USOS E COSTUMES
1. Bioco
O BIOCO era uma peça de vestuário feminino, tendo entrado em uso em 1649, no reinado de D. João IV, segundo alguns autores. Como data oficial da sua extinção, sabe-se que em 1892 e por ordem do então Governador Civil do Algarve, foi proibido nas ruas e templos, embora continuasse a ser usado em Olhão até ao início do séc. XX. Hoje, apenas alguns ranchos folclóricos do concelho, como o Rancho Etnográfico de Quelfes, exibem o BIOCO em festas e romarias.
Raul Brandão escreve a propósito do bioco no seu livro "Os Pescadores", em 1922:
" Ainda há pouco tempo todas (as mulheres de Olhão) usavam cloques e bioco. O capote, muito amplo e atirado com elegância sobre a cabeça, tornava-as impenetráveis.
É um trajo misterioso e atraente . Quando saem, de negro envoltas nos biocos, parecem fantasmas. Passam, olham-nos e não as vemos. Mas o lume do olhar, mais vivo no rebuço, tem outro realce... Desaparecem e deixam-nos cismáticos. Ao longe, no lajedo da rua ouve-se ainda o cloque-cloque do calçado - e já o fantasma se esvaiu, deixando-nos uma impressão de mistério e sonho. é uma mulher esplêndida que vai para uma aventura de amor? De quem são aqueles olhos que ferem lume?... Fitou-nos, sumiu-se, e ainda - perdida para sempre a figura -, ainda o som chama por nós baixinho, muito ao longe-cloque..."
2. Os sapatos de Ourelos![ourelos.jpg (84058 bytes)]()
Eram sapatos de confecção caseira, que ocupava muitas mulheres em Olhão e eram vendidos nas feiras e mercados por todo o Algarve e em Setúbal.
"Ourelo" significa "margem" ou "borda", sendo estes sapatos fabricados com o ourelo do tecido das fardas de inverno dos soldados. Eram várias fitas deste ourelo pregadas numa forma de madeira e, com outras fitas de pelica e um pedaço de pele de coelho, podia ter uma grande variedade estética de desenhos e cores. No litoral do concelho chamavam-se "chalocas" e no interior "cloques", devido ao barulho que produziam ao bater no chão durante o andar.
3. Costumes de Natal
A partir de 8 de Dezembro preparam-se pequenos pratos ou taças com trigo que se borrifam todos os dias, e que vão dar origem a pequenas searas para enfeitarem o presépio.
Uns dias antes do Natal arma-se o presépio: em cima de uma mesa coloca-se o Menino num trono, envolto por um alvo lençol de linho. Nos degraus que vão até ao trono dispõem-se as searas alternadas com laranjas e tangerinas e, muitas vezes, velas que se acendem à noite.
Antes da Missa do Galo, come-se uma refeição de peixe seco - o galhudo ou litão -, guisado com cebola, louro, pimenta e salsa. Como sobremesa comem-se filhós e trutas (pastéis de massa tenra recheados com amêndoa, batata-doce, grão ou gila).
Clique aqui para ler um texto de Diamantino Piloto sobre o antigo Natal em Olhão.
4. Carnaval antigo:
O CARNAVAL NAS RUAS
Homens, mulheres, moços e moças, exceptuando velhos e doentes, todos, quer nas ruas ou debruçados nas varandas das suas casas, simplesmente vendo ou actuando, tomavam parte na loucura carnavalesca. O carnaval ia a todas as ruas, não se limitava unicamente à Avenida.
Por todos os lados se brincava.
Havia combatentes carnavalescos apeados e montados, entrouxados ou com roupa de "combate" que partiam para a luta por essas ruas da vila fora. Oito rapazolas alugavam uma carroça, dessas que ainda hoje existem, com dois bancos compridos ao longo de veiculo, puxada por um macho ou mula, com condutor fixe e paciente. Previamente carregava-se o carro com os projécteis que eram: erva, (santas noites), "chorões", que íamos arrancar na linha do caminho de ferro, grainha de alfarroba ou feijões furados pelo bicho e "pantufas" (pequenos cilindros de papel de seda cheios de cinza dos fomos de pão) que, um mês antes do carnaval, começávamos a confeccionar tomando como molde o pé de uma cadeira de tábua. Também se levava confetis e serpentinas, para as meninas mais do nosso agrado.
Mais oito rapazes, outros oito, e ainda mais oito e oito, tantos grupos quantas as carroças disponíveis existentes em Olhão, e assim se formava uma "divisão" de "carros de assalto" que, sem qualquer combinação ou participação de intenções, partiam à procura do "inimigo" entrincheirado pelos parapeitos das açoteias que, sobre os assaltantes lançavam toda a espécie de "projécteis", incluindo desperdícios de cozinha e líquidos de proveniência duvidosa.
Havia ruas famosas para os combates. A Rua da Liberdade, a Rua da Cerca, as Ruas Diogo Cristina, Serpa Pinto, Capitão Nobre, Nova do Levante e outras eram afamadas de combates rijos.
Quando as açoteias eram baixas, com o auxílio dos carros, fazia-se o assalto directo ao bastião. O mesmo podia acontecer se deixavam uma porta aberta ou janela. Neste caso de assalto directo ao campo do "inimigo" havia a luta "corpo a corpo" era inevitável com as assaltadas para não se deixarem empoar por farinha ou pó de arroz. Elas fugiam por toda a parte da casa ou lutavam mesmo. Tudo no final, acabava bem. Nunca dei notícia de qualquer caso condenável. A não ser um pequeno roçar de lábios ou uma leve pressão das mãos numa zona não consentida e, às vezes, desejada, mas não fazia mal. Tudo era carnaval.
Era a vitória do atacante.
Nem sempre havia luta. Elas escondiam-se e tudo servia para esconderijo. O melhor era debaixo das camas. Aqui podia acontecer o que aconteceu a um pertinaz perseguidor que, como o tal caçador, atirou ao que viu e matou o que não viu. Ele viu algumas a correrem para debaixo da cama e a última que entrou já não teve muito espaço, ficou-lhe ao alcance do braço e ele, julgando destapar-lhe o rosto d'algum lenço que levaria na cabeça, desatou a empoar-lhe o que ele julgou ser as faces da rapariga Não eram. Simplesmente se enganou nas posições das regiões do corpo. Mas não fez mal, era tudo carnaval.
Esta, dos ataques dos "carros de assalto", com o lançamento de "projécteis" era a parte mais dura das brincadeiras carnavalescas. Quanto ao enfarinhamento das raparigas não era empresa fácil. Primeiro, tínhamos que ser conhecidos delas para haver o atrevimento e, segundo, elas estavam bem defendidas no seu baluarte pelas mamãs e avós que lutavam connosco à vassourada até nos expulsarem do terreno conquistado e outras, ainda consentiam por achar graça Enfim, brincava-se.
Outra brincadeira que tinha graça e denotava paciência era a do pescador com a "Bolachinha". Era preciso ter muita paciência para um sujeito se meter o dia inteiro dentro dum fato de oleado com um "sueste" (chapéu de oleado) na cabeça e umas botas de borracha de cano alto calçadas, um cabaz enfiado no braço e uma cana nas mãos com um fio pendurado e no extremo uma bolacha amarrada e um "cardume" de miúdos a lambuzar a bolacha sem conseguir trincá-la. Lá que é preciso é. Mas se o conjunto "cardume" e pescador tinha muita graça, tinha e, sobretudo, quando o "peixe" jogava a "barbatana", apanhava a isca e raspava-se a mastigá-la.
O miúdo ia-se rindo da vitória e o pescador ficava enfurecido porque tinha que amarrar outra bolacha. Ainda mais graça tinham alguns pescadores que engodavam o "cardume" com rebuçados que atiravam para junto de um grupo de adultos que lhes estava perto. É claro, arrelia de uns e graça de outros. Os miúdos atiravam-se de qualquer maneira para apanhar os rebuçados.
O pescador da bolachinha, que tão característico era de Olhão e que só aqui vi, desapareceu do carnaval desta terra.
A arte e a beleza também davam honras ao Carnaval de Olhão. A música, embora a época fosse de brincadeira. não era esquecida.
Formavam-se grupos - as estudantinas - de cerca de 30 homens, com uma capinha curta de estudante e uma mascarinha no rosto, tocando instrumentos de corda e sopro, pandeiretas e castanholas que percorriam as ruas da vila tocando e cantando, dando com a sua arte um cunho de beleza àqueles dias que muitas vezes esquecemos quem devemos ser. Era carnaval.
E os carros ornamentados... alegóricos ou simplesmente decorados que apareciam na Avenida a fazer corso e batalha de flores, serpentinas e confetis?
Alguns eram obras-primas de execução. Verdadeiros mimos de arte e beleza que encantavam. E nos tempos recuados não havia os materiais de tão fácil preparação que hoje há. Os artistas olhanenses esmeravam-se. As tripulações - as meninas de todas as idades - dos carros iam vestidas ao rigor da alegoria, a condizer com o ornamento da viatura. Eram corsos muito animados. Combatia-se de carro para carro ou com as pessoas que estavam na Avenida.
Olhão foi das primeiras terras do Algarve, senão a primeira, a fazer as chamadas "Batalhas de Flores" com carros alegóricos e ornamentados. Não foram porém persistentes. Uns anos faziam, outros não. Outras terras seguiram-se-lhe, persistiram e tornaram as suas festas carnavalescas tradicionais. Olhão desistiu de vez, e hoje se quiser reavivar terá fracas possibilidades de competir com quem já se habituou a essa iniciativa.
Creio que o Carnaval de Olhão morreu.
Retirado de:
Barbosa, José - Visto e ouvido... em Olhão... reflexões - Câmara Municipal de Olhão, 1993, pp. 69-71
5. Costumes da Páscoa
Visita-se o Cerro da Cabeça na 2ª feira a seguir ao domingo de Páscoa, situado ao lado do Cerro de S. Miguel.
Muitos olhanenses ainda sobem o Cerro a pé.
Nesse dia, tradicionalmente, os Olhanenses consomem os seguintes pratos culinários: