Foi este provérbio, "Gato escondido com o rabo de fora", que me veio à mente, quando acabei de ler o discurso de propaganda do Costa. Lançou para a populaça, que o ouvia, uma série de números das estatísticas oficiais, para demonstrar que o seu governo, nos vários índices económicos e sociais, apresentava melhores resultados do que os obtidos pelo governo da troika, do Passos Coelho, o que é uma indesmentível verdade. Mas, por outro lado, fugiu a uma qualquer comparação com a situação existente anteriormente, no tempo do governo de Sócrates (que ele, pela primeira vez, atacou em público, embora recorrendo ao humor) e que, excluindo a derrapagem financeira (dívida pública e défice orçamental) era melhor do que a situação actual, principalmente em relação ao nível de vida dos portugueses e em relação ao Serviço Nacional de Saúde, cuja sustentabilidade está a começar a ficar em causa. E, em parte, o mesmo se pode dizer, em relação a outros sectores de actividade, como é o caso da ferrovia.
Assim, tenho de considerar que Costa proferiu um discurso populista e eleiçoeiro, ao pretende esconder o que não lhe é favorável e deixando, no entanto, o rabo de fora, ao não falar naquilo que vai mal. Não falou, por exemplo, no plano de privatização progressiva de sectores importantes do Serviço Nacional de Saúde, no qual Maria de Belém já está trabalhar, seguindo uma linha liberalizante que, quando o próximo governo do PS entrar em funções, na próxima legislatura, irá alinhar e entroncar com a proposta de Rui Rio, que segue a mesma linha e a mesma orientação.
Nunca como agora, nos últimos anos, foi tão necessária a força e a determinação do Partido Comunista, para contrariar na mesa das negociações, no Parlamento e na rua a política de direita do PS, sempre muito bem alinhada com as superiores recomendações (eu até diria, ordens) da comissão europeia, que é o braço direito da czarina de Berlim (o outro braço é o de Macron, que, agora, vai começar a trabalhar no Plano de Segurança Europeia).
O governo alemão condenou a agressiva reação de militantes da extrema-direita após o assassinato à facada, sábado à noite, de um homem na cidade de Chemnitz, no leste do país.
Dois homens, um iraquiano de 21 anos e outro sírio de 22, foram detidos sob suspeita de envolvimento no confronto mortal, que teria começado após uma altercação verbal e acabou com a morte de um cidadão alemão de 35 anos e dois outros feridos, com 33 e 38.
"Solche Zusammenrottungen, Hetzjagden auf Menschen anderen Aussehens, anderer Herkunft oder der Versuch, Hass auf der Straße zu verbreiten, das nehmen wir nicht hin." Die #Bundesregierung verurteilt die Ausschreitungen in #Chemnitz aufs Schärfste, so @RegSprecher Seibert.
No domingo, uma manifestação com cerca de 800 pessoas encheu as ruas de Chemnitz, em protesto contra a política de asilo de mibrantes de Angela Merkel.
Grupos de "skin heads" perseguiram e agrediram estrangeiros. Alguns dos casos de violência foram registados em vídeos amadores, que circularam pelas redes sociais e chegaram a ser difundidos por canais de televisão alemães.
Já esta segunda-feira, com novas manifestações antimigrantes previstas, o governo alemão avisou: "O que pudemos ver no domingo em Chemnitz e o que foi registado em vídeos amadores, não tem lugar no nosso Estado constitucional."
"Não vamos tolerar este tipo de confrontos, a perseguição de pessoas de aparência diferente ou diferentes origens nem tentativas de propagar o ódio pelas ruas", acrescentou o porta-voz do governo, Steffen Seibert.
A presidente da Câmara de Chemnitz também veio a público deixar um aviso a quem procura fazer justiça pelas próprias mãos.
"Nem toda a gente andou a perseguir pessoas pela cidade, mas quem o fizer está a agir fora da lei. Não há motivos nem desculpas para tais comportamentos", afirmou Barbara Ludwig.
Esta segunda-feira, com as autoridades em alerta, novas manifestações da extrema-direita voltaram a encher as ruas de Chemnitz com cartazes antimigrantes.
Wenn der Staat die Bürger nicht mehr schützen kann, gehen die Menschen auf die Straße und schützen sich selber. Ganz einfach! Heute ist es Bürgerpflicht, die todbringendendie "Messermigration" zu stoppen! Es hätte deinen Vater, Sohn oder Bruder treffen können!
A tensão é grande. Ainda mais depois de o deputado Markus Frohnmaier, do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) ter apelado aos cidadãos, domingo à noite pelo Twitter, para assumirem a justiça pelas próprias mãos contra a alegada migração assassina.
O apelo tomou tais proporções que o AfD marcou uma conferência de imprensa para esta segunda-feira e demarcou-se das palavras de Frohnmaier, alegando que deve ser agora o deputado a decidir por ele mesmo o que deve fazer.
É filho da margem sul e tem no horizonte trabalhar como geólogo na área de Setúbal após a saída da bancada parlamentar comunista, depois de ter sido um dos jovens deputados do PCP. Motard de alta cilindrada, vai na terceira Super Ténéré 1200, já participou na concentração de Góis. Pratica Aikido, mas diz que durante um ano como porteiro de discoteca recorreu à persuasão para evitar conflitos. Desde o 25 de Abril que a família materna vive no Brasil, onde nasceu por acaso, e confessa: “Sou um traidor da minha classe”.
Sai do Parlamento em Setembro para a comissão de actividades económicas do Comité Central, e para se dedicar à sua actividade profissional, a geologia.
Como lida com um trabalho político de retaguarda após ter estado na primeira fila?
Vou lidar bem, estive 13 anos no Parlamento mas estive desde 1994 na Juventude Comunista Portuguesa e desde 1997 no PCP. A experiência no Parlamento é marcante, tem características próprias, uma exposição que se traduz em responsabilidade. Não sei como a mudança se reflectirá na minha vida, espero que não haja alterações pois, enquanto estive no Parlamento, sempre fiz o possível por preservar o meu estilo de vida e as minhas características.
Que características?
Preservo as minhas actividades fora do trabalho, as artes marciais, as motos, a caça submarina, a escrita, o gostar da música, os concertos, a moche, sempre fiz o possível para não permitir que a entrega ao Parlamento e à vida política neutralizassem isso. Achei sempre que podia enriquecer a minha participação política com outras actividades. Houve alturas em que se tornava muito difícil manter o ritmo, parei os treinos de Aikido porque não era possível conciliar uma comissão parlamentar de inquérito com o treino. Vou continuar para que não se altere muita coisa.
O que vai fazer como geólogo?
Gostava de trabalhar nesta zona [Setúbal], moro aqui desde sempre, sou muito ligado à Serra da Arrábida, estou a ver se consigo através das vias académica, profissional ou ambas, dedicar-me a esta zona. Para já, ajudarei transitoriamente a família, a minha mãe tem um centro de explicações e provavelmente darei explicações de matemática, físico-químicas, geologia, biologia, até ter uma coisa da minha área que está relativamente encaminhada.
Disse que no Parlamento não se criam soluções mas, sim, problemas. Desdenha o parlamentarismo?
Desdenhar não é a palavra, quando se fala do Parlamento temos de ter em conta qual a sua representação e o que tem vindo a representar, e a verdade é que desde 1976 a sua composição foi sempre muito…
... Mas isso não é o país?
Julgo que o Parlamento não representa o país tal como o conhecemos. As pessoas expressam aquela opinião no voto, não retiro nenhuma legitimidade, mas o sistema eleitoral e o sistema democrático em que supostamente vivemos têm muitas insuficiências. Enquanto tivermos um país assimétrico, em que uns detêm o saber, o conhecimento e o dinheiro e os outros não têm nada, há uma parte fraca que está mais exposta à mentira, à manipulação.
Não o honra ser representante dessa parte fraca?
Tive a honra de representar um partido que julgo estar do lado dos que vivem do seu trabalho, e a felicidade de estar de acordo em tudo o que tive de defender no Parlamento.
De que serviram estes 13 anos?
Se o Parlamento não representa a realidade do país, foi tempo perdido?
Julgo que não. Aprendi muito sobre o funcionamento da democracia, o que precisamos de melhorar, da forma como os problemas das pessoas são tratados no Parlamento, como muitos deles se não fosse o PCP ficavam à porta. Na minha formação política foi fundamental. Quando digo que de certa forma há uma frustração política é porque eu, eu e os comunistas, vemos o mundo principalmente dividido entre os explorados e os exploradores e não o PS, o PSD, o CDS, o PCP. Não entre opiniões, mas entre o que cada um desempenha. Mas no Parlamento estão muito mais representados os exploradores do que os explorados. Basta ver quando discutimos leis laborais para que lado pende maioritariamente o Parlamento.
