A modernização da gestão afirma ser uma ruptura radical com a lógica tayloriana. Afirma abrir espaço para a autonomia, a liberdade de iniciativa, a responsabilidade dos assalariados e promover modos de trabalho em consonância com a evolução da sociedade. Esta está cada vez mais individualizada e as políticas postas em prática nas empresas mostram a importância agora dada às qualidades pessoais de cada assalariado: a sua capacidade de adaptação, a sua criatividade, o seu gosto pelo risco ... |
Parte II
(Danièle Linhart, Setembro, 2017, Tradução Júlio Marques Mota)
- O surgimento de um novo modelo: entre inovações e renovações
Antes de tudo, era necessário preservar a relação de forças: as direções das empresas rapidamente se convenceram da perigosidade de uma situação em que, devido à gestão coletiva dos assalariados, estes procuravam massivamente afirmar os seus interesses. e valores.
2.1. Estabelecimento de uma individualização sistemática da gestão de assalariados e da organização do seu trabalho.
A individualização está no cerne do novo modelo de gestão. Fundada em meados da década de 1970, foi uma resposta às exigências dos assalariados que, durante a maior greve do século XX, exigiram mais dignidade, autonomia, liberdade e reconhecimento no trabalho. Tinha a vantagem, do ponto de vista dos empregadores que a introduziam, de reverter um equilíbrio de poder que se lhes tornara muito desfavorável. Esta individualização, que passava por horários variáveis, a individualização de prémios e, depois, os salários igualmente variáveis, culminou com a personalização de objetivos e das avaliações, das formações e carreiras, contribuiu largamente, ao introduzir uma concorrência sistemática entre os assalariados, para desestabilizar ou mesmo eliminar os coletivos de trabalho (Linhart, 2009).
Ora, estes (coletivos informais, ilegais, não registados nos organigramas e constituídos por assalariados confrontados lado a lado na duração da sua vida profissional às mesmas condições de trabalho, remuneração e "carreira") desempenham um papel importante na regulação de dificuldades físicas e psíquicas relacionadas com o trabalho. Estes coletivos desempenham um papel importante na gestão destas dificuldades, nas complexidades do trabalho e nos efeitos de esgotamento físico e psíquico. O elemento mais decisivo nessa gestão é a capacidade destes coletivos em ganhar autonomia, em produzir significados, pondo em sinergia a experiência de cada um, as suas competências, as suas qualidades, em torno de valores partilhados relacionados com a sensação de um destino comum na empresa. Através da partilha de conhecimentos e das práticas próprias à sua atividade, estes coletivos de trabalhadores funcionam como apoio profissional (eles rotineiramente praticam a entreajuda), mas também emocional e psicológico, pois reduzem a ansiedade sobre o desconhecido. Eles contribuem para uma certa serenidade no trabalho, ajudando-se uns aos outros para lidar com as condicionantes de vários tipos incluídos em qualquer atividade profissional. Eles também colocam o trabalho no contexto de uma relação de força, no centro das questões políticas. Eles também dão um sentido ao sofrimento, eles colocam‑no em relação com a ganância do patrão, que "sempre quer mais". Na verdade, os coletivos desempenham um papel vital na decodificação da dor e do sofrimento experimentados no trabalho. A questão essencial não é quem sofre e como, mas de onde vem o sofrimento e porquê? Para os coletivos, o sofrimento não deve estar relacionado com falhas, deficiências, fraquezas pessoais, a falta de adaptação, mas sim com condições de organização do trabalho relacionadas com um contexto económico particular e político.
Esta ameaça aos coletivos tem sido difícil de combater pelos sindicalistas, porque o discurso dos gestores pretendia satisfazer as profundas aspirações dos assalariados. A personalização do trabalho era por eles apresentada como a única maneira de passar a ter em conta e reconhecer os méritos, competências e a qualidade do empenhamento de cada um, a única maneira de introduzir mais liberdade no trabalho.
Mas, por tudo isso, está fora de questão pensar que a personalização, a individualização ou mesmo as margens concedidas de autonomia levem a uma perda de controle da administração sobre os seus assalariados.
2.2. Empregados, garantes de uma segunda vida de taylorismo
Na realidade, o desafio para a gestão declina-se de uma nova maneira. É necessário que cada assalariado deva ter de concordar em transformar-se num pequeno gabinete de estudo de tempos e de métodos para aplicar a si mesmo os princípios de economia de custos e tempo em permanência e isso de acordo com situações que variam em função da muita diversificada natureza do trabalho. A continuidade com o taylorismo encontra-se, portanto, nos princípios, mas as condições para a sua implementação diferem. Agora, o próprio empregado é responsável pela organização de seu trabalho, de alguma forma, um subcontratado. Mas deve assumir essa responsabilidade confiando estritamente nos critérios, nos métodos, nas formas de fazer, nos objetivos definidos pela sua direção e pela sua hierarquia e em função dos meios que lhe serão disponibilizados sem que ele nisso possa interferir.
É-lhe exigido, portanto, que se saiba adaptar, que saiba compreender o que se espera dele, estar disponível, sempre fiel e totalmente empenhado com o seu trabalho, e ter muita atenção para fazer uso de si mesmo da forma mais apropriada do ponto de vista da sua gestão. Os novos métodos que se difundem sobre as empresas industriais e terciárias (lean production [1], lean management, que consistem em diminuir tudo: a força de trabalho, os orçamentos, os atrasos, os erros, os stocks, etc.) não se baseiam em nenhuma lógica inovadora mas sim numa aplicação rigorosa e exacerbada dos princípios tayloristas. Os assalariados, portanto, têm de se mobilizar dentro de limites muito estreitos, definidos pelas modernas ferramentas de gestão, que permitem também um controle de eficiência incomparável. Eles têm que desenvolver de forma relativamente autónoma os seus esforços num universo extremamente codificado, supostamente para os orientar para soluções organizacionais, de acordo com a única racionalidade do seu empregador. Imagina-se pois em que medida este novo modelo com princípios antigos se baseia numa contribuição subjetiva ativa dos assalariados.
Para obter que eles aceitam e joguem este jogo com lealdade, no quadro das margens de autonomia que lhes são concedidas, é necessário seduzi-los, convencê-los, conquistar a sua adesão. Isto será objeto de uma fase participativa orquestrada, na década de 1980, através de todos os tipos de círculos de intercâmbio, grupos ad hoc, grandes massas onde se trata de criar uma cultura de empresa ex nihilo, um espírito comunitário compatível com a empresa; depois, uma fase de produção de valores morais (com a promulgação de cartas éticas, códigos de ética, regras de vida destinadas a definir o empregado virtuoso, aquele que tem o seu lugar na empresa); finalmente, a de uma solicitação mais narcisista (de Gaulejac, 2005) que convida os assalariados a descobrir quem são eles realmente, o que é que eles realmente desejam, encorajando-os a medirem-se contra os outros e a abordar um ideal do eu.
Esse desafio constante, essa redução da atividade profissional a uma conquista narcisista, tem como objetivo levar os assalariados a fazer uso de si mesmos de acordo com os objetivos, critérios e métodos impostos pela administração: eles têm que mobilizar a sua inteligência e criatividade, para alcançarem a utilização mais produtiva de si mesmos, de acordo com os critérios estabelecidos pela administração, dependendo de dispositivos concebidos por outros a eles alheios e pensados ??contra o seu profissionalismo. Essa lógica é uma fonte potencial de sofrimento e representa, sem qualquer dúvida, um risco psicopatológico muito real.
Os dispositivos participativos, éticos e de transação narcisista foram implantados para convencer, seduzir e extrair o consentimento; estes dispositivos são concebidos em testemunho também da benevolência da administração. Eles são projetados para orientar os assalariados que têm de ultrapassar uma difícil situação limite e enfrentar o trabalho quase que coercivo, um trabalho exigente e intensivo que lhes pedem que seja feito.
Os departamentos de recursos humanos, às vezes rebatizados de benevolência e felicidade com os seus Chief Happiness Officers ( no original em inglês), estão lá para os acompanhar e tentar resolver o máximo possível todos os problemas que possam surgir no contexto das suas vidas privadas e domésticas; esses profissionais do enquadramento propõem serviços de zelador, massagens, sessões de meditação, treinos, números verdes de psicólogos de apoio, os psy greens, dicas para manter a boa saúde: eles estão lá para ajudar os assalariados a trabalharem com o espírito livre e disponível, em boa forma para que eles se envolvam plenamente nas suas missões, num estado de espírito positivo. Orange, por exemplo, agora considera que "cada assalariado é único" e deve ser tratado como tal.
2.3. A negação moderna da profissionalização dos assalariados
Mas isto não significa, do ponto de vista da gestão moderna, confinar-se unicamente aos esforços feitos para efetuar uma metamorfose de identidade. Devemos encontrar o meio de garantir que todos os assalariados, independentemente do grau de adesão ou de resistência, aqui e agora sejam forçados a trabalhar de acordo com os critérios e os métodos impostos e não podendo impor o seu ponto de vista profissional sobre a maneira como se deve trabalhar.
Em seguida, surge uma estratégia que é um decalque da estratégia de Taylor, porque consiste em despojar os assalariados dos seus saberes, dos conhecimento relacionados com a sua profissão e a sua experiência, que poderiam constituir recursos individuais e coletivos legitimando a afirmação de outro ponto de vista no seu trabalho.
Esta estratégia assume a forma de uma política de mudança permanente (apresentada como uma necessidade num mundo onde está tudo sempre a mudar e como prova da sua capacidade de gestão para lidar com o aumento da incerteza). Reestruturamos constantemente os departamentos e serviços, reestruturamos constantemente os empregos, externalizamos e depois internalizamos funções, renovamos o software, mudamos as equipas com uma forte frequência, estabelecemos uma mobilidade sistemática, incluindo a hierarquia de proximidade; em suma, existem reformas em curso que transformam as estruturas, o funcionamento das empresas, que perturbam o conteúdo e o próprio ambiente de trabalho.
Nesta turbulência, os assalariados veem todos os seus parâmetros de referência, uma parte dos seus conhecimentos e experiência a tornarem-se obsoletas. Eles passam por um processo de serem colocados perante situações de incompetência. Essa estratégia de mudança sistemática provoca a impotência profissional, porque lhes falta a noção de distância, de recuo, a experiência para estabelecer um controle sobre o trabalho.
Os assalariados são reduzidos ao nível de aprendizes permanentes. O que é considerado estar a garantir a sua subordinação, porque um aprendiz deve concordar em dar garantias para ser aceite. Ele deve mostrar a sua boa vontade e especialmente não entrar numa lógica de contestação, se quer ser considerado permanente no seu trabalho.
Quando tudo muda durante todo o tempo, os assalariados deixam de se poder sentir no seu trabalho como na sua casa, na sua empresa, uns com os outros comos sendo os seus colegas. Para eles, é cada vez mais difícil dominar o seu ambiente de trabalho, e ainda mais grave, é cada vez mais difícil ter domínio sobre o seu próprio trabalho. É a sua experiência que é invalidada, as suas competências, é o seu conhecimento que é desestabilizado. Tudo o que eles conseguiram construir para ultrapassar os constrangimentos e as dificuldades das suas missões cai regularmente por terra e ao ritmo sustentado das reformas e transformações impostas. O seu ambiente de trabalho torna-se hostil, eles têm permanentemente de se estarem a adaptar, permanentemente a descobrirem as modalidades necessárias para poderem ter domínio sobre a sua atividade: saber que pode ser uma pessoa recurso, que as relações podem ser estabelecidas com os diferentes serviços ou interlocutores, onde encontrar as informações pertinentes, como encontrar conforto nas suas decisões. Eles têm que reinventar as rotinas que permitem ganhar tempo e consagrarem-se mais eficazmente aos incidentes, às contingências, num contexto que se torna mais complexo e incerto. Com esta política de reformas sistemáticas, os assalariados estão numa posição permanente de desaprendizagem e reciclagem, como se analisa tão bem em Jean-Luc Metzger (1999), uma situação que pode levá-los à situação de esgotamento profissional extremo, dita de burn-out em inglês.
Perdidos no tumulto destas múltiplas mudanças, desorientados e oprimidos, com falta de informação e formação, tudo os empurra para mendigar ajudas técnicas, procedimentos, soluções padronizadas.
Assiste-se a um paradoxo perturbador que leva a que no momento em que se pede ou exige cada vez mais aos assalariados (excelência, empenhamento total e tomada de riscos), face a um trabalho cada vez mais complexo, mergulhamo-los artificialmente num estado de incompetência, que gera apreensão e angústia.
Essas práticas de desestabilização devem acelerar a renúncia dos assalariados aos seus valores profissionais e ao seu ajustamento aos valores recomendados pela organização oficial. A desestabilização dos assalariados é ainda mais compreensível, quando esta situação é analisada como um ataque em regra contra os recursos que eles têm para se afirmar no seu trabalho e impor um ponto de vista e, nomeadamente, contra a experiência que eles acumulam ao longo do tempo. Esta experiência é recusada sobre três registos: o trabalho (que é uma espécie de experiência coletiva coagulada e validada), a estabilidade no trabalho que permite acumular conhecimentos necessários para enfrentar as situações de trabalho, e as redes socioprofissionais na empresa que ajudam a fazer emergir pessoas recursos.
Na sequência dos princípios tayloristas, há uma desestabilização do conhecimento a favor das "competências" cuja capacidade de adaptação se torna um elemento primordial. Todos os discursos em termos de gestão e, em particular, os de Medef, insistem na importância crucial dos saber-estar, da capacidade de adaptação, das aptidões, o que se chamará as competências. Para se integrar rapidamente num ambiente que está em constante mudança, diplomas, qualificações, profissões, já não oferecem a garantia de adaptabilidade necessária neste contexto; a profissão tal como a experiência podem ser consideradas como obstáculos à adaptação, possíveis pontos de apoio para atitudes consideradas rígidas, imutáveis e contrárias às necessidades de fluidez e de renovação. Os assalariados já não devem estar mais a contar com esse tipo de recursos, eles devem aceitar em os abandonar e repor constantemente os ponteiros do seu “relógio” profissional a zero.
