleção portuguesa não conseguiu em 2000 — apesar de ter conseguido vencer a Roménia, com um golo de Costinha, aos 94 minutos de jogo.

“Sobreiro assobiador? Essa é nova…”

Mas, afinal, como é que se chama o sobreiro?
Quem chega ao site do concurso, fica a conhecê-lo como o “Sobreiro Assobiador”. “O Assobiador deve o nome ao som originado pelas inúmeras aves que pousam nos seus ramos”, lê-se na apresentação da árvore.
Também a presidente de junta lhe chama “assobiador”, embora refira que este “é um nome mais recente”. E, depois, oferece uma explicação diferente daquela que o site propõe. “Tem a ver com a copa frondosa e com os assobios da árvore”, explica a autarca.
De seguida, a comunista — o concelho de Palmela e esta freguesia foram sempre governados pela CDU — admite que há outro nome. É o “Sobreiro Casamenteiro”. “É conhecido assim porque as famílias de etnia cigana faziam ali dias e dias de festa quando se casavam. Como a árvore é muito frondosa, albergava a família toda”, refere Cecília Sousa, acrescentando que esta é uma tradição “antiga” e que já não acontece.
Mas essa não é a única explicação para o cognome “Casamenteiro”. O presidente da câmara municipal diz antes que assim se chama “porque dizem que debaixo desta árvore se namora e se arranjam muitos casamentos”.
Apesar da multiplicidade de nomes e razões por trás destes, nenhum parece colher entre os locais ouvidos pelo Observador. Adélia, que leva na cara um sorriso desconfiado, diz: “Eu nunca ouvi para lá assobio nenhum. E de casamenteiro também não sei nada. Eu cá casei-me em Palmela”.

Adélia vive perto do sobreiro e guarda várias histórias em torno da árvore — desde o homem que se matou nela ao dia em que abateram 411 sobreiros contra a lei (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)
O ceticismo também reina debaixo da sombra do expositor dos editais. Manuel Aldino diz que nunca ouviu falar em tais nomes. “A gente chama-lhe é o sobreiro grande, pronto”, diz, não muito longe das setas de trânsito que apontam para o “Sobreiro Monumental”. “Que ele é grande a gente tem a certeza”, remata.
Luís Bastos também tem outro nome, com alguma ressonância nas ideias anteriormente expostas. “Aquilo para mim é o sobreiro dos ciganos, porque era lá que eles acampavam. Agora já não, porque já sabem que têm a GNR à perna”, explica.
Mas, depois, lembra-se de outro nome. Ainda agora o inventou e já se está a rir. “Podiam era ter-lhe chamado o sobreiro da foda!”.
A sugestão arranca umas boas gargalhadas aos três homens — e dá para ver que já vêm aí mais umas histórias.

Um sobreiro onde uns começam vidas e outros acabaram com a própria

Luís Bastos explica que, antigamente, o montado era um poiso de namorados cujos ardores não podiam ser efetivados em casa, pelo menos enquanto a família lá estivesse. Por isso, os sobreiros, seja o maior deles todos, os 411 que foram abatidos, ou os outros mais pequenos que ainda lá estão, eram o local escolhido pelos pares. “Aquilo era cada sobreiro, cada quarto”, recorda Luís Bastos.
Assim continuou ao longo dos tempos, inclusive depois do tal jogo Portugal – Roménia. A maioria dos encontros primam pela discrição, mas por vezes esta não entra equação. Foi o caso de um casal adúltero que, dentro de uma carrinha de caixa aberta, ali estacionou para levar a sua avante.
“Deixaram a carrinha ligada, para terem o aquecimento ligado, que com frio não se faz nada”, explica Luís Bastos. “E, pronto, fizeram o que tinham a fazer e por lá se deixaram ficar. Ficaram ali horas e horas. Quando foram dar por eles, o motor ainda estava ligado. Aqueceu tanto que o tubo de escape já estava em brasa. Parecia um OVNI!”
É bastante provável que, entre todas estes encontros, a vida de alguns água-de-mourenses ali tivesse começado. “Ah, isso é o mais certo!”, afiança Luís Bastos. Mas, em matéria de vida, também já houve quem ali decidisse acabar com ela.
“Enforcou-se ali um homem, 70 e poucos anos. Morreu quase com os pés no chão, coitado."
Adélia, 73 anos, habitante de Águas de Moura
“Foi há três ou quatro anos”, conta Adélia. “Enforcou-se ali um homem, 70 e poucos anos. Morreu quase com os pés no chão, coitado. Mas se calhar até foi o melhor para ele, cada um tem as suas razões.”
Só depois do facto é que Adélia soube entender os sinais. Um dia, passeava com uma amiga quando foi interpelada pelo homem que viria a matar-se. Este interpelou a companheira de Adélia, perguntando pelo marido desta, que estava doente. “Posso ir lá vê-lo? É que se não for hoje, já não o vejo”, disse. A conversa ficou por ali.
No dia seguinte, por volta das 8h00, Adélia conta que viu o homem a passar à sua porta, com um banco na mão. Outros repararam no mesmo, pensando que ia a caminho do centro de saúde, preparado para se sentar na fila. Mas não. Mais à frente na manhã, deram com ele pendurado numa das pernadas do sobreiro. À sua volta, formou-se uma pequena multidão até o corpo ser recolhido.

O caçador de árvores inglês

Rob McBride avança para o sobreiro com o telemóvel em punho, com a câmara de filmar ligada, para um vídeo transmitido ao vivo no Facebook. Os movimentos saem-lhe trémulos, perante o entusiasmo. “Há muitos anos que esperava vir a Portugal para ver os sobreiros”, diz, para os quatro espectadores da gravação.
“Aos apreciadores de vinho que estão a ver isto, vocês estão em dívida para com esta árvore”, diz-lhes. E lança um apelo, depois de virar a câmara para em sua direção, em jeito de selfie. “A todos os que bebem vinho: acabem com as rolhas de plástico! Queremos rolhas verdadeiras!”
Rob McBride é o nome que este inglês leva no bilhete de identidade, mas é por Tree Hunter (Caçador de Árvores, em português) que é mais conhecido. Há vários anos que acompanha o prémio da Árvore Europeia do Ano — e, este ano, decidiu que ia ver todas as árvores a concurso. As coisas acabaram por não correr totalmente de feição — em Londres o acesso foi-lhe barrado, não teve dinheiro para o visto para a Rússia e falhou a Croácia e a Roménia, porque a mulher adoeceu —, mas também não têm corrido mal.
Antes de chegar a Portugal, já viu as árvores a concurso na Bélgica, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria e Bulgária. E, pela frente, vai visitar a última da lista, em Espanha. Porquê? “Porque é muito divertido.”

O sonho de Rob McBride é ter um programa sobre árvores e viagens na BBC, mas diz que a "brigada do politicamente correto" não o permite (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)
Rob McBride passou a dedicar grande parte do seu tempo e dedicação a árvores depois de ter um esgotamento nervoso. Em 2004, trabalhava como programador de software. “Era muito trabalho, muita pressão, isso tudo”, conta, para depois rematar com uma palavra que profere com o desprezo bem marcado na voz: “Tecnologia…”.
Esteve “muito doente”, durante quase dois anos. Aos poucos, conseguiu curar-se — com árvores. “Comecei a fazer trabalho voluntário, de jardinagem, a tratar de árvores, só para cansar o corpo. Depois, comecei a plantá-las”, conta.
“Eu queria ter um programa na BBC, só sobre viagens e árvores. Mas eu sou de meia idade, casado, heterossexual, inglês e homem. Não entro em nenhuma categoria que entre nas exigências da agenda deste novo progressismo social. É a treta da igualdade e a brigada do politicamente correto.”
Rob McBride, "caçador de árvores" inglês
O tempo foi passando e começou a enturmar-se com “a comunidade de caçadores de árvores europeia”. Sentou-se em pubs com especialistas, falava com outros em fóruns na internet e arranjou um emprego como jardineiro, que manteve durante quatro anos, até um problema nos braços o ter obrigado a largar a profissão. Mas não largou as árvores.
Os seus planos passam por começar uma visita guiada pelo arvoredo de Ellesmere, a vila onde vive, perto da fronteira com o País de Gales. Mas aquilo que verdadeiramente queria fazer parece estar fora do seu alcance. “Eu queria ter um programa na BBC, só sobre viagens e árvores. Mas eu sou de meia idade, casado, heterossexual, inglês e homem. Não entro em nenhuma categoria que entre nas exigências da agenda deste novo progressismo social”, diz. “É a treta da igualdade e a brigada do politicamente correto.”
Por isso, continua, está confinado a viajar por conta própria, sem uma câmara de televisão permanentemente atrás de si. Para pagar esta viagem, trabalhou dois meses como repositor de prateleiras num supermercado. “Foi bom, perdi quatro quilos. Mas agora com a viagem já os ganhei”, conta.

“Incredible. Incredible!”

Rob McBride chegou a Águas de Moura com Nuno Calado, secretário-geral da União da Floresta Mediterrânica (UNAC), a entidade responsável pela candidatura do “Sobreiro Assobiador” ao prémio da Árvore Europeia do Ano 2018. À sua espera, tinha o presidente da Câmara Municipal de Palmela, a vereadora para o ambiente e a presidente da junta. Só faltou receberem-no com uma passadeira vermelha, mas a relva parece ser mais o seu género.

Esta foi a primeira vez que Rob McBride viu um sobreiro. Debaixo do "Sobreiro Monumental", fez vários vídeos em direto para o Facebook. Aqui, entrevista Nuno Calado, da UNAC (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)
Perante os autarcas, Rob McBride agradece as boas-vindas e pede para entrevistá-los, em vídeo. O presidente da câmara acede, desde que possa falar em português. E é na língua de Camões que, institucional, descreve o sobreiro: “É um magnífico exemplar de uma espécie que estimamos e protegemos no município”.
Depois da entrevista, Rob McBride desdobra-se em fotografias com os autarcas, pedindo-lhes que segurem uma t-shirt vermelha, contra o abate de árvores em Sheffield, cidade no Norte de Inglaterra. “O que está a acontecer lá é o pior massacre de árvores do mundo”, garante.
Contamos-lhe que, há 18 anos, também ali houve árvores a serem derrubadas. A novidade parece estragar-lhe um pouco o dia. “Isso foi um bocado sombrio”, conta. E, embalados pelos relatos de quem ali vive, contamos outras tantas. “IncredibleIncredible!”, suspira.
Perante a reação, perguntamos-lhe, afinal, o que acha da árvore e se ela vai ganhar. “Bom, quanto a isso é melhor esperar. Mas é uma bela árvore”, comenta. Optou por ser politicamente correto, está visto.
Texto de João de Almeida Dias, fotografia de João Porfírio.



observador.pt
25
Fev18

A visão do Império e dos usurários - FMI preocupado com o aumento multimilionário do salário mínimo

António Garrochinho

A visão do Império e dos usurários

FMI preocupado com o aumento multimilionário do salário mínimo 

A missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) que avalia Portugal, censura o aumento do salário mínimo, vê pressões já em marcha que aumentam demais os custos laborais, o que pode causar danos sérios à competitividade da economia, alerta a equipa de avaliadores no estudo sobre a sexta missão de vigilância do pós-programa de ajustamento, divulgado esta sexta-feira. Na resposta, o governo mostrou ceticismo quanto aos riscos referidos, mas até tranquilizou os credores: “As autoridades declararam que as reformas do tempo do programa de ajustamento não estão em causa, indicando que tencionam continuar a reduzir a segmentação do mercado laboral”, revela o novo relatório
Em todo o caso, a missão confia que a economia cresça tanto quanto diz o governo (2,2% em 2018), aliviando depois para 1,8% em 2019. O desemprego de 2018 é fortemente revisto em baixa face às previsões de Bruxelas em novembro, de 8,3% para 7,8% da população ativa. No orçamento, o governo até espera pior: 8,6%. A economia portuguesa, dizem os avaliadores, está a progredir relativamente bem, os riscos que corre são sobretudo externos. Do lado orçamental a dívida é realmente o problema pois deixa o país “vulnerável” a aumentos das taxas de juro no futuro, mas o défice parece estar a descer, devendo cair para 1,1% do produto interno bruto (PIB) este ano e 0,9% no próximo, ano de eleições, refere o estudo. Muitas críticas nos salários e no mercado laboral O Fundo está mais inquieto é na questão salarial e na tentação de reverter mais medidas do tempo da troika. Diz, por exemplo, que a decisão de subir o salário mínimo (SMN) para 580 euros em 2018 “pode contribuir para aumentar os custos do trabalho no ano que vem, já que o SMN cobre cerca de um quinto dos empregados a tempo inteiro”. Segundo a missão, o governo desvalorizou estes avisos, “expressando ceticismo relativamente aos riscos potenciais do aumento nos custos do trabalho”, relata equipa do Fundo, que agora é liderada pelo economista mexicano, Alfredo Cuevas. Outro tema abordado foi a necessidade de travar mais reversões de medidas do tempo da troika introduzir novas alterações às leis laborais no sentido de dar mais flexibilidade à circulação de pessoas entre empresas. O FMI toma nota dos incentivos financeiros no sentido de desencorajar os contratos temporários (a prazo e outros ainda mais precários), mas avisa que “as reformas do tempo do programa para tornar a contratação e a negociação coletiva mais flexíveis devem ser salvaguardadas”. “Contratos permanentes têm de ser mais flexíveis” “Os contratos permanentes devem ser tornados mais flexíveis em vez de se restringir apenas os contratos temporários D.V.


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25
Fev18

Comédia séria sobre a crise financeira

António Garrochinho


(Le Monde Diplomatique – maio 2011)
Comédia séria sobre a crise financeira



* Economista. Este texto é extraído do seu livro D’un retournement l’autre. Comédie sérieuse sur la crise financière, en quatre actes, et en alexandrins, Seuil, Paris, nas livrarias a 5 de Maio de 2011.
A crise financeira em versos alexandrinos? Mas que ideia, deuses meus… Em primeiro lugar, talvez, porque as misturas produzem efeitos por si mesmas, e porque a mistura entre a língua do teatro clássico, com todo o seu universo de refinamento à Luís XIV, e a absoluta vulgaridade do capitalismo contemporâneo passa um pouco por aí.
Sabe-se que o alexandrino é adequado à pompa de um Bossuet ou à tragédia de um Racine, mas também o sabemos capaz de fazer rir, talvez mais ainda se for um pouco adulterado –, e essa vantagem não é pequena quando, ainda por cima, estamos numa período em que tudo dá vontade de chorar. Aplicar uma forma, conhecida como capaz de acompanhar os grandes sentimentos, às mais miseráveis manobras da finança à rédea solta é, assim, talvez uma das maneiras de não ceder completamente ao desespero quando, precisamente, vemos estas manobras triunfarem na realidade.
Os amigos do mundo tal como ele está regozijam-se por ver no exercício possível do escárnio o sinal incontestável das nossas maravilhas liberdades e da nossa vitalidade «democráticas». Mas é exactamente o inverso! Passado um certo grau de generalização, o escárnio devia ser sobretudo tomado como um sintoma inquietante, o de um estádio de deterioração democrática em que, sendo todos os protestos ignorados, tendo todos os mediadores deixado de mediar, tendo todos os «representantes» traído a representação, já não resta mais nada à massa dos governados que não seja a opção de se rir; uma aposta desesperada, daqueles para quem o escárnio, a única coisa que lhe resta, é a arma de último recurso, antes talvez de se virarem brutalmente e tombarem no chão.
Aqui, o verso alexandrino empresta toda a sua ambivalência: escarnece à vontade e faz dos enfatuados ridículos, mas pode também procurar uma nuvem escura e anunciar tempestades. Não são exactamente os da tragédia se a entendermos como o confronto de dois bons direitos irreconciliáveis ou de duas exigências igualmente legítimas. Por uma vez podemos economizar em complexidade: o horizonte do capitalismo financeiro não é trágico. É simplesmente odioso.
ACTO III
Cena 2
O gabinete do presidente da República, os banqueiros – acabados de escapar do desastre pela intervenção do Estado. E, no meio deles, um conselheiro um pouco especial, voz improvável da crítica ao sistema no coração do sistema.
O BANQUEIRO
Presidente, Senhoria, do país a douta imagem,
Permiti que vos prestemos a nossa grata homenagem.
Primeiro à vossa acção, decidida, incomparável,
Que conseguiu afastar tudo o que é inominável.
Mas depois também à vossa enorme sabedoria,
Que nos dá grande prazer e muita, muita alegria
Por aceitardes ouvir estes amigos antigos,
Que de vós vêm afastar maus conselhos e perigos.
O QUARTO BANQUEIRO
Nós sabemos bem qual é do povo a opinião,
Tudo aquilo que prepara, toda a grande agitação.
Ouvimos gente na rua, incendiada e a gritar,
Que quer punir nossos pares e fazer-nos degolar.
O povo não sabe nada, está entregue aos demagogos,
Exagero e acção cega são os seus violentos jogos.
Nada mais que paixão bruta e impulsos desvairados,
Muitos focos de tensão e furores descontrolados.
O TERCEIRO BANQUEIRO
Mas o pior, Excelência, é o bando oportunista,
Sem vergonha e excitando toda a fibra populista.
Eles infestam os espíritos com ideias de desnorte
E já só nos querem ver numa câmara de morte.
Até mesmo os moderados são bastante perigosos,
É claro que nos parecem bem menos perniciosos,
Não tendo eles um projecto para nos erradicar,
Não deixam, apesar disso, de nos querer regular…
O BANQUEIRO
Não é preciso intervir, nosso caro Presidente,
Nada disto passará de um mero inconveniente.
Mas o que é que querem eles? Mais rigor e mais lisura?
Nem pensar, tudo não passa de uma enorme e vã loucura.
O mercado, desta crise, deve sair com mais força,
Embora possa sofrer, às vezes alguma mossa.
Mas se toda a natureza tem ciclos, como sabeis,
Não há nenhuma razão para fazer novas leis.
Quem quereria impedir o regresso das estações,
Travar todos os planetas nas suas revoluções?
Aos mercados nós devemos este tipo de saber,
A estas flutuações é preciso aquiescer.
Regular é contrariar toda a ordem natural,
Que nos traz sabedoria, sempre providencial.
São perturbantes, é certo, mas não há que as temer:
Devem ser aceites sempre e temos de as sofrer.
Afinal é pouca coisa, ouso dizer quase nada
Face a tanta maravilha, à riqueza tão falada,
Que o mercado nos oferece, sem qualquer preço cobrar.
É isso, Vossa Alteza, que temos de preservar.
O SEGUNDO BANQUEIRO
Claro, Vossa Majestade, que uma crise andou no ar,
Mas o que é mais importante é não desmoralizar.
Foi apenas um incidente, que causou algum furor,
Mas o vento já voltou a estar a nosso favor!
E não será isso a prova, mais evidente e suprema
De que não há qualquer razão para mudar este sistema?
O TERCEIRO BANQUEIRO
E veja, senhor Presidente, com a sua sabedoria
Tudo aquilo que a finança oferece à economia:
Dirigimos bem o crédito, alocamos capital,
Nós fazemos circular o seu fluido mais vital.
Tudo aquilo que inventamos, com amor e com audácia
Pretende sempre trazer mais rigor e eficácia.
Quando agimos e fazemos, o que está nas nossas mãos,
Nós só pensamos no bem dos nossos concidadãos.
Mas para seu benefício e maior satisfação
Ninguém pode interferir na nossa nobre missão.
Aqui estamos a assumi-la, com um grande entusiasmo –
A regulação, essa sim, é que conduz ao marasmo.
O NOVO SEGUNDO CONSELHEIRO
ao terceiro conselheiro
A missão, o entusiasmo, a boa rota em que estamos:
Não são mesmo comoventes, estes bons samaritanos?
Ah mas que grande espectáculo, mas que espantosos actores,
Pareciam ser canalhas, afinal são benfeitores…
Quanto maior for a crise, mais alto eles podem rir,
Para quê terem cuidado se há sempre alguém para ouvir
Tão grandes enormidades e um tão grande destempero?
Um momento de recuo, confesso, com desespero,
Poderia mesmo levar-me a uma grande admiração:
Mas o seu atrevimento, audácia e desinibição
São a marca de uma época, em que vemos todos já
Que eles se sentem capazes de gozar com tudo o que há:
Com a dura realidade, com as maiores evidências,
Com a mais pura boa fé e, claro, com a decência.
São cínicos ou cretinos? É esta a grande questão
E uma resposta certeira e rápida surge então
Dizendo que esta gente, não pára perante nada:
Quanto mais ousa e mais age, mais ao capital agrada.
O SEGUNDO BANQUEIRO
Alteza, vós sabeis bem que amamos a boa gente
E que, pela democracia, nossa luta é permanente:
Enfrentaremos, de pé, as nossas responsabilidades,
Mas em vez de apoiarmos tão imprudentes reformas,
Nós achamos que o melhor, é mesmo apelar às normas.
Não às que vemos na lei, mas àquelas bem mais nobres,
Nas quais nós sempre pensamos, quando ajudamos os pobres.
Penso muito na moral, que sagrada deve ser,
Que não liga nada à lei para melhor fortalecer
A consciência que é fonte, de milagres espantosos
Donde emanam sem cessar muitos feitos gloriosos.
Aqui todos reunidos, neste dia tão solene
Vamos construir para a ética, um bom modelo perene.
As leis, as regulações, são todas muito opressivas.
As da alma, essas sim, são muito mais decisivas.
Toda a lei é em si mesma, odiosa, coisa má,
Mas a nossa consciência é mesmo o melhor que há.
O mercado, bem sabemos, não quer a regulação
E apela, pelo contrário, a uma moralização.
Este é o nosso compromisso, é esta a nossa missão.
O NOVO SEGUNDO CONSELHEIRO
ao terceiro conselheiro
Que historiador falará do sempre eterno retorno,
Da banca que volta já ao seu tão recto percurso,
Da recorrência das crises, da constância dos discursos?
O sistema é mui perfeito e não há que lhe tocar,
O mal vem é dos perversos, que nos querem acusar,
Vamos já mas é calá-los e lembrar-lhes a moral,
Defender nossos princípios e acusá-los do mal.
E eis-nos já armados, para uma festa que promete.
Não está lembrado da bolha, que atingiu a Internet?
Suas promessas de então e as de hoje, aos milhões,
Só podiam mesmo vir daqueles grandes aldrabões.
E o que se repete não são, tal como eles dizem, as crises: 
São as palavras que gritam, nos mais diversos matizes.
(designando o presidente)
Eis aqui uma matéria onde ele é mesmo excelente:
Palavras firmes, ousadas, e frases bem contundentes;
Nada lhe agrada mais que a sua pose guerreira
Que faz parecer verdade a mentira mais grosseira.
Veja como ele os vai fazer parar…
O PRESIDENTE
Eu decidi, meus senhores, pôr já um ponto final
Nas más práticas, no excesso, no pensamento soez.
Com palavras vigorosas, e muito sábias talvez
Enuncio os princípios duma doutrina notável:
E do alto da virtude, quero ficar memorável.
As coisas que eu disser, todos as vão aceitar
Porque eu as proferi e eu as fiz editar.
Tendo resolvido a crise na situação de emergência
Eu previno para o futuro, toda e qualquer turbulência,
Reafirmando que o nosso bom e velho capitalismo
É como o brilho do sol, o do nosso heliotropismo:
Digo que das nossas órbitas, nunca devemos saltar
Nem deformar a elipse, nem o zénite mudar –
(encantado)
Vejam como estas palavras, tão excelsos milagres meus,
São uma inspiração divina, que me caiu lá dos céus!
Eu tenho os meus Pentecostes e uma palavra de rei,
Eu posso profetizar, ditar toda e qualquer lei.
Aqui digo, meus senhores, que só a virtude tem sentido
E que o capital é bom, quando por ela é movido.
A sua ordem espontânea, e tão perfeita também,
É mesmo a própria moral que nos chega do Além.
Senhores conselheiros cheguem, aqui um pouco mais à frente,
Quero fazer um discurso que impressione toda a gente.
Escolham um local que seja, propício à ovação,
Poderá ser lá no Sul, e porque não em Olhão?




(Tradução de Agostinho Santos Silva)
Este artigo encontra-se em: as palavras são armas http://bit.ly/2EOqmCf
25
Fev18

HÉLDER COSTA – O GAJO TEM PRESSA!

António Garrochinho


O GAJO tem pressa.
Não há meio de começar a guerra? isto começa a ficar perigoso… Qualquer dia o Fisco lembra-se e quer ver as minhas contas. E como o gajo tem medo, tem pressa, e desatou a ter boas ideias. Armas nas escolas, mais um aumento enorme, GREAT, AMAZING de sanções para Coreia do Norte… que descaramento… Jogos Olímpicos, falar com os vizinhos nossos amigos do Sul… armas atómicas de bolso!!! grande ideia! Há quem diga que ele tem um espírito infantil!!! Por favor, não ofendam as crianças!!! e tem uma bela família… a preferida Ivanca… declarou o monstro do Jazz Quincy Jones que ela tem as pernas mais bonitas que ele já viu, o filho querido na Índia disse que gostava muito dos pobrezinhos porque eles sorriem… E em última hora, fez um show mostrando à seita Republicana que o seu penteado é extremamente genial e trabalhos pra esconder a calvície.
Este GAJO além de frívolo, analfabeto e mentecapto é estúpido. Ainda não percebeste que há muito tempo que te descobrimos a careca?


aviagemdosargonautas.net
25
Fev18

PR não patrocina nem confia na dança PSD/PS

António Garrochinho


(Ângela Silva, in Expresso, 24/02/2018)
2018-02-23-Copy-of-POL---23744155_T-_IDP
(Normalmente só publico textos de opinião, mas não resisti a publicar este artigo de Ângela Silva publicado no último Expresso. Na verdade também é um artigo de opinião, a opinião de Marcelo “soprada” para o Expresso. Ou seja, Marcelo, de há uns tempos para cá, assina como Ângela… São as fontes de Belém ao serviço da intriga e da conspiração, artes em que Marcelo sempre foi exímio. Agora, aquilo que não pode, ou não lhe convém, dizer em público sai no Expresso sob a forma de recados, uns verosímeis, outros para levar os incautos ao engano.
Comentário da Estátua, 24/02/2018)

Marcelo Rebelo de Sousa não vai assumir o papel de patrocinador de entendimentos entre António Costa e Rui Rio. Embora defenda, há muito tempo e de forma persistente, acordos interpartidários para áreas-chave do regime, o Presidente da República não acredita que a ano e meio das legislativas isso seja possível. E, mesmo depois das eleições, Marcelo acha difícil António Costa libertar-se da lógica predominante no atual PS ao ponto de trocar as cumplicidades que firmou com a esquerda por compromissos consequentes com o PSD.
Pelo contrário, da última ronda de conversas que teve com os partidos antes do congresso social-democrata, Marcelo retirou duas ideias-chave: por um lado, que BE e PCP farão cada vez mais barulho até às eleições mas estão de pedra e cal na defesa da ‘geringonça’ e, a menos que o PS consiga a maioria absoluta em 2019, tenderão até a querer manter este espírito numa próxima legislatura; por outro, que António Costa, se ganhar as eleições sem maioria e tiver de optar, prefere (e não tem espaço para outra coisa no atual PS) entender-se com a esquerda do que avançar para um acordo de regime com o PSD.
O Presidente congratulou-se com a forma como a entrada em cena de Rui Rio reabriu o canal de comunicação com o Governo e retirou o seu partido do registo isolado (amuado?) dos últimos dois anos. Mas nem por isso acredita em milagres. Para Marcelo, Costa e Rio vão entender-se nos dois dossiês mais pacíficos que escolheram para negociar — a descentralização e o próximo quadro comunitário até 2030. Mas não irão além disso. Por um lado, porque o primeiro-ministro não quer mais. Por outro, porque Rui Rio, na opinião do Presidente, só se for suicida é que se vai entregar de forma duradoura nos braços de António Costa, cuja habilidade para gerir os outros em proveito próprio Marcelo conhece “de ginjeira”.
Cavaco apadrinhou acordo Seguro/Passos e perdeu. Marcelo só aceita “acompanhar o esforço” de Rio e Costa
Segunda-feira, quando receber Rio em Belém, o Presidente da República espera, por isso, que este lhe explique como tenciona demarcar-se do Governo, se não antes pelo menos depois de fechar os dois dossiês que escolheu negociar com António Costa. Dois, três meses é o timing expectável para chegarem a bom porto — Costa ganha em apresentar-se em Bruxelas com o apoio do PSD em matérias como a descentralização e o quadro comunitário, e Rio conta ganhar junto do eleitorado, que tradicionalmente aprecia líderes da oposição responsáveis e capazes de dialogar. Mas, antes do verão, Marcelo aguarda que o novo líder do PSD comece a mostrar ao país qual a alternativa com que se propõe chegar a primeiro-ministro.
Evitar uma maioria absoluta do PS é um objetivo central para o chefe de Estado, que, num cenário desses, veria o seu poder mirrar. E, portanto, o sucesso de Rui Rio passou a ser um objetivo para Marcelo. Publicamente, o PR continuará a dizer que a democracia e o país ganham em ter como contraponto a um Governo forte uma oposição forte e clara. Em privado, Marcelo já não esconde que o que mais quer é que as coisas corram bem ao sucessor de Passos Coelho.
“Conheço-os a todos. Bem demais”
Neste quadro, ao contrário do que Cavaco Silva fez na anterior legislatura, quando tentou promover um acordo entre o então líder socialista António José Seguro e o então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, Marcelo Rebelo de Sousa não vai patrocinar diretamente as negociações entre Rio e Costa.
Nuno Morais Sarmento, vice-presidente de Rio, fez um discurso no congresso a pedir ao Presidente da República que assumisse esse papel e explicou quais as vantagens — esfumava-se a ideia de que era mais uma vez o ‘tóxico’ centrão a funcionar. Mas o Presidente não está disposto a ir tão longe. “Foi-me comunicada pelo PSD a intenção de procurar convergências com os diversos partidos em domínios considerados estruturais e com efeitos duradouros na vida pública”, afirmou Marcelo, “e ao mesmo tempo foi perguntada a recetividade do Presidente da República não para pilotar, não para coordenar, não para patrocinar, mas para acompanhar, de forma empenhada, esse esforço.” Registado (pelo próprio) tudo o que não está em causa ele fazer, Marcelo deu a resposta. “Só podia ser uma”, disse, lembrando os apelos repetidos que ele próprio fez para consensos: “Eu reagi favoravelmente a uma ideia que penso que é boa para Portugal.”
Mas o PR passou logo a bola aos partidos: “Vamos esperar o tempo suficiente para perceber o que vai resultar destes contactos.” Em São Tomé, que visitou esta semana, disse mais: “Eu conheço-os bem a todos para ser surpreendido. O PM foi meu aluno. A líder do CDS também. Jerónimo de Sousa esteve comigo na Constituinte. E o novo líder do PSD foi meu secretário-geral. Nada me surpreende.” A fé do Presidente no centrão, percebe-se, está por um fio.

Marcelo e Rio: da velha zanga à meta comum
Há 20 anos, entraram em choque no PSD. Hoje, Marcelo precisa que 2019 corra bem a Rio. Na 2ª-feira almoçam a sós
A zanga de há 20 anos (quando Marcelo Rebelo de Sousa liderava o PSD e tinha Rui Rio como secretário-geral do partido) foi séria e terminou com uma notícia do Expresso dando conta dos termos em que Marcelo tinha criticado Rio: “Em política não incomoda quem quer, incomoda quem pode”. O que estava em causa não eram peanuts. Rui Rio chegou disposto a afrontar o aparelho e a acabar com as chapeladas dos caciques. Mas entrou de tal forma a matar que, enquanto na sede do partido ameaçou instalar um relógio de ponto, chegou a escrever uma carta aos presidentes dos conselhos de administração dos bancos a pedir o envio de todas as contas abertas em nome do PSD e respetivos saldos. As verbas para as campanhas (em 1997 havia autárquicas) tardavam a ser libertadas. E o líder do partido começou a perder a paciência. A notícia do Expresso foi apenas a gota de água.
A última coisa que Marcelo quer em 2019 é uma maioria absoluta do PS. Rio sabe que ou a evita ou é corrido
Rui Rio não se ficou. Mandou um fax (isto foi noutro século) a Marcelo, que estava de férias no Algarve, a pedir-lhe que desmentisse a notícia. Marcelo respondeu que não podia desmentir todas as notícias, ele é que devia esclarecer se apoiava ou não as decisões da direção. E Rio escreveu uma carta ao líder a demitir-se, com queixas contra o clima de intriga. Marcelo limitou-se a comentar que a vida continuava.
Há três anos, voltaram a viver momentos tensos, desta vez à distância, quando competiram na sombra por uma candidatura presidencial. Rio desistiu. Marcelo avançou e ganhou. E Rio, que entretanto ganhou o partido, tem na próxima segunda-feira um almoço a sós com Marcelo, agora Presidente da República, para falarem das linhas com que se irá coser o resto da legislatura, que é como quem diz, até onde podem ir os sonhos do PSD perante um primeiro-ministro que está com mais de 40% nas sondagens.
Presidente espera que o líder do PSD dê atenção a Cristas. Rio já tratou de lhe copiar a agenda
Ironias do destino, os dois homens cujos estilos nunca se entenderam — Marcelo sempre achou Rio rígido, autoritário e inflexível, e Rio sempre achou Marcelo disperso, a falar de mais e pouco confiável — reencontram-se quando os objetivos de ambos quase se sobrepõem. O Presidente pode não ter como desejo uma vitória do PSD nas legislativas, mas tem como objetivo cimeiro evitar uma maioria absoluta do PS. E Rui Rio, que vai lutar pela vitória, sabe que só por milagre a consegue, mas também sabe que para tentar sobreviver perdendo, tem de evitar um resultado em que António Costa se baste a si próprio.
É com este objetivo comum — evitar a maioria absoluta socialista — que Marcelo e Rio se vão sentar à mesa. Marcelo, que há dois anos conversa com Costa, tem coisas para lhe dizer sobre a sua convicção de que o primeiro-ministro não tem espaço no PS para blocos centrais. E tem conselhos para lhe dar sobre a urgência de o PSD começar a fazer pontes com o CDS para, juntos, sinalizarem ao país que há uma alternativa. Rui Rio, que viu Marcelo ser acusado durante ano e meio de andar com o Governo ao colo, sabe que o Presidente não cairá na asneira de dar argumentos para que o acusem de passar o próximo ano e meio com o PSD ao colo. Mas lá que têm agulhas para acertar têm.

estatuadesal.com
25
Fev18

Papo de Índio - Chacal (Ricardo de Carvalho Duarte)

António Garrochinho


Papo de Índio

Veiu uns ômi di saia preta
cheiu di caixinha e pó branco
qui eles disserum qui chamava açucri
aí eles falarum e nós fechamu a cara
depois eles arrepitirum e nós fechamu o corpo
aí eles insistirum e nós comemu eles.

vocês repararam como o povo anda triste ?
é a cachaça que subiu de preço
a cachaça e outros gêneros de primeira
necessidade
cachaça a dois contos, ora veja,
veja a hora,
que horas são,
atenção
apontar:

FOGO

(Ricardo de Carvalho Duarte)


voarforadaasa.blogspot.pt
25
Fev18

ENTREVISTA - Rogério Alves: "Fiquei absolutamente perplexo com a escolha de Elina Fraga"

António Garrochinho




Entrevista DN/TSF ao advogado Rogério Alves
Vamos começar pela questão de fundo que o país voltou a discutir: a justiça precisa de uma reforma, ou isto é um chavão já gasto?
É um chavão e é uma verdade. E porque é que é um chavão? As pessoas dizem: o país precisa de uma reforma da Justiça. Está bem, mas uma reforma em que sentido e para fazer o quê? Qual é a reforma da justiça em que o Dr. Rui Rio está a pensar para convidar a Dra. Elina Fraga ou outra pessoa qualquer? Eu digo muitas vezes, até aos meus alunos, que em Portugal temos de abandonar um discurso conceitual. Por exemplo: "Aquele senhor é muito alto", não. É melhor dizer "aquele senhor tem 1,90 metros". Para um dinamarquês será normal, para mim poderá ser alto ou baixo. Ora, primeiro temos de definir a coisa e depois qualificamos a coisa: Em Portugal qualifica-se a coisa sem a definir. Estamos sempre a falar daquilo de que não sabemos estar a falar.
Definindo a coisa, quais são as duas ou três prioridades que deviam ser assumidas numa reforma deste tipo?
Em primeiro lugar, não haveria propriamente uma reforma para a justiça toda. Há desafios dentro da justiça que merecem tratamento especial. Vou falar num de que toda a gente gosta muito, até do ponto de vista mediático: os chamados megaprocessos. O sistema processual de investigação e de julgamento não estava preparado para analisar, por exemplo, a atividade de um banco nos últimos dez anos, e os milhões e milhões de documentos que essa atividade produz. Portanto, acho que a justiça tem de pensar em objetivos específicos para programas específicos. Em segundo lugar, o grande desafio é simplificar. Temos de simplificar e já algumas coisas foram feitas: a introdução do Citius, o envio de peças em sistema informatizado, que agora alastrou a parte do processo penal. Depois, temos de caminhar no sentido do princípio da oportunidade: temos de selecionar dentro de condutas que nos parecem ser criminosas aquelas que são efetivamente mais graves e mais lesivas. Fazer uma reforma da justiça é pensar nisto a sério. Vamos manter o princípio de que o Ministério Público investiga tudo a toda a gente ou vamos selecionar as coisas mais graves e, se for assim, por que critério? Depois, temos de fomentar a prevenção dos litígios através de uma consulta jurídica eficaz. O que é que quero dizer com isto? As pessoas assinam, na sua vida, inúmeros documentos cujo teor ou não leem ou lendo não percebem (apólices de seguros, questões relativas à compra e venda de imóveis, contratos de trabalho...). A consulta jurídica previne o conflito. Nós temos de prevenir o conflito através do ataque aos fatores críticos de conflituosidade.
Mas quando fala em consulta jurídica quer dizer o quê?
As pessoas recorrerem ao advogado.
E quem não tem dinheiro para pagar essa consulta jurídica? O Estado devia patrocinar esse tipo de serviços?
Claro que sim. O Estado em Portugal investe pouco na justiça. Não quero entrar em chavões, mas investe pouco comparativamente com outros investimentos que faz. O apoio judiciário a quem não tem possibilidades de recorrer a advogados por questões de preço devia ser fomentado pelo Estado. Mas há uma reforma da justiça que me mete medo que é a que tem sido feita nos últimos 20, 30 anos. Nós atribuímos sobretudo a um fator as causas do atraso da justiça: os recursos e as chamadas manobras dilatórias que os advogados fazem para os processos andarem sempre com rodas quadradas. Esta é a acusação permanente. Ora, eu farei em março 31 anos de advocacia, o que é realmente uma marca já com algum relevo, e desde que comecei a exercer advocacia que os cortes nas possibilidades de recorrer têm sido sistemáticos. Esse universo de recursos foi desbastado de uma maneira brutal. Se a doença da justiça estivesse nos recursos, a justiça estaria sã que nem um pero, pois os recursos já foram quase todos cortados. A segunda medida que se tem tomado é aumentar as custas judiciais. Esse aumento é uma maneira de as pessoas não recorrerem ao tribunal. Eu tenho um litígio que vale cinco, dez mil euros, quanto é que me poderá custar ir para tribunal para fazer valer aquilo que eu acho que é o meu direito? Honorários de advogado, taxas... não vou. Ótimo. Aí há menos gente a ir ao tribunal.
É desses dois aspetos que tem medo?
Têm sido as duas posologias do costume. Creio que era Eça de Queirós que dizia: "O governo só tem duas coisas para fazer: pede um empréstimo e lança o imposto." Aqui, na justiça, é aumentar as custas e cortar os recursos: não resolveu problema nenhum, nenhum. Depois, é não fazer como fez, por exemplo, o conselho geral da Ordem dos Advogados no tempo da Dra. Elina Fraga, que, quando o governo procurou fazer a reformatação do mapa judiciário, abordou a questão como se fosse em 1950 ou em 1970 quando percorrer 20 quilómetros para ir a um tribunal era uma coisa horrível. O que é que tem de se fazer? Tem de se diminuir efetivamente as idas ao tribunal e as pessoas têm de ser pouco oneradas com deslocações ao tribunal. Como? Através da utilização de meios eletrónicos ou de sistemas de proximidade que evitem que as pessoas tenham de ir ao tribunal. Hoje começa a ser frequente que se ouçam testemunhas através de Skype. Alguém se opõe? Os puristas dizem logo: "Ah, mas por Skype nós não sabemos onde é que ele está, pode estar alguém à frente dele a fazer de ponto para que ele diga isto ou aquilo". Esses riscos podem existir, mas para isso estão lá o Ministério Público, o juiz, os advogados, em contraditório, para tentar sanar esses males. Há uma coisa que tenho absolutamente como segura: a reforma da justiça não se faz basicamente nas leis, faz-se nos comportamentos. É necessária a tendência para simplificar, para descomplicar, porque antigamente tudo era muito solenizado, havia um rol de testemunhas: eram convocadas 20 pessoas às 9.30 para a Boa-Hora. Eu perguntava porquê e respondiam-me: "Ó sôtor, imagine que faltavam cinco, se nós escalonássemos isto pelas horas, as cinco primeiras não vinham e ficávamos uma hora sem fazer nada!" Tem-se verificado que agilizar e combinar com as partes, com os seus advogados, trocar a ordem das testemunhas, trazer as que estão mais perto, ligar-lhes por telemóvel, porque agora já podem, está a funcionar. É assim que nos abrimos à modernidade e que funcionamos à século XXI. Portanto, se for isto a reforma da justiça, muito bem, mas eu tenho de aguardar para saber que reforma é essa. Estou de acordo que não se pode judicializar a política e politizar a justiça, estou de acordo com isso.
E tem acontecido isso ou não?
Muito, muito. Atualmente, vivemos numa espécie de arguidocracia, pois a grande distinção entre os cidadãos portugueses é se é arguido ou se não é arguido. Se é arguido, já está inutilizado para qualquer função acima de terceiro ou quarto secretário. Se não é arguido tem, enfim, um certo certificado de bom comportamento. Ora, a posição de arguido é uma coisa processual. Se eu for ali à PSP dizer que os meus entrevistadores ameaçaram que me batiam se eu não dissesse determinada coisa também podem ser constituídos arguidos. Agora vamos lá rever se podem continuar nos vossos cargos tendo sido constituídos arguidos com base na minha queixa, que não se sabe se é verdade. Não pode ser assim. Mas há uma coisa que é o reverso desta. Aí, a comunicação social - que às vezes também causa bastante dano - tem um papel essencial nesta matéria, que é as pessoas serem interpeladas sobre os factos. A mim não me interessa tanto se um presidente de câmara sobre quem há uma suspeita é arguido ou não; interessa-me avaliar, até politicamente, o que é que ele fez, porque é que ele fez. Então, ele, como homem político, deve responder. Eu, como cidadão, quero saber. Por isso é que digo muitas vezes que as investigações feitas pela comunicação social são lícitas. A comunicação social pode interessar-se por um caso pelo qual os tribunais não venham a interessar-se porque há uma dimensão cívica, política, do comportamento das pessoas, que pode ser escrutinada independentemente da sua coreografia processual.
Voltando à questão da reforma da justiça ou à necessidade dessa reforma: quando Rui Rio escolhe Elina Fraga como sua vice-presidente, isso dá-lhe, a si, uma ideia sobre que tipo de políticas ou de reformas é que Rui Rio está a preparar? Isto é um sinal político, em seu entender?
É um sinal político e é um sinal substantivo. Devo dizer que tenho toda a consideração pelas pessoas em causa e a minha opinião é estritamente institucional. Fiquei absolutamente perplexo com a escolha da Dra. Elina Fraga, não pela pessoa em si, mas porque sempre criticou a política de justiça do governo do PSD. Portanto, se a Dra. Elina Fraga sempre criticou - às vezes de forma ácida - as políticas de justiça do governo do PSD, ficamos a saber é que a tal reforma da justiça, que ainda não foi revelada, não será aquela que foi dirigida no governo do Dr. Passos Coelho.
Em segundo lugar, porque havia uma crítica dura a muitos aspetos da política de justiça, como se chegou ao ponto (numa atitude que critiquei e que é um exemplo nocivo e daninho da judicialização da política) de participar criminalmente contra membros do governo que encetaram uma alteração do mapa judiciário. Aliás, nem sequer sabemos o que aconteceu a essa queixa...
Portanto, [Elina Fraga] não só foi uma crítica acérrima face a um governo do PSD como atingiu algumas epifanias, em alguns momentos épicos e até inéditos de ataque a esse governo. Confesso que, como cidadão, fico um pouco confuso com essas coisas. Só por isso, lá está, já não me preocupo - como parece preocupar toda a gente - se a Dra. Elina Fraga é arguida nisto ou arguida naquilo, aí voltamos atrás, à arguidocracia em que vivemos.
Mas se ela chegasse a ministra da Justiça num futuro governo do PSD seria preocupante para si?
Não é preocupante, mas não creio que conseguisse encontrar grande consenso, grande acordo e grande aprovação naquilo que me parecem ser as medidas que preconizaria. Aquilo que ela preconizou ao longo destes anos não me parece muito promissor. Pareceu-me ter havido, naquilo que conheci, resistência a mudanças relevantes a nível dos códigos, quer do Processo Penal quer do Processo Civil, às vezes com alguns erros. Eu também discordei muito de algumas coisas que foram feitas pela Dra. Paula Teixeira da Cruz, mas há um caminho de modernização e de simplificação que tem de ser encetado e vi sempre a ordem a reagir um pouco mal a esses caminhos. Agora, há uma coisa que é verdade: a estrutura de distribuição dos tribunais tem de se adaptar à localização das populações, ao aumento das acessibilidades, à desnecessidade crescente de as pessoas se deslocarem ao tribunal. O caminho é claramente aquele. De qualquer modo, gosto de ser mais objetivo do que subjetivo: se houver um programa de governo do PSD com o qual eu concorde, e isso significará, do meu ponto de vista, alguma alteração às premissas que eram essenciais no mandato da Dra. Elina Fraga enquanto bastonária da ordem, estarei de coração completamente aberto para o apreciar. Eu, mais do que quem promova, quem proponha ou quem implemente, gosto de ver o que se promove, o que se propõe e o que se implementa, para criticar isso e não as pessoas que o façam.
Independentemente de vir ou não a ser constituída arguida, Elina Fraga é visada numa auditoria às contas da Ordem dos Advogados que aponta para uma falta de procedimentos de controlo de orçamento e gestão de tesouraria. Quando o senhor lá estava já era assim que os procedimentos funcionavam naquela ordem?
[Risos] Posso dizer que quando fui bastonário procurávamos cumprir rigorosamente todos os procedimentos, o que não quer dizer que a Dra. Elina Fraga não os tenha cumprido. Atenção. Eu conheço o relatório, não só sei da sua existência como o conheço.
E as conclusões surpreenderam-no?
Vou ser franco: gosto pouco de espetáculo, não gosto muito de produzir soundbites e não gosto de crucificar ninguém injustamente. Aliás, nem sequer justamente gosto. Todavia, relativamente a essa auditoria gostaria de dizer três ou quatro coisas. Em primeiro lugar, se é verdade que a Dra. Elina Fraga e os elementos que compunham o conselho geral, e que possam de alguma forma ser visados pela auditoria, não foram ouvidos, não concordo. Acho que uma auditoria deste tipo deverá ter no seu processo de preparação a audiência dos potenciais visados. Se isso não aconteceu, salvo melhor informação, a Dra. Elina Fraga terá razão. Dito isto, em vez de estarmos uma vez mais a dizer "eu ainda não sou arguido, soube disto pelos jornais, não fui ouvido" e visto que há determinados aspetos que já estão no espaço público - por exemplo, contratações efetuadas a colegas que faziam parte dos próprios corpos da ordem -, acho que isso podia ser esclarecido. São procedimentos de escolha de prestadores de serviços - penso que será disso que estamos a falar - e desconheço em absoluto se houve violação das suas regras. O que sabemos é que houve escolhas, e em vez de estarmos sempre a olhar para as regras podemos olhar para as escolhas e dizer: "Bom, fiz uma escolha política." Às vezes, as pessoas têm de fazer escolhas políticas. Posso escolher A, B ou C.
Elina Fraga devia esclarecer isso?
Claro.
Como explica o facto de não o ter feito?
Creio que é já um pouco uma cedência a este tal diálogo conceitual e daninho que temos. Em Portugal, não falamos como falam os políticos, por exemplo, dos países anglo-saxónicos. As pessoas perguntam: "O senhor tenciona ir amanhã ao Porto?", e eles dizem: "Não. Amanhã não vou ao Porto, mas vou depois de amanhã." Se nós perguntarmos, a pessoa responde: "Eu já estava à espera de que me fizesse essa pergunta. Não pense que me surpreendeu com essa pergunta, o tipo de perguntas é sempre igual, mas os portugueses sabem que respondo e não posso ser acusado de fugir às repostas." Só que nunca mais diz se foi ao Porto ou não. Quando entramos neste diálogo em órbita dos problemas, não vamos ao essencial das questões.

O segredo de justiça é uma coisa patética em determinados momentos
A justiça devia preocupar-se mais com a forma como comunica com os cidadãos?
Seguramente.
Para mim, é muitas vezes difícil decifrar não o teor das decisões mas a forma como elas são comunicadas e podem ser lidas pelo cidadão comum.
Não tenho a mais pequena dúvida e, na minha opinião, era fácil explicar. Não quer dizer que as pessoas concordassem. Vamos lá ver, são duas coisas distintas, podem perceber o meu ponto de vista e não concordar com ele, mas o que é pior é nem sequer perceberem o meu ponto de vista. Embora em Portugal às vezes também não percebamos o que os outros dizem e concordamos e discordamos na mesma; por cá opina-se a torto e a direito sobre tudo e mais alguma coisa. Estamos a melhorar um bocadinho, mas ainda temos a tal linguagem cifrada. Temos rituais da justiça que têm de ser banidos, alguns são rituais meramente de coreografia, outros são mesmo de substância. O aparato das buscas, o aparato mediático que envolve a intrusão na vida de pessoas, a figura ridícula, patética e antipedagógica que faz a defesa cínica do segredo de justiça quando toda a gente está a ver tudo em todo o lado.
Como se coaduna essa tão má comunicação, no sentido em que a maioria de nós tem dificuldade em entendê-la, com tanta precisão na violação do segredo de justiça?
Um módulo a incorporar na reforma da justiça seria a comunicação da justiça com o cidadão. Temos de voltar aos valores constitucionais e um deles é que a justiça é administrada em nome do povo, por isso é que em alguns países a regra é o julgamento ser feito por jurados, porque acham que as pessoas comuns percebem tanto da matéria de facto - não da matéria de direito - como um magistrado. Eu não iria tão longe, mas estamos a falar da comunicação. Para que a justiça seja legitimada aos olhos do povo, o povo - que é composto por pessoas das mais diferentes profissões que estão fora da área judiciária - tem de perceber a justiça. Aí está um módulo interessante na reforma da justiça: comunicação, compreensão. Porque a compreensão não é uma coisa meramente teórica, é as pessoas saberem com o que podem contar, saberem qual é a razão de ser de determinadas orientações, saberem para onde é que a jurisprudência se inclina, porquê, quais são os valores que queremos preservar. Quanto ao segredo de justiça, é uma coisa absolutamente patética em determinados momentos. Note-se que a violação do segredo de justiça é um crime. Nós assistimos muitas vezes a crimes aos quais ninguém liga e isso é a pior coisa que há na reforma do Código de Processo Penal de 2007, que foi feita quando eu era bastonário e na qual me empenhei bastante, o segredo de justiça deixou de ser a regra e passou a ser exceção. Por isso é que costumava dizer, e ainda digo, que se passou da idade das trevas para a idade da luz com a reforma de 2007. O segredo de justiça não faz falta na generalidade dos processos, não faz falta para nada.
Devia ser abolido ou não?
Não. Devia ser mantido em duas circunstâncias fundamentais. Quando fosse essencial para preservar a integridade das investigações: toda a gente compreende que há determinado tipo de processos em que a investigação precisa do segredo de justiça para poder funcionar com eficácia - durante um período em que seja de facto necessário, lá está o juiz para calibrar os vários interesses em presença, não se pode ficar 50 anos a investigar em segredo de justiça. A outra razão é para proteger o bom nome das pessoas envolvidas e não é só dos arguidos. É para proteger a intimidade das pessoas. Por exemplo, se alguém apresenta uma participação no Ministério Público, na polícia, por uma violação, por um crime sexual, não deve ver o seu nome espalhado por todo o lado, e aí obviamente que faz todo o sentido o segredo de justiça. Só que infelizmente não só se usa como abusa do segredo de justiça. Aliás há uma cláusula verdadeiramente espantosa na lei [essa tem de ir na reforma da justiça] que diz que pode haver uma prorrogação da duração do segredo de justiça por três meses, a primeira, e uma segunda por tempo indeterminado, é uma coisa absurda. Portanto, o segredo de justiça é como um fato, as pessoas vestem-se à medida da ocasião. O segredo de justiça é feito à medida das necessidades de cada processo em concreto e só existe na medida dessas necessidades. Em Portugal confunde-se muito o assunto com o processo. As pessoas acham que não podem falar de mais nada porque está em segredo de justiça. "Eu não posso dizer isto porque está em segredo de justiça, não posso dizer aquilo porque está em segredo de justiça." Não. As pessoas podem falar sobre o assunto, não podem é mencionar aspetos específicos do processo que mereçam estar em segredo. Estes temas são cruciais e são os grandes desafios do século XXI na área da cidadania. Nós devíamos dizer: "Meu Deus, se este processo está em segredo de justiça, então estas coisas não deveriam ter sido divulgadas e quem as divulgou devia ser punido."
Uma das críticas feitas ao Ministério Público e à Procuradoria-Geral da República tem precisamente que ver com a quebra do segredo de justiça com alguma regularidade. Quem elogia, e ultimamente têm-se ouvido muitas críticas e elogios à atual procuradora, diz que nunca como agora a justiça temeu tão pouco, porque há políticos a serem julgados, há banqueiros a serem investigados, há até juízes e um ex-procurador. Que avaliação é que faz do mandato de Joana Marques Vidal e acha que o Ministério Público ganhou muito nos últimos anos com a liderança dela?
Faço uma avaliação muito positiva. Acho que a Dra. Joana Marques Vidal tem feito um excelente trabalho. Não conheço assim em detalhe, mas em linguagem bíblica diz-se que as árvores se conhecem pelos frutos e eu acho que a Dra. Joana Marques Vidal tem tido discrição, tem tido presença quando é necessário, tem tido eficiência; ganhou um carisma junto da magistratura do Ministério Público e portanto tem nota claramente positiva.
Devia continuar?
Não vejo porque não. Essa discussão não devia ser uma discussão jurídica, se o mandato pode ser renovado, se não pode ser renovado, isso a mim interessa-me relativamente pouco, quer dizer, se a lei impedir que o mandato seja renovado não se pode violar a lei. Mas, na minha opinião, não vejo nenhuma razão, embora saiba qual é o argumento que se coloca, que é o da concentração, da perpetuação no poder, etc., para a Dra. Joana Marques Vidal não continuar. Agora atenção, acho é que o Ministério Público não deve fazer exibição pública dos processos que estão em segredo de justiça, isso é uma coisa completamente diferente. Eu percebo que às vezes ajuda a quem quer acusar que seja dito muito intensamente na comunicação social que os maus são mesmo maus, para que não haja dúvida que são mesmo maus e que essa coisa de serem presumidos inocentes é uma retórica muito engraçada, inventada por ótimos pensadores, mas, na prática, temos de ver é o seu carácter, que é amplamente publicitado ao longo de semanas, de meses, de anos, com violação do segredo de justiça. Com isso é que eu não concordo. Agora, a Dra. Joana Marques Vidal tem o meu apreço porque tem feito um ótimo trabalho.

Não está no meu horizonte ser presidente do Sporting
Saindo da justiça, sente-se o D. Sebastião do Sporting?
Não, não me sinto. Sou um adepto normal, apenas sou um adepto conhecido do Sporting porque já era muito conhecido como advogado e como bastonário da ordem quando exerci funções como presidente da mesa da Assembleia Geral do Sporting e da SAD do Sporting. Portanto, não sou D. Sebastião. O Sporting não está em processo eleitoral. Tem de serenar, acalmar e concentrar-se nos seus grandes objetivos: ganhar as competições futebolísticas (nas outras modalidades está a sair-se muitíssimo bem). Ganhar, especialmente o campeonato - passar este Rubicão -, seria espetacular e a família sportinguista merece isso. Aliás, eu costumo dizer, a brincar, que seria o grande consenso nacional: os sportinguistas ficariam felicíssimos, os benfiquistas ficariam contentes porque o FC Porto não tinha ganho e os do FC Porto ficavam contentes porque o Benfica não tinha ganho.
Identifica-se com o presidente do Sporting?
Há muitas coisas com as quais eu não concordo.
O que se passou na última Assembleia Geral envergonha-o enquanto sportinguista?
[Risos] Vocês são um perigo. Não, não me envergonha. Apenas não concordo. Não concordo que as assembleias gerais se transformem em pelourinho para atacar sportinguistas nem com julgamentos feitos na SportingTV a partir de listas de muito mau gosto. Mas a questão não é esta. Há os fenómenos e há os epifenómenos. Aquilo que acho que muitos sportinguistas pensam é que o atual presidente do Sporting, do ponto de vista objetivo, fez coisas muito boas para o clube. E, se calhar, algumas das suas características ajudaram a lograr alguns objetivos. O clube precisava de uma pequena terapia de choque. Eu critiquei a forma como foram propostas ações contra os antigos dirigentes do Sporting, numa auditoria em que também não foram ouvidos. Discordei do facto de ter sido proposta uma ação contra o Dr. José Eduardo Bettencourt, mas congratulei-me porque foi retirada, acho que foi um ótimo passo em frente. E o que é que eu como adepto do Sporting tenho procurado dizer apesar desses epifenómenos (que até me envolveram)? Para mim, essas coisas nascem e morrem. O que fica é a consideração do essencial. Estamos a três anos das eleições, não estamos em processo eleitoral. Eu não sou candidato a coisa nenhuma.
Nem agora nem daqui a três anos?
Meu caro, daqui a três anos sei lá o que estarei a fazer. Posso ser advogado, reformado, presidente da câmara...
Faz parte do seu sonho ser presidente do Sporting?
Não, não faz. Aliás essa questão já se colocou quando terminaram os mandatos do Dr. Filipe Soares Franco e do Dr. José Eduardo Bettencourt: é sempre um desassossego quando abre um processo eleitoral. O que desejo é que esteja lá sempre uma ótima equipa diretiva para eu, como adepto, ver o Sporting ganhar. Gostava de deixar isto claro, porque não está mesmo no meu horizonte. As pessoas que me acompanham sabem que não está. Portanto não vale a pena argumentar com uma inexistência.
"Nem que Cristo desça à Terra"?
[Risos] Porque é que havemos de fazer compromissos a 10 anos ou 20 anos ou a três anos? Perguntam-me assim: "Então não quer ir para a política?" Sei lá. Então não diziam também que eu podia ser candidato a presidente da Câmara de Lisboa?
Consta até que foi convidado.
Até consta, veja bem, mas não me viu concorrer. Eu estou muito seguro do meu trilho da advocacia, gosto muito do que faço. É uma vantagem.

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25
Fev18

Casados vão poder renunciar à herança a favor dos filhos

António Garrochinho


Fernando Rocha Andrade, um dos signatários da projeto, defende que o atual quadro legal é um “obstáculo” a segundos casamentos
PS avança com lei que permite casamento sem efeitos sucessórios. Objetivo é salvaguardar interesses dos filhos de anteriores relações
O PS entregou no parlamento uma proposta de alteração ao Código Civil que permitirá o casamento sem que os dois cônjuges se tornem herdeiros um do outro. Um cenário que não existe atualmente: com o casamento, os dois membros do casal passam a ser herdeiros legitimários (não podem ser afastados da herança, salvo situações muito excecionais). Uma alteração que tem por objetivo, diz o texto, salvaguardar os interesses patrimoniais de filhos de anteriores relações.
O projeto de lei do PS, que altera o Código Civil, prevê a "renúncia mútua" à condição de herdeiro, através de convenção antenupcial e desde que o casamento esteja sujeito ao regime de separação de bens. Se o regime adotado for o de comunhão de adquiridos, esta solução já não será possível.
Para os socialistas, o atual quadro legal, ao não permitir mexer nos efeitos sucessórios , acaba por funcionar como um impedimento à realização de segundos casamentos. "Este regime sempre representou um problema prático para quem pretende casar-se e já tem filhos, designadamente de uma anterior ligação. Não é possível contrair um casamento sem que o cônjuge adquira o estatuto de herdeiro legitimário e, portanto, sem prejudicar os interesses patrimoniais potenciais desses filhos", refere o texto, assinado pelos deputados Fernando Rocha Andrade e Filipe Neto Brandão.
Um "obstáculo" ao casamento
Rocha Andrade exemplifica as situações a que o projeto pretende dar resposta. "Caso típico: duas pessoas que têm filhos de uma anterior ligação e querem casar. Não o podem fazer sem que o casamento prejudique potencialmente o interesse patrimonial dos filhos de cada um. O novo cônjuge torna-se necessariamente herdeiro do outro e, portanto, quando um deles falecer, o cônjuge e os filhos deste vão todos concorrer à herança", diz ao DN. "Tenho essa perceção, de casos que conheço, de que isto é um obstáculo a um segundo casamento. Ou ao primeiro, se houver filhos que não tenham sido de um casamento", refere o parlamentar socialista, sublinhando que muitas vezes "as pessoas não querem que a sua nova relação prejudique os filhos que já têm".
Para o ex-secretário de Estado, a intenção desta iniciativa legislativa é "abrir um espaço de liberdade" que atualmente não existe: "Naturalmente, é optativo, só se aplica a quem escolher fazê-lo, a mais ninguém". Rocha Andrade acredita que este não é um tema fraturante: "Não acho que seja uma questão com carga ideológica. E é uma alternativa que só se aplicará a quem a escolher". O texto socialista prevê que o cônjuge sobrevivo que tenha renunciado "tem direito de exigir alimentos da herança do falecido".
Os efeitos sucessórios são, hoje, a grande diferença legal entre o casamento e a união de facto (nestas relações os membros do casal não são herdeiros). Já os cônjuges estão entre os herdeiros legitimários - não podem ser deserdados, exceto em situações específicas de indignidade, em que tenham cometido crimes contra o falecido. A parte dos bens que se destina a estes herdeiros é variável em função de quem sejam. No caso mais habitual - cônjuge e filhos - é de dois terços da herança. Como qualquer outro herdeiro, o cônjuge pode renunciar ao património herdado, mas apenas no momento em que se abra o processo de divisão do património.
Já quanto ao regime de bens estipulado num casamento - comunhão geral, comunhão de adquiridos ou separação total - não tem qualquer efeito sobre os direitos sucessórios, mantendo-se os cônjuges como herdeiros mútuos em qualquer uma destas situações. A mais comum é a comunhão de adquiridos, o regime assumido quando não é celebrada convenção antenupcial. No caso da proposta do PS será necessário que, nesse acordo prévio ao matrimónio, o futuro casal opte pelo regime de separação de bens.
Terceira alteração ao Código Civil
O projeto de lei agora entregue pelo PS na Assembleia da República vem juntar-se a outras duas iniciativas de alteração ao Código Civil que já estão em discussão no parlamento. Uma delas também diz respeito ao casamento - o fim do prazo internupcial, entre um divórcio e um segundo casamento, que é atualmente de 180 dias para os homens e 300 dias para a s mulheres. A terceira alteração, que resulta de uma proposta do governo, cria um novo regime para o maior acompanhado, substituindo as figuras legais da interdição e da inabilitação.

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