Fez alguma amizade entre deputados de outros partidos?
Não se pode dizer que tenha criado amizade. São conhecidos.
Tem admiração por alguém das outras bancadas?
Não tenho admiração nem por outros nem do meu, tenho respeito. Há percursos de vida que admiro pela dedicação à causa política, mas não tenho admirações.
Foi “soldado” de uma maioria parlamentar que deu uma reviravolta no país. Sente orgulho por isso?
Não há bem uma maioria. O termo maioria dá a ideia de uma certa unidade, o que há é uma maioria de deputados de diferentes forças políticas que inviabilizaram um governo PSD/CDS que tinha tido uma votação baixa, que não representava os anseios das pessoas e, portanto, o meu partido propôs-se travar a ascensão ao poder da PaF [Portugal à Frente]. Tenho muito orgulho de ter travado a ascensão ao poder do PSD e do CDS, tendo em conta o que o povo tinha passado. O que se fez depois foi permitir que o governo do PS governasse, com contributos do PCP, com viabilização de medidas, Orçamentos de Estado, e a continuidade do Governo, mas aquele não é o meu Orçamento, o Orçamento de Estado do PCP. Nesse sentido, dificilmente poderei dizer que me orgulho.
Valeu a pena? A fórmula deve ser repetida?
É um balanço que os portugueses terão de fazer, que os comunistas terão de fazer, mas acho que foi fundamental travar o PSD e o CDS. Quanto a continuar, depende do balanço que se venha a fazer dentro do PCP e fora dele.
Tem feito reparos, isso faz de si um ortodoxo, um puro e duro?
[Risos] Sou marxista-leninista, interpreto o mundo e os fenómenos políticos nesse quadro lógico. Tanto eu como o meu partido temos estado numa posição muito crítica com o que se está a passar, há coisas que merecem muitos reparos e críticas, algumas com a possibilidade de serem construtivas porque a solução parlamentar o permite, outras não.
Esses reparos condicionam a estratégia em relação a esta fórmula?
A estratégia do PCP ultrapassa em muito esta fórmula. Esta fórmula, quanto muito, circunscreve-se na táctica, não vivemos na realidade que gostávamos, mas na realidade objectiva. O que nos importa é que o PCP e o país ganhem o mais possível com esta situação.
Os seus reparos têm subjacente uma maior exigência do PCP ao PS e ao Governo?
Não é individual. Se criticamos o PS por aprovar o Código de Trabalho com a direita, o PSD e o CDS, contra os trabalhadores, é uma crítica que o PCP coloca colectivamente. Tal como muitas outras. Criou-se uma ideia desde o início desta coisa da gerigonça que há uma maioria, que parece que todas as forças ali dentro têm a mesma perspectiva sobre este governo, o que não é verdade. Se atentarmos às intervenções dos deputados do PCP há críticas muito fortes e contundentes ao governo minoritário do PS, que não colocam em causa a posição conjunta mas que criticam a acção do Governo do PS nas diversas áreas.
Se for preciso outra vez barrar o caminho ao PSD e ao CDS.
Aquela circunstância foi muito específica quer para o PCP quer para o PS. O PS também tem demonstrado ao longo da sua história que, apesar de se afirmar à esquerda e até ter uma base social de apoio de pessoas de esquerda, é um partido que tem governado sempre à direita e com a direita. A circunstância [em 2015] não o permitiu e o PCP demonstrou, como sempre, estar disponível para políticas que reponham direitos ou avancem nas conquistas. Não foi uma grande alteração, o PCP sempre disse que “connosco podem contar para melhorar a vida dos portugueses”.
E no futuro também?
Continuará a ter esta postura, mas se isso se traduz num acordo parlamentar ou na viabilização de um governo depende do conteúdo concreto, do momento político e das propostas desse governo.
Está a admitir o reforço eleitoral do PS como um dos dados do problema?
Apesar de ser especulativo é uma possibilidade. É bastante provável que se o povo português fizer um balanço positivo desta governação face à anterior, porque é o termo de comparação mais próximo, é plausível pensar que isso se possa traduzir num reforço da votação da força mais volumosa desta solução política. Essa questão terá o seu peso, mas o que determina é o conteúdo programático.
O programa do Governo não era aquele em que o PCP se reconhecia e apoiaram a solução.
Daí ser necessário referir o momento. Aquele era o momento de travar a subida do PSD e do CDS ao governo, apesar do Presidente da República da altura ter feito tudo para que isso acontecesse contra a maioria da população. Foi uma solução que salvaguardou a independência do PCP, que não participa no Governo, é uma força parlamentar que se comprometeu em determinadas áreas a viabilizar o funcionamento do Governo. São nuances que podem parecer preciosidades.
As nuances são importantes?
Tudo o que influencia a vida material é importante. Entre dizer que há uma maioria de esquerda e um Governo minoritário que negoceia à esquerda há muitas diferenças. Neste caso, a solução encontrada entre o PCP e o PS ou uma amálgama PCP/PS são coisas distintas, há dois grupos parlamentares, dois partidos, dois programas. Houve a viabilização do Governo porque, se não houvesse, o Presidente da República também não poderia dar posse a um Governo se soubesse que ia cair no dia seguinte.
Diz que para perceber o PCP há que conhecer o passado para o bem e para o mal. O bem foi a resistência. E o mal?
Para fazer uma avaliação do PCP é importante conhecer o seu passado, a forma como é formado, construído ao longo da ditadura, porque essa marca identitária comporta características muito diferentes dos outros partidos. A clandestinidade de 48 anos trouxe-nos características que são, simultaneamente, uma das nossas grandes forças e uma das nossas fraquezas. Não é uma crítica é uma constatação, assim como o trabalho clandestino nos fortaleceu, marca-nos com características que nos colocam à margem da cultura política dominante. Vemos muitas vezes que os comunistas e o PCP têm alguma dificuldade em fazer informação para fora do partido ou que a sua mensagem não perpassa de forma fácil. Não é o PCP que está mal, mas a nossa marca está tão cunhada que nos distancia do que é hoje…
Como se pode ser marxista-leninista e estar distanciado da realidade social?
Não é estar distanciado, pode haver algumas dificuldades em que a mensagem do PCP toque fora do partido, a nossa linguagem e forma de ver é própria do marxismo-leninismo, um quadro lógico à margem da cultura dominante.
Sugere que se mude o povo?
Não estou a sugerir que se mude o povo e também não estou a sugerir que se mude o PCP. Estou a sugerir que temos de continuar esta luta de que a mensagem, mesmo que possa sofrer alterações de forma, chegue a cada vez mais pessoas, o que tem vindo a ser feito. Tendo em conta a forma como a comunicação tem vindo a mudar, só este ano o PCP abriu um Facebook, uma plataforma proprietária em que não controlamos o que lá está em que só controlamos os conteúdos. A mensagem passa por um servidor completamente alheio, ao contrário de um site cuja programação é feita por nós. Num partido revolucionário temos que ver as mensagens que vamos poder trocar no Facebook, estamos a colocar as mensagens nas mãos de um gigante capitalista que detém uma plataforma que achamos nos pode fazer chegar a mais pessoas. O PCP viveu a opressão, foi controlado, e portanto é reticente em colocar informação sensível nas mãos de um grupo económico.
As mensagens que colocarão no Facebook serão sempre de alcance limitado?
Será sempre de alcance limitado porque é ele que escolhe quem vê o quê, tem lá o algoritmo e provavelmente vai fazer com que a página do PCP só apareça para comunistas, que lá puseram um “gosto” ou que estão ligados a um círculo que permite que essa página apareça. Os conteúdos a colocar serão o que é passível de ser tornado público.
Portanto, não é verdade que a evolução técnico-científica está sempre a favor da mudança social?
Julgo que está a favor da evolução e supressão da luta de classes a favor do proletariado. A robotização e a automação podem libertar o ser humano para tarefas mais gratas, de arte, lazer, desporto, mas é preciso que a correlação de forças se altere. A evolução tecnológica vai permitindo ao proletariado ter condições de vida cada vez melhores. O capitalismo tem vindo a tentar fazer o contrário. Mas não vai conseguir explicar a milhões de pessoas porque é que as máquinas podem trabalhar o que trabalhávamos, e continuamos a trabalhar oito horas, a ganhar menos e a ter milhões de desempregados. O que não é sustentável do ponto de vista capitalista, pois só pode haver capitalismo se houver exploração do trabalho alheio, do homem pelo homem. Se houver exploração da máquina será outra coisa, mas não capitalismo, pode ser uma ditadura, um mundo terrível em que milhões vivem na miséria e os capitalistas na abundância do que a máquina produz.
Falando do passado, o que lhe suscita Álvaro Cunhal?
Admiração, pela coragem e lucidez. Honra de pertencer ao mesmo colectivo que ele. Todos os momentos da vida de Álvaro Cunhal foram de grande exigência, se calhar isso é válido para todos nós, mas naquela altura a exigência colocava-se até no ponto da coragem física.
Hoje talvez essa ameaça não paire sobre nós, ainda…
Ainda, admite esse regresso?
Não diria um regresso, mas quando vemos a União Europeia a estimular o surgimento de forças nazis, ainda agora a UE e quase todos os partidos portugueses apoiaram a ascensão de nazis na Ucrânia que assassinaram 50 dirigentes sindicais comunistas quando tomaram o poder.
Quanto a Cunhal, a sua concepção de Revolução Democrática Nacional, o derrube do regime pelas massas, não falhou? Foram os militares que acabaram com a ditadura no 25 de Abril. Álvaro Cunhal teve a lucidez de compreender que seria necessário um levantamento nacional que incorporasse as vertentes popular e militar. O levantamento militar dá origem a um golpe e esse golpe origina uma revolução. Se as massas não tivessem participado logo no dia 25 de Abril…
O golpe foi determinado pela necessidade de descolonização e, para tal, era necessário mudar todo o sistema político, ou não?
Se era impossível ficarmos pelo golpe militar, a própria acção dos militares tinha que contemplar a acção popular, sem ela não seria vitoriosa. Há uma relação dialéctica, o levantamento foi de facto nacional, militar e popular, apesar de ter a sua génese operativa nos militares. Se os militares não sentissem que havia um esgotamento nacional não teriam avançado.
Cunhal também admitiu que o PRD [Partido Renovador Democrático] não faria mossa ao PCP e eleitoralmente fez.
Não posso reflectir sobre esse período com muita intensidade, não foi um período que vivi e tenha estudado profundamente. Admito que a lucidez não signifique estar sempre certo, especialmente antes dos acontecimentos ocorrerem.
Que lhe suscita Carlos Carvalhas?
Respeito e de certa forma admiração, é um camarada que desempenha uma tarefa da mais elevada responsabilidade. Ser militante comunista tem sempre exigências que após os anos 90 [do século passado] são redobradas. Ser secretário-geral e contribuir para a unidade do partido, para a manutenção e ampliação da sua influência de massas numa altura daquelas não foi tarefa fácil, que o PCP atravessou com sucesso. Após 1991 houve uma grande debandada ideológica à escala europeia dos marxistas-leninistas, e há um Partido Comunista em Portugal que supera essa debandada, continua a afirmar que o socialismo e o comunismo são o futuro da humanidade. O meu camarada Carlos Carvalhas deu um contributo muito forte para que o partido tivesse mantido essas características.
Finalmente, Jerónimo de Sousa…
Suscita-me amizade, honra e orgulho por ter trabalhado com esse camarada, por toda a sua história de vida e, principalmente, pelo que ele é ainda hoje enquanto pessoa, dirigente e secretário-geral do PCP, com o qual eu tive mais oportunidade de conviver. As suas características são muito consentâneas com o colectivo e até acrescentam. Pela sua origem de classe, não é uma opção dele é um facto ser operário, mas a forma como lidou com isso ao longo da vida, como se manteve ligado às necessidades do operariado, às questões do dia-a-dia das pessoas, dos trabalhadores, e como ele próprio vive. Como decidiu colocar todo o seu engenho, saber e dedicação ao serviço do PCP. Não estou a colocar nenhum destes camaradas em altares ou pícaros, mas admiro esses dirigentes comunistas pela forma como contribuíram para o partido, apesar de achar que o principal não é quem está à frente do partido, é a base do partido e não a figura que surja mais vezes na televisão. A organização do partido, mesmo no carácter daquelas pessoas, é o que é determinante.
Está à beira dos 39 anos, tem um quarto de século de militância comunista. É fé, dogma ou verdade?
É convicção, não passa por fé nem por dogma. A verdade é sempre fruto de uma análise que se faz de acordo com um determinado pensamento. O enquadramento do materialismo dialéctico e do materialismo histórico faz-nos que vejamos a realidade de uma certa maneira. Como se cada um de nós tivesse uns óculos, muitos vêem pelos óculos do jornal PÚBLICO, outros pelos da TVI, outros pelos óculos da burguesia que nos impõe a todos.
E há os óculos do PCP.
Há os óculos do PCP, do marxismo-leninismo. Onde uns vêem colaboradores, outros vêem explorados, trabalhadores. Onde vêem empreendedores os outros vêem patrões exploradores. Onde uns vêem democracia, outros vêem engano. Não vejo a luta dos comunistas como os comunistas bons contra os capitalistas maus, a luta de classes não é entre bons e maus, é característica do estado actual de desenvolvimento das forças produtivas e da sociedade. O capitalismo foi determinante para modernizar os meios de produção, elevou as condições de vida de largas camadas da população, massificou a produção, está a socializar o processo produtivo mas não está a socializar o produto. O que se produz continua a ser acumulado. Sem capitalismo não teríamos provavelmente atingido o patamar de desenvolvimento que atingimos.
Escreveu num tweet que se o seu direito à saúde e educação de nada valiam, também não valia o direito à propriedade. É a insurreição?
Não tenho medo da insurreição, antes pelo contrário, devemos não ter a ilusão de que o capitalismo se resolverá a si próprio e se transformará em socialismo só pela vontade dos grupos económicos. O que escrevi foi durante a troika e o que quis dizer é que se a Constituição estava suspensa, então aqueles que a suspendiam tinham de ter em conta que os seus direitos constitucionais também ficariam suspensos. A Constituição é um pacto social e se é válida para uns tem de ser válida para todos.
Nasceu no Brasil por acaso?
A minha família da parte da minha mãe estava muito bem posicionada no antigo regime, durante o fascismo, apesar de não terem grandes ligações políticas, o meu avô era gerente da Socel, agora Portucel, e quando foi o 25 de Abril houve mobilizações na empresa que forçaram o meu avô à saída. A minha mãe usa o termo saneado, foi um processo no qual o meu partido não esteve envolvido. O meu avô sai da empresa, vai para o Brasil também trabalhar nas celuloses, a minha mãe vai em visita aos pais e eu nasço por mero acaso, um mês antes do previsto.
A origem de classe criou-lhe problemas no PCP? Nunca senti tal coisa.
Isso leva-o a ter uma exigência maior consigo?
Eu já decidi há muito tempo trair a classe que integrava, já fiz as pazes com isso. Sou um traidor da minha classe. Se sou filho da pequena burguesia, os meus avós eram proprietários tinham até bastantes terras, bastantes casas, eu desde miúdo podia ter tentado ganhar a proximidade desses bens e fazer pela minha vida.
Esses bem continuam no domínio familiar?
Hoje não há praticamente nada, os meus avós foram vendendo, não tenho absolutamente nenhuma intervenção em nenhuma parte do processo. Tornei-me comunista por opção, decidi colocar os meus esforços e capacidade ao serviço de uma classe que não é a da minha origem familiar.
Alguma vez voltou à sua terra de nascimento?
Voltei lá várias vezes quando era miúdo. A minha mãe levou-me a ver a família, grande parte da família da minha mãe ficou lá, os meus avós, todos os irmãos da minha mãe, os meus primos. A última vez que estive na cidade de João Pessoa onde nasci, no nordeste no Brasil na ponta mais oriental do Brasil, foi em 2000 ou 2001.
Lula da Silva desiludiu-o?
A social-democracia nunca me iludiu, na minha opinião Lula é um social-democrata. O Brasil tem uma realidade complexa, um regime fundiário muito complexo, problemas próprios, uma dimensão político-administrativa, para além daquela massa humana e terrestre. Tenho feito o possível por acompanhar o caso do Lula, tenho falado com a minha família diariamente sobre isso, e não consegui perceber aquele processo, tenho mesmo as maiores dúvidas se há verdade. Tenho a certeza que se acrescenta uma perseguição pelo facto da política que ele fez, de ter decidido que uma parte do que os grupos económicos produziam devia ir para o povo através da saúde, da educação. A história do PT [Partido dos Trabalhadores] tem também muitos vínculos com o capitalismo brasileiro, não é um partido que se afirme revolucionário, defensor de uma revolução socialista, é reformista. O nosso Presidente da República actual ia de férias de borla com o Ricardo Salgado e isso não faz com que eu acho que o homem é corrupto, mas diz-me muito com quem ele se dá, diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.
Tiananmen existiu ou foi uma montagem?
Existiu, mas toda a construção em torno de Tiananmen é um embuste. Há várias versões, os Estados Unidos não defendem a mesma versão que a Amnistia Internacional e os britânicos que afirmam que morreram dez mil pessoas. Os números do governo chinês dizem que os mortos não são mais de 500, distribuídos entre as forças militares e os estudantes.
O que é hoje a China?
Vejo a China como um país governado por um Partido Comunista que está numa fase de desenvolvimento dos meios de produção e das forças produtivas com vista à construção do socialismo. A China saiu de uma situação feudal há 50 anos através de uma revolução socialista acompanhada por uma revolução cultural, com todas as convulsões, que não foi acompanhada, nem nos modos nem na forma, pelo meu partido. Não é aquele tipo de intervenção nem de governo que o PCP defende.
Um país dois sistemas parece-lhe normal?
Não me parece normal, parece-me que a realidade chinesa implicou opções que não defendo mas respeito.
Há uma grande diferença entre a antiga URSS e a Rússia de Putin? Claro que há, espero que seja evidente para toda a gente porque, às vezes, parece que nos referimos a Putin como o herdeiro.
Putin merece-lhe alguma simpatia?
Não, não me merece nenhuma simpatia. A Federação Russa tem tido na cena internacional um papel de contrapoder que por vezes me parece mais respeitador da lei e do Direito internacional.
Apesar das acusações de ingerência nas eleições de vários países e da Ucrânia?
Acusações de ingerência são diferentes de ingerência, não tenho dados de que tenha havido actos de ingerência. Não me lembro da Federação Russa intervir militarmente em nenhum país para impor o controlo. A intervenção na Ucrânia tem a ver com uma região ucraniana que não queria a alteração do regime que se deu e, na minha opinião, bem.
Tem uma formação científica, é geólogo. Há alterações climáticas?
Há e sempre houve. A tese dominante é que as alterações climáticas se estão a agravar e que são provocadas pelo homem. O que me parece é que estão a ser intensificadas pela acção humana e os seus efeitos afectam cada vez mais população devido à gestão capitalista. As soluções que o capitalismo está a apontar são embustes. Taxar o carbono é uma solução mais preocupada com a rentabilização de mercados e a penalização de países em vias de desenvolvimento. Eu não quero um mundo que não tenha CO2, mas que tenha pessoas que não tenham o que comer. Quero um mundo em que permitamos aos povos em desenvolvimento que se desenvolvam com os meios que tiverem, com sensibilidade ambiental cada vez maior. Acabámos com os seus recursos, explorámos a mão-de-obra deles, acabámos com os nossos recursos, poluímos com fartura, toda a poluição do mundo… bem agora a Índia e a China estão a afirmar-se como grandes poluidores, até hoje a Europa e os Estados Unidos eram os maiores.
O desenvolvimento justifica tudo?
Não, nem há desenvolvimento se houver destruição do globo. Há riscos em tudo o que fazemos, também estamos a entrar em embustes, estamos a trocar carros por carros eléctricos que provocam desequilíbrios no ambiente praticamente iguais. A extracção de lítio que estamos a fazer para ter essas baterias é terrível, devassa tudo e provoca uma poluição que só vamos conhecer dentro de 20 anos, quando as baterias estiverem obsoletas.
Disse que não convidaria Marcelo Rebelo de Sousa à Festa do Avante!, mas ele foi. Devia ter sido proibida a entrada?
Ora essa, claro que não. Eu não o convidaria, não o conheço de lado nenhum, não tenho simpatia pelas suas posições nem pela sua forma de estar da vida. Foi muito bem-vindo quando lá foi, mas eu não o convidava.
Pratica artes marciais para se defender, atacar ou pelo relax? Na juventude, quando era porteiro de discoteca, recorreu à sua prática?
Comecei com dez anos, foi-se tornando uma parte da minha vida e é um caminho de desenvolvimento pessoal. Que não é só na cabeça, mas físico, no nosso bem-estar. O que mais aprendemos é não ter que usar, já recorri para me ter de defender, mas foi insignificante. No trabalho que tive durante um ano numa discoteca em Setúbal utilizei parte do que aprendi no Aikido, estar tranquilo perante um conflito e sabê-lo resolver sem o uso da força. Cheguei a ser agredido, tive de controlar pela força e nunca houve problemas de maior.
O desenho técnico do pacote de incentivos dirigidos aos emigrantes, que o primeiro-ministro tinha anunciado durante o congresso do PS, há cerca de três meses, está traçado e será uma das estrelas do orçamento do Estado para 2019.
Para atrair os jovens qualificados que "saíram sem vontade de partir", sendo que nos anos da troika chegaram a emigrar 100 mil pessoas por ano, o Governo vai oferecer-lhe um desconto de 50% no IRS, revela o "Expresso", na sua edição deste sábado, 25 de Agosto.
Segundo o semanário, o incentivo é temporário, para vigorar em 2019 e 2020, e será acompanhado de um conjunto de apoios às despesas de repatriamento e de alojamento em Portugal.
Em termos práticos, conta o "Expresso", quem resolver regressar a Portugal "passará a pagar apenas metade do IRS durante um período entre três a cinco anos (a janela temporal é uma das poucas questões que ainda estão aberto)".
Este desconto, adianta ainda a mesma fonte, "acumula com a possibilidade de deduzir, também no IRS, um conjunto de custos de regresso e de instalação em Portugal", como sejam despesas da viagem de regresso, custos de instalação e mesmo parte ou a totalidade dos custos com a nova habitação".
Incentivos que só irão beneficiar quem regresse a Portugal durante 2019 e 2010 e desde que tenha sido residente fiscal em Portugal até ao ano de 2015.
Ainda que vise sobretudo atrair jovens com profissões de alto valor acrescentado, a medida, enfatiza o "Expresso", está acessível a toda a gente, independentemente da qualificação, idade ou nacionalidade.
"Isto é, se por exemplo um cidadão espanhol tiver residido em Portugal até 2014, e agora quiser regressar, terá direito a estas prerrogativas especiais. Do mesmo modo, também um emigrante português com o ensino básico que tenha ido trabalhar para a construção civil poderá aceder ao desconto fiscal", explica o semanário.
OE2019: Costa promete "incentivos fortes" para emigrantes regressarem a Portugal
O secretário-geral do PS anunciou este sábado que o Orçamento do Estado para 2019 terá "incentivos fortes" para fazer regressar a Portugal quem emigrou nos "momentos dramáticos" de 2011 a 2015, desde benefícios fiscais a deduções dos custos do regresso.
"No próximo Orçamento do Estado iremos propor que todos aqueles que queiram regressar, jovens ou menos jovens, mais qualificados ou menos qualificados, mas que tenham partido nos últimos anos e queiram regressar entre 2019 e 2020 a Portugal, fiquem, durante três a cinco anos, a pagar metade da taxa do IRS que pagariam e podendo deduzir integralmente os custos da reinstalação", disse António Costa, em Caminha, na "Festa de Verão" do PS.
O também primeiro-ministro referiu que o Governo quer "criar a oportunidade para que possam voltar, para que possam voltar a contribuir para o desenvolvimento do país", a pôr "ao serviço do país, todo o seu conhecimento, toda a sua energia, toda a sua força".
"Quando falamos de jovens, e mesmo de menos jovens, não podemos esquecer que o país viveu momentos dramáticos, em particular entre 2011 e 2015, muitos portugueses foram obrigados a deixar de novo o país para encontrar emprego. A liberdade de circulação é óptima, mas há uma enorme diferença entre a liberdade de partir e o partir pela necessidade de não ter emprego aqui em Portugal", acrescentou.
António Costa apontou como "bom exemplo" do regresso de jovens ao país o caso do actual titular da pasta da Educação.
"Temos tido casos de sucesso. Eu ter ido a Cambridge buscar um jovem investigador como o Tiago Brandão Rodrigues permitiu-nos ter um excelente ministro da Educação. Mas, temos de criar condições para que outros possam também voltar, mesmo não sendo ministro da Educação", disse.
(Notícia actualizada às 20:21 com declarações de António Costa na "Festa de Verão" do PS)
O dia de guerra em Cambedo que a ditadura "escondeu"
"Foi horrível, só se ouviam as metralhadoras, era um cenário de guerra"
A guerra em Cambedo ficou esquecida nas sombras da ditadura portuguesa e só anos depois os habitantes desta aldeia de Chaves conseguiram falar abertamente do dia em que foram atacados pelo Exército e GNR, que procuravam guerrilheiros espanhóis ali refugiados.
Foi no dia 21 de dezembro de 1946 e Manuel Guerra Gomes tinha 11 anos. “Foi um dia horrível, só se ouviam as metralhadoras, era um cenário de guerra”, recordou hoje o octogenário.
Manuel Guerra Gomes descreve os acontecimentos com precisão. “Eram 05:30 quando a GNR deu os primeiros tiros ao Juan que foi morto, porque ele estava numa casa ali em baixo. Era amigo da família e pernoitava ali de noite e de dia ia a monte”, referiu.
A aldeia de contrabandistas acolheu pelo menos quatro guerrilheiros antifranquistas. São pelos menos estes os que o idoso se recorda. Uns morreram e outros foram presos, todas as casas da aldeia foram vasculhadas pelos guardas e os militares acabaram por bombardear também várias habitações.
Nesta aldeia, a cerca de 18 quilómetros de Chaves, ficou instalado o medo e o terror. “Nós não podíamos sair de casa, a GNR foi pela rua acima e disse para ninguém sair de casa”, contou Manuel Guerra Gomes.
Segundo o idoso, os espanhóis “andavam na vida deles e mais nada”.
“O posto da Guarda Fiscal ficava aqui e eles conviviam com eles. Eles vieram de Espanha fugidos unicamente para fugir à guerra civil, eram perseguidos pelo regime franquista. Vieram para onde tinham amigos e família”, salientou.
Após o ataque, foram detidos e interrogados muitos habitantes da aldeia.
“A tia Albertina também foi presa, não se metia na vida de ninguém, a vida dela era ir para a igreja e ensinar a doutrina aos garotos, era o único padre que cá tínhamos. Ainda me ensinou a mim e a outros como eu”, referiu.
É na casa da dona Albertina que uma equipa de cinco arqueólogos concentra os trabalhos de investigação que estão a decorrer no âmbito do projeto “Cambedo 1946”, que visa estudar a resistência às ditaduras ibéricas (1926-1975) e a solidariedade na fronteira entre Trás-os-Montes e a Galiza.
Após o fim da guerra civil espanhola, em 1939, grupos de republicamos refugiaram-se na área de montanha para continuarem com a luta armada. Em 1946, já após a II Guerra Mundial, os dois governos ibéricos esforçaram-se por acabar estes grupos de guerrilheiros que se refugiaram na raia.
O arqueólogo Rui Gomes Coelho explicou que este projeto de arqueologia contemporânea quer dar “visibilidade à comunidade”.
“Normalmente os projetos que versam sobre a arqueologia contemporânea e mais especificamente conflitos militares e guerrilha, não só em Espanha mas também um pouco por todo o mundo, geralmente estão focados na figura dos guerrilheiros e acabam por os mostrar um pouco como heróis românticos. O que nós queremos fazer aqui é dar um pouco de visibilidade à comunidade que sustentava socialmente a própria guerrilha”, salientou.
Cambedo é, na sua opinião, um “exemplo de solidariedade e de hospitalidade” que devia ser seguido na “sociedade atual e no que diz respeito à atual crise humanitária global”.
“Quando estão a dar acolhimento aos guerrilheiros e a assumir todos esses riscos que comportava essa atitude, aquilo que nós temos é uma espécie de ética e solidariedade e hospitalidade”, frisou.
A vida quotidiana da aldeia foi interrompida após este “episódio traumático” num suposto período de paz e do qual não se falou durante a ditadura.
Foi já na década de 80 que a antropóloga Paula Godinho, da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito de um trabalho de etnografia da zona de fronteira descobre a história e a revela no espaço público nacional.
A incrível aldeia que tem uma ilha que conquista corações
Estás à procura de um reino fantástico para uma viagem? Encontrámos o lugar ideal. Apresentamos-te a “Bled”, uma aldeia na Eslovênia, a 50 quilômetros da capital (Liubliana), com pouco mais de 5.000 habitantes que causou sensação na rede social Instagram: já foram colocadas mais de 400.000 fotografias só neste verão.
E não é para menos. As casas pitorescas fundem-se no ambiente natural, completamente coberto por vegetação. Há 800 anos, havia um pequeno santuário dedicado à deusa Giva, a deusa pagã considerada a deusa da Vida. Depois ela foi transformada numa igreja católica e dessa forma ela existe desde o século 16.
Um dos seus maiores atributos é o Lago Bled, cujas águas azul-turquesa se encontram preenchidas por uma ilha com apenas duas casas e uma igreja.
A paisagem é espetacular, mas o melhor mesmo é conferir as imagens.
(Hoje, no seu comentário semanal na SIC, o Mendes abriu o “dossier” da recondução da Procuradora Joana, talvez a pedido de Marcelo, que quer colocar o tema na agenda mediática e assim condicionar as opções do Governo. E foi dizendo que a Procuradora fez um mandato excelente. Claro, excelente para a direita, cujas patifarias nunca investigou, a começar pelas do próprio Marques Mendes, acusado pelo fisco em 2014 de lesar o Estado em 773 000 euros. (Ver aqui). Sobre esta história nunca mais se ouviu falar, logo, eu se fosse o Mendes, também queria a recondução da Joana!
Comentário da Estátua, 26/08/2018)
Estou a ouvir o Marques Mendes a MENTIR com todos os dentes e mais alguns que tem na boca.
O pequeno diz que Joana Marques Vidal acaba o seu mandato em Outubro mais prestigiada que quando começou. Mais prestigiada?
Por ter safado Paulo Portas do crime de corrupção ao receber 30 milhões da Ferrostaal, recusando ler e utilizar o processo alemão que condenou os dois administradores alemães a dois anos de cadeia por corromperem Portugal?
Joana Marques Vidal ao recusar investigar e até perguntar alguma coisa a Paulo Portas roubou 140 milhões de euros de indemnização a Portugal a serem pagos pela Ferrostaal se houvesse uma condenação aqui.
Também sai “prestigiada” por se saber que quando orientou os tribunais de família deixou a IURD roubar crianças em Portugal?
Também sai “prestigiada” por deixar a PÁTRIA a arder sem acusar os INCENDIÁRIOS?
Joana não conseguiu ainda averiguar nada de concreto por causa do BPN, cujos administradores saíram livres, nem sobre o BES e até as acusações contra o ex-PM Sócrates não têm qualquer consistência.
Pela PÁTRIA a Joana Marques Vidal nada fez e em termos de justiça deixou tudo PIOR do que estava. Seria uma AFRONTA a todos os portugueses, aquela senhora ser reconduzida para um novo mandato de SEIS ANOS´,
Há quase 15 anos, a 23 de Novembro de 2003, o Estádio Algarve foi inaugurado. A sua construção nunca foi consensual e passado todo este tempo ainda não é. Os próprios municípios, que investiram cerca de 30 milhões de euros na obra, e gerem o recinto, têm visões diferentes: Faro voltava a construí-lo. Loulé tinha de pensar melhor.
Paulo Santos, vice-presidente da Câmara de Faro, garante ao Sul Informação que «se fosse hoje, e sabendo o que sei, se tivesse de tomar essa decisão, tomaria exatamente igual». O autarca farense suporta a sua opinião pela ocupação do recinto que está «no limite da sua utilização. Ao contrário de outras situações, o estádio está mantido nas devidas condições. Tem certificação para receber um jogo da Seleção portuguesa amanhã, se for caso disso. As Câmaras de Faro e de Loulé, com algum esforço, nunca permitiram que a infraestrutura entrassem em colapso», explica.
Por seu lado, Pedro Pimpão, vice-presidente da Câmara de Loulé, considera que, «se se avançasse com o Estádio Algarve hoje, teríamos de avançar com um maior conjunto de entidades envolvidas. Não podiam ser duas câmaras municipais, com a dimensão que têm, a construir um estádio de mais de 30 milhões de euros. Devia envolver mais autarquias, a comunidade, privados, grupos hoteleiros, todos beneficiam desta infraestrutura. Se tivéssemos hoje a possibilidade de construir um estádio, tinha que ser um projeto maior do ponto de vista do envolvimento. Isto porque sabemos que Faro tem um estádio, Loulé tem um estádio, Olhão tem um estádio, Portimão tem um estádio… Tinha que ser muito bem visto».