Despojar o assalariado da sua experiência profissional, não é apenas para remover a base de que ele tem necessidade para não se deixar ultrapassar pelo seu trabalho, para se sentir à altura de o fazer, armado para o realizar e ter direito a afirmar o seu ponto de vista. É também retirar-lhe uma parte da sua identidade, aquilo que foi constituído em torno dessa experiência e graças a ela. Mudar constantemente de trabalho é também está a afetar a constância da identidade dos assalariados.
De certa forma, exige-se deles que sejam conscienciosos, mas sem consciência…
Por um lado, a gestão enfraquece, prejudica subjetivamente os assalariados, tornando-lhes o exercício do seu trabalho menos fácil e menos seguro enquanto, por outro lado, se tende a fornecer-lhes ferramentas supostamente para lhes trazer soluções e recursos. Em suma, como observa Emmanuel Diet (2012), eles são obrigados a confiar naquilo que os nega, que os desqualifica, isto é, aqueles dispositivos de gestão de pessoal que transmitem valores contrários aos deles e pior ainda, valores que espezinham a sua identidade, a sua moral e o seu profissionalismo. Eles devem estar ativos na implementação da destruição de uma grande parte de si mesmos.
O objetivo da desestabilização crónica é obrigar os assalariados a implementar as ferramentas da gestão do pessoal escolhidas pelas suas direções, essas ferramentas que "carregam com elas regras tácitas de ordenação organizacional", ferramentas que combinam "as virtudes instrumentais das ferramentas e os recursos persuasivos, pedagógicos e micropolíticos "(Boussard e Maugeri, 2003). Estas ferramentas devem colocar os assalariados num molde e criar-lhes os reflexos adaptados aos objetivos
A modernização dos processos de gestão que se quer ser portadora da humanização do trabalho, que afirma a sua rutura com o taylorismo, inventou uma nova forma de trabalho que tem muitos aspetos preocupantes. A lógica taylorista não desapareceu, mas foi repensada e metamorfoseada. Agora pretende ser incorporado em ferramentas disponibilizadas para assalariados que devem mobilizá-las com consciência em função de situações flutuantes, mesmo que sejam contrários aos seus valores de profissão, aos seus valores profissionais.
As avaliações no contexto de entrevistas individuais com o supervisor hierárquico com base nos objetivos e métodos de trabalho que lhes foram prescritos, são cada vez menos avaliações profissionais, mas sim situações de homens e mulheres que estão a encontrarem-se confrontados com uma avaliação na realidade não das suas capacidades mas da sua pessoa, da sua personalidade. E isso no contexto de uma comparação com os outros. Pode-se pensar na dimensão dos efeitos produzidos.
A precariedade subjetiva, não é apenas o medo de ser levado um dia a uma má prática profissional que o pode levar a perder o seu emprego, mas também é colocar-se a si mesmo em perigo, por um ataque ao sentimento do seu valor, da sua dignidade, da sua legitimidade.
A estratégia de mudança permanente visa precisamente criar as condições que encorajem os assalariados a virarem-se para esses dispositivos, como verdadeiras boias de salvação. Em nenhum momento está previsto levantar a questão da sua relevância, isto é, da relevância dos critérios que eles veiculam. No entanto, eles estão longe de ser tão neutros, objetivos e universais como eles se apresentam: eles estão lá para determinar os atos profissionais de acordo com determinados objetivos específicos de rentabilidade que definirão os critérios de qualidade do trabalho esperado.
A mania dos números e a mania da quantificação destinadas a validar as abordagens de gestão modernas pela objetividade que os números devem transmitir, mascaram (como no tempo de Taylor e da sua ciência universal e imparcial) o desejo de restringir e controlar comportamentos de acordo com instruções que podem ser muito questionáveis. Por exemplo, Bruno e Didier (2013) mostram no seu livro sobre benchmarking que aceitar números e as quantificações da gestão moderna é inscrever-se de mediato numa definição partidária da qualidade de trabalho esperada, da sua finalidade e do seu sentido, o da administração que reivindica trabalhar em benefício de todos.
A proeza desta estratégia é, portanto, conseguir transformar assalariados s em situações de emprego estável (funcionários públicos e funcionários em contratos permanentes) em trabalhadores que se vivem como precários e, portanto, sujeitá-los sem limites à subordinação que é a peça central da relação salarial.
A terceira parte deste texto será publicada, amanhã, 20/02/2018, 22h
aviagemdosargonautas.net