Apesar de o Estádio Algarve não ter uma equipa da primeira divisão a jogar regularmente, «desde sempre teve ocupação e vive bem com isso. Em 2017, tivemos 59 ocupações e, dessas, 44 foram devidas a jogos oficiais. Se calhar, são mais jogos oficiais do que alguns estádios, com equipas da primeira divisão, recebem», diz Paulo Santos.
Em termos de jogos oficiais, uma das “ajudas” tem sido dada pela seleção de Gibraltar que, desde 2013, utiliza este estádio. «Foi importante a seleção de Gibraltar ter começado a jogar aqui e vai continuar. Vamos renovar o protocolo», adianta o autarca.
Ainda no âmbito dos jogos oficiais, o estádio recebe «algumas vezes, jogos do Louletano e o Farense também já o utilizou. Depois, tivemos, no ano passado, a Final Four da Taça CTT».
O centro de estágios em construção
Há ainda outros torneios de cariz não oficial, «em várias alturas do ano. Por exemplo, a Atlantic Cup, que traz equipas nórdicas de primeira linha ao Algarve na paragem de Inverno» e jogos de pré-época.
Além destes jogos, em 2017, o Estádio Algarve recebeu também 31 treinos. E é «a isto que não conseguimos dar resposta. Para poupar e fazer uma gestão equilibrada do relvado, estamos a construir o centro de estágios. Nós recusamos treinos no Estádio Algarve todas as semanas. Não estamos a fazer um centro com três campos porque achamos que vai funcionar. Sabemos que vai funcionar pela procura e recusa de equipas que querem treinar no Estádio Algarve», diz Paulo Santos.
Maior capacidade de acolher treinos neste estádio pode atrair, segundo o vice-presidente da Câmara de Faro, mais clubes internacionais que procuram a região para os estágios de Inverno e de pré-época.
No entanto, Pedro Pimpão, vice-presidente da Câmara de Loulé, não tem uma visão tão otimista. Apesar de considerar que «dotar o Estádio Algarve de campos de treino é benéfico, porque temos de dar valor acrescentado», as equipas estrangeiras «precisam de apoios ao nível da hotelaria. A maior parte das equipas treina em Vale de Lobo e outros locais, porque têm capacidade hoteleira à volta. Por isso, ou este Parque das Cidades é dotado de oferta hoteleira próxima, ou o centro servirá numa lógica de apoio a equipas locais e nacionais. Na atual conjuntura, sem hotelaria, será isso que irá acontecer».
O Plano de Pormenor do Parque das Cidades prevê a construção de unidades hoteleiras, mas também previa outras infraestruturas como o Hospital Central do Algarve, que não avançou. «Quando temos grande investimento, do tamanho do estádio, ou mandamos abaixo, como muitos economistas já defenderam, ou damos valor acrescentado com infraestruturas, que já estavam estudadas, como o Hospital Central do Algarve», diz Pedro Pimpão. Dos investimentos previstos, que dariam maior centralidade ao espaço, apenas nasceu o Laboratório Laura Ayres.
A possibilidade de rever o Plano Pormenor do Parque das Cidades é algo que está em cima da mesa, segundo os dois autarcas.
Pedro Pimpão diz que «essa é uma discussão a ter. Embora tudo dependa da evolução a incrementar nos territórios e das circunstâncias do mercado. Quando pensamos no Estádio Algarve, pensamos noutra lógica. Aliás, o presidente da Câmara de Loulé, no Dia do Município, lançou um desafio de criar a estação intermodal em São João da Venda, que daria uma nova centralidade ao Parque das Cidades. Defendemos esse sistema intermodal ali. Aquela estação tem capacidade para se tornar mais do que é e pode ser um valor acrescentado para o próprio estádio».
No entanto, Faro tem outra ideia para a localização de uma estação intermodal: o Patacão. Aliás, essa é uma das ideias explícitas na proposta do novo Plano Diretor Municipal (PDM) da capital algarvia, que está a ser ultimada.
O Estádio Algarve nunca foi gerador de consensos.
Quanto custou (e ainda custa) o Estádio Algarve?
A obra do Estádio Algarve custou cerca de 38 milhões de euros, sendo que a Associação de Municípios Faro Loulé contratualizou dois empréstimos de médio e longo prazo, um de 16,9 milhões de euros, que termina a 20 de Janeiro de 2023, e outro de 7 milhões de euros, que termina a 24 de Março de 2024. Destes empréstimos, falta pagar 6,5 milhões de euros. O Estado comparticipou a obra em 9,9 milhões de euros.
Mensalmente, para amortização de capital e de juros dos dois empréstimos contratados, cada município paga cerca de 28 mil euros, ou seja, 56 mil euros no total.
Já os encargos de funcionamento médios do Estádio, por mês, são de 37 mil euros, divididos pelos dois municípios, o que dá um valor anual estimado de 448 mil euros. O valor das receitas, em 2017, rondou os 199 mil euros, ou seja, menos de metade do que as despesas.
Em 2018, a previsão de gastos total ascende aos 426 mil euros.
Afonso Cautela. “Despeçam-se de mim à bofetada e passem muito bem”
Afonso Cautela. “Despeçam-se de mim à bofetada e passem muito bem”
Faz mais de um mês da morte de Afonso Cautela. Uma presença forte, que se fez notar ao longo de décadas no tíbio panorama do nosso jornalismo. Com aquele hábito de quem “escava lentamente o dia/ até ser tudo ou nada”, estaria atento aos pequenos rumores da madrugada quando desapareceu, no passado dia 29 de junho.
Tinha 85 anos, e parece que saiu “discretamente”, talvez porque não mandava o relatório das atividades com pinças, não se queixou dos males menores que tanto entretêm, no seu ponto final não precisou nem de uma doença dessas prolongadas, como quem vai empurrado, e deixou mesmo claro: “Não preciso de escolta.” Querem mais? Pois ainda disse: “Não preciso de nada,/ estou em ordem,/ despeçam-se de mim à bofetada/ e passem muito bem.”
Depois das indicações que Mário de Sá--Carneiro deixou para lhe comporem um “Fim” à sua altura - “Quando eu morrer batam em latas (...)
Chamem palhaços e acrobatas!” -, há muito não se via, nesta língua, tão irrepreensível saída pelos fundos (seja em versos ou em linha reta), nem tão clínica clareza de que a eternidade já não tem forças para alombar com todas essas solenidades dos que até na morte são vaidosos. Felizmente, há exceções.
Esta pede-nos: “não se esqueçam de pôr o luto” e, no mesmo passo, espera que não falte nos sapatos a “graixa”. É uma exigência irmã da do outro, que queria por força que o corpo, no último passeio por esta Terra, fosse sobre um burro.
Figura a vários títulos marcante, este jornalista de causas, pioneiro do ecologismo em Portugal na década de 70, pautou a sua intervenção por um forte sentido crítico, e a sua obra poética, depois de duas edições de autor - “Espaço Mortal” (1960) e “O Nariz” (1961) -, susteve um silêncio quase total ao longo de meio século, até à publicação, em 2011, de “Campa rasa e outros poemas”. E isto persistindo naquele ofício, como canção clandestina, um assobio que um homem leva ermo em si, como um irresolúvel enigma.
Em 1961, com 28 anos, ter-se-á desinteressado da publicação do que lhe ia ficando dos “diálogos com o silêncio”, e quanto aos livros que marcaram a sua estreia, caracterizou-os como diários. De resto, num poema desse ano, que permaneceu inédito até 2017, quando foi integrado no primeiro volume (os dispersos e inéditos) de “Lama e Alvorada - poesia reunida 1953-2015”, vinca: “Aos meus diários nunca chamei poemas”. Daqui pode inferir-se, como António Cândido Franco fez no artigo saído no 5.o número (abril de 2018) da revista “Flauta de Luz” - “A ‘Arte Bruta’ de Afonso Cautela” -, que pelas urgências do autor não passava a vontade “de fazer prova de talento, submeter-se ao crivo da crítica, ganhar público e cativar vendas, fazer fila para entrar na história da poesia do seu país”.
Escrevendo “versos como quem escreve páginas íntimas e intransmissíveis”, Cautela provava um desapego onde não pode também deixar de se reconhecer a lucidez de um juízo autocrítico bastante severo, em linha, de resto, com a sua militante ação para contrariar a “ditadura do aleatório” quando tomou para si a função de inculcar nos leitores dos vários jornais por onde passou a importância das questões ambientais, alertando nomeadamente para o problema do desordenamento territorial e aquilo a que chamava o “ecocídio sistemático”. E, assim, foi dos primeiros entre nós a assumir que o ecologismo não era apenas outra causa, mas aquela que marcava o corte com um modelo produtivo que assenta na ilusão do crescimento infinito, para aceitar que a sustentabilidade marca o acesso a “uma fase evoluída da marcha da História”.
Por isso, na sua militância não se ficou pelo catastrofismo que, como disse numa entrevista em 2007, “virou moda e ideologia política”. Nesse excelente perfil que José Luiz Fernandes lhe dedicou, Cautela sublinha que “a situação hoje é inversa da dos anos heroicos e pioneiros do movimento ecológico. Ainda se rotula o eco-militante de alarmista, derrotista ou catastrofista, mas, em contrapartida, o discurso dominante, em todos os setores, é apocalíptico e catastrofista”. Lembra, deste modo, a necessidade de “o militante da ideia ecologista, hoje, quando todos só falam em desgraças, vírus e aquecimentos globais, ter de se colocar na primeira linha para contrariar esta ‘onda negra’ que invade os média, multiplicadores de um estado depressivo e desesperado”.
O que acima se disse, e que poderá parecer um parêntesis, é na verdade o aspeto decisivo da sensibilidade previdente e, nesse aspeto, poética de Afonso Cautela. E com esta nota, deste ponto em diante, já não acompanhamos Cândido Franco quando diz secundar “sem grande incómodo” a convicção de José Carlos Costa Marques (responsável pela organização e edição da reunião da poesia de Cautela - cujo segundo volume, com a obra édita, deverá chegar ao prelo entre o final deste ano e o início do próximo) quando diz que esta poesia deveria figurar “entre o que de melhor se escreveu na poesia portuguesa nesse período, em especial na década de 1955-65”.
Se é compreensível o ânimo que leva Costa Marques a tentar de tudo para impedir que se perca uma obra que, certamente, não será negligenciável - e sublinhe-se que foi ele o primeiro responsável pela quebra daquele longo silêncio, em 2011, editando “Campa rasa”, ocupando-se depois da reunião de tudo o que ficou pelo caminho -, não devemos, no entanto, e seja em nome de que pretexto for, abdicar de uma justa avaliação crítica, porque não é engrupindo os leitores que se evita um resultado mais do que provável. Diz Cândido Franco que o juízo feito por Costa Marques no prólogo de “Lama e Alvorada” é arriscado, e adianta que a década de 1955-65 foi das mais expressivas do séc. xx português, tendo contado com “as estreias de Herberto Helder, Manuel de Castro, Ernesto Sampaio, António José Forte e Luiza Neto Jorge...” Ora, referindo estes nomes para, logo de seguida, subscrever a afirmação do outro, o tão benevolente crítico e mais empenhado divulgador não faz mais do que resvalar para o leviano panegírico que se tornou o bailinho em que os críticos vão dançando e trocando de par, enquanto passam incólumes e evitam ferir suscetibilidades; sempre vagos ao apontar alvos quando formulam juízos mais severos, e generosos na hora de deporem as coroas de flores, lixando com isso jardins inteiros.
Aliás, Cândido Franco não perde também a oportunidade de causticar “os agentes do atual sistema literário”. Diz ele que a obra poética de Afonso Cautela “com certeza” há de passar-lhes ao lado, e numa nota curiosamente catastrofista ainda adianta: “O que não é um mal, dado o estado em que ele [sistema literário] se encontra, e é além disso aquilo que o autor desejaria para si e para a sua poesia.”
Portanto, o crítico não só sabe o que o autor quereria como aproveita para se considerar uma exceção no atual panorama da crítica. Já que estamos a ser francos, deve dizer-se que nada há de mais enxofrante para um autor do que ver-se no lote de vítimas a que um qualquer Zorro literato vem fazer justiça, esquecendo-se depois de ler a obra e esgrimir os argumentos que façam relevar a sua diferença.
Morre-se ainda pior quando nem a satisfação da nossa verdade nos é reconhecida. E não há mal nenhum em ser-se um poeta de segunda linha, particularmente se, como é o caso da poesia portuguesa do último século, é tão notória a importância dos poetas secundários para fazer a riqueza do solo da nossa literatura. Afonso Cautela merece ser lido, sim, mas antes de mais como o homem de uma consciência que não sabia ficar-se pela entoação, feroz cruzado da pena, que se conta entre esses que, com mais ou menos génio, a passam necessariamente pelo sangue. Alguém que se insurgiu contra as catástrofes ecológicas de Sines e do Alqueva, contra o crime de Ferrel e tantos outros que, atentando contra a natureza, na verdade, como ele disse a propósito da eucaliptização, estavam a conduzir à “descolonização de Portugal” - isto muito antes de se falar dessa espécie como uma praga que afunda as suas raízes no nosso solo do mesmo modo que a ganância o faz na nossa sociedade. Afinal, foi o poeta ou o ecologista quem disse “se queres colher desertos, semeia eucaliptos”?
O que importa, por isso, é reconhecer a Afonso Cautela o mérito de ter gostado tanto de poesia que a fez sem alvoroço, de si para si. Cândido Franco fala numa “poesia tosca, não civilizada, despida de presunção literária”, e, nisto, estamos de novo com ele. Sem necessidade, depois, de vir com inférteis especulações sobre a possibilidade de esta vir a ser tida como uma das mais obscuras obras do anti-canône da poesia portuguesa da segunda metade do séc. xx.
Mais vale pensar na justeza com que Cautela encarava a poesia como “um erro da natureza”, e como esse erro pode ser uma forma de revolta frente ao catastrofismo que virou moda e ideologia política, tendo proposto, por exemplo, como medida de progresso no jornalismo, “que houvesse paridade entre as boas e más notícias: 50% para cada lado, pelo menos”. Denunciava assim como ficam bem servidas as estruturas de poder por essa forma de criar desalento através de uma representação facciosa do mundo, uma distorção diária da realidade a favor do desespero. Cautela lembrava-nos, deste modo, que o facto de só haver más notícias ou de só as más notícias venderem não pode servir nem de pretexto nem de álibi. E recordava que, na verdade, é a facilidade que tem ditado esta vertigem catastrofista, porque “as más notícias ‘caem’ nas redações e não é preciso trabalhar muito por elas. Já as boas é preciso escavá-las, procurá-las, investigá-las”.
Lama e Alvorada - poesia reunida 1953-2015
Organização e prefácio de José Carlos Costa Marques
Edição: Afrontamento, abril de 2017
Páginas: 568
Preço: €26,00
Um pouco da morte ao lado de um prato de caracóis
Texto de Rui Caeiro
O jornal “Voz de Paço d’Arcos” de junho p.p. traz uma pequena notícia sobre a morte do poeta e jornalista Afonso Cautela. Pela sua imprecisão e desleixo, a notícia merece algum reparo.
Em primeiro lugar, a localização: para o fim do jornal, numa rubrica intitulada “Breves à solta”, ao lado de anúncios a um cabeleireiro, a um restaurante e a uma receita de caracóis cozidos.
De Afonso Cautela, nem fotografia nem desenho.
Recorda-se que o diretor do jornal é pintor generalista, que pinta e desenha desde cavalos a pessoas e que muito do resultado desse trabalho é generosamente espalhado por cada número do jornal, o que neste mesmo se pode observar. Perguntamos: o prato de caracóis merece fotografia, a dona dum salão de chá merece desenho - e o Afonso Cautela não? Não se percebe o critério, ou a falta dele - ou tanta miopia ou desleixo.
Propriamente quanto ao conteúdo da notícia, diz-se que Afonso Cautela “iniciou a carreira jornalística nos jornais ‘O Século’, ‘Capital’ e ‘Público’”, omitindo ou esquecendo que durante vários anos Afonso Cautela já se ocupava, em Ferreira do Alentejo, de uma página de cultura no jornal “A Planície”, onde desenvolvidamente se referiu à literatura portuguesa contemporânea, nomeadamente neorrealismo e surrealismo.
Também a notícia não faz qualquer referência, e era absolutamente essencial fazê-lo, a que Afonso Cautela foi um pioneiro incontornável em Portugal dos estudos de ecologia.
Mas nada a fazer. Para a “Voz de Paço d’Arcos” era mais importante o tal prato de caracóis…
Há três tipos de pessoas, no que às batatas fritas diz estrito respeito.
Há aquelas que gostam de batatas fritas e só comem batatas fritas, pois, mesmo que eventualmente não morram de amores por elas, consideram que não há melhor forma de confecionar a batata do que fritando e nenhum outro alimento fornecerá níveis de satisfação e saciedade semelhantes. Assim, passam uma vida inteira a ingerir convictamente batatas, e apenas batatas, na sua variante frita.
Depois, há aquelas que gostam de batatas fritas e consideram os seus méritos, mas apreciam também outras formas de confeção da batata, isto é, conferem algum relevo à batata assada, a murro, à batata cozida e até mesmo ao puré de batata. Bem vistas as coisas, são pessoas que, tais como as do primeiro grupo, também só comem batatas, fazendo, todavia, questão de variar a forma como as ingerem.
Finalmente, consideremos as pessoas, verdadeiramente revolucionárias no que à batata frita diz respeito, que creem que a batata frita e a batata per si são extremamente redutoras no contexto do hidrato de carbono de uma alimentação saudável. Com efeito, consideram também o arroz, a massa, assim como leguminosas importantes como o feijão, a lentilha, a ervilha e o grão de bico.
Assim como relativamente à batata frita, também a política pode gerar semelhante divisão da população. Na minha ótica, o nosso problema assenta no facto de termos demasiados indivíduos pertencentes ao primeiro e ao segundo grupo de pessoas. Normalmente, ao primeiro grupo chamamos de “direita” e ao segundo de “esquerda”, mas isto são apenas meras designações. São pessoas que concordam com o essencial que é comer batata e comer batata a vida inteira, seja ela frita ou de outra forma qualquer, e não consideram alternativas. Perdão: na frase anterior troque “batata” por “capitalismo” e “frita” por “selvagem” ou “liberal”, que é menos agressivo. Assim, compreende-se melhor.
Faltam pessoas do terceiro grupo, verdadeiros revolucionários, que ousem imaginar, sonhar com outras formas, com outros modelos políticos! E que não temam fazê-lo! É fundamental fazê-lo. A estes por convenção chamamos de “radicais” ou “comunistas”. Sem estes, estamos condenados à estagnação, à autofagia e à implosão da humanidade.
Situada no centro do estreito de Sonsa, entre as ilhas de Sumatra e Java, na Indonésia, a ilha vulcânica de Krakatoa quase desapareceu do mapa entre 26 e 28 de Agosto de 1883, em virtude de uma erupção considerada como a mais violenta dos tempos modernos. Ao verificar-se o fenómeno, o seu ponto mais alto, o monte Perboewatan, explodiu. As cinzas, a poeira e o fumo que provocou, subiram, segundo se afirma, a mais de 27 quilómetros, e o barulho da explosão chegou à Turquia, Austrália, Filipinas e Japão. Além disso, os efeitos atmosféricos da catástrofe, circundando o globo durante vários meses, provocaram estranhas transformações ao nascer e pôr do Sol.
A Indonésia é constituída por cerca de 17.000 ilhas, algumas habitadas e outras não, localizadas numa zona de convergência de duas placas tectónicas, subdivisões da crosta terrestre que se movimentam de forma lenta e contínua sobre o manto, a camada que fica abaixo da crosta terrestre, prolongando-se em profundidade até ao limite exterior do núcleo, região mais profunda da Terra, que se inicia além dos 2.900 quilómetros abaixo da superfície. O choque entre essas placas pode activar qualquer um dos 130 vulcões existentes na região, e quando isso acontece, milhões de toneladas de material vulcânico são lançados ao ar.
No dia 26 de Agosto de 1883, às 12;53h, o Krakatoa iniciou uma erupção que duraria até a noite do dia seguinte. O som ensurdecedor da primeira explosão foi secundado por uma nuvem negra que subiu acima dos 25 quilómetros, alargando-se para o nordeste, ao mesmo tempo em que cinza ardente e pedra-pomes eram lançadas para o ar, acompanhados de fluxos piroclásticos. No dia imediato mais quatro erupções precederam outra violenta explosão (sete mil vezes mais potente que a bomba atómica de Hiroshima) que quase destruiu a ilha, afundando dois terços dela na câmara magmática e formando uma caldeira submarina.
A força da explosão provocou diversos tsunamis que destruíram, ou danificaram seriamente, cerca de 300 aldeias nas ilhas costeiras do estreito de Suma, afundando ou provocando severos estragos em 6.500 embarcações. Segundo os relatos da época, a água retrocedia depois de cada vaga, mas logo depois uma onda ainda maior submergia completamente as ilhas próximas à sua passagem. Marinheiros a bordo de navios em rotas marítimas próximas relataram eventos associado à erupção vulcânica. O som das explosões era tão alto que rompia os tímpanos de alguns tripulantes em navios a muitas milhas de distância. Os tsunamis provocaram o maior número de mortes (oficialmente, cerca de 36.417 vítimas) durante a erupção do Krakatoa, estimando-se, porém, que cerca de dez por cento do total de óbitos durante o sinistro deva ser atribuído à queda do material vulcânico, ocorrida em quantidade tão grande que no estreito de Sonda os detritos pareciam formar um terreno sólido, dificultando a chegada dos navios de ajuda às localidades necessitadas de socorro. Nos meses seguintes, essa grossa camada de pedra-pomes ao poucos foi sendo levada pelas marés altas e tempestades rumo ao mar de Java e oceano Pacífico, onde finalmente se dispersaram. Dos 45 quilómetros quadrados da Ilha de Krakatoa restaram, somente, 4 quilómetros quadrados. As nuvens de poeira vulcânica foram transportadas pelo ar ao redor da Terra e permaneceram durante muitos meses. Em Paris, Nova Iorque, Cairo e Londres o pôr-do-Sol assumiu uma tonalidade azul-chumbo e a luz da Lua e das estrelas pareciam ser esverdeadas. O fenómeno estendeu-se até à Primavera do ano seguinte. Em 29 de Dezembro de 1927, após 44 anos de inactividade do Krakatoa, surgiu a notícia de que vapor e detritos saíam do mar acima da caldeira submersa. Um mês depois, em 26 de Janeiro, um pequeno cone aflorou à superfície, que continuou a crescer até se transformar, um ano depois, numa ilha que foi designada Anak Krakatoa, cujo significado é filho de Krakatoa. Desde essa época as erupções do novo vulcão acontecem anualmente, mas embora elas não sejam perigosas para as ilhas situadas a pequena e até media distância, constituem uma constante lembrança da tragédia ocorrida em 1883.
Em Novembro deste ano assinalam-se dez anos desde o início da implementação do “quantitative easing” pela Reserva Federal norte-americana (o BCE seguiu mais tarde esta estratégia) . Em resposta à Grande Recessão de 2007/08, ambas as instituições adotaram medidas não convencionais – o “quantitative easing” (QE), nome pelo qual ficou conhecido o programa de compra de ativos por parte destas instituições no mercado secundário, sobretudo títulos de dívida pública e privada. Com este programa, os bancos pretendiam diminuir as taxas de juro de curto e longo prazo, facilitando o acesso ao crédito e, com isso, fomentando o consumo, o investimento produtivo, a criação de emprego e a recuperação das economias depois da crise financeira. No entanto, enquanto alguns economistas aplaudem o sucesso desta medida, outros alertam para potenciais efeitos secundários. Os estudos mais recentes sobre os impactos do QE indicam-nos que o programa:
1. tem tido como efeito principal a queda das taxas de juro para valores próximos de zero, o que facilita o acesso ao crédito.
2. tem contribuído para a subida do preço dos ativos financeiros (ver, por exemplo, aqui), embora a subida da inflação nos bens e serviços de consumo corrente seja lenta, não correspondendo às previsões iniciais.
3. tem um efeito positivo na criação de emprego nos países que beneficiam da política monetária expansionista, ainda que os salários reais continuem sem crescer (tendência que já discutimos aqui).
Coloca-se um primeiro problema: pela conjugação dos três efeitos anteriores, o QE pode contribuir para acentuar a desigualdade de rendimento, uma vez que favorece os detentores de ativos financeiros, que como sabemos se encontram tipicamente concentrados na posse das pessoas mais ricas. É o topo que beneficia com os ganhos de capital que resultam do aumento do preço dos ativos.
Apesar de existirem alguns fatores contrariantes (a diminuição das taxas de juro favorece, por exemplo, as famílias com empréstimos para pagar, o que é relevante no caso dos empréstimos à habitação), a evidência empírica sugere que o QE contribui para aumentar a desigualdade de rendimento. Não é por acaso que Ben Bernanke, antigo presidente da Reserva Federal e, por isso, insuspeito de heterodoxias, reconhece a “correta observação de que a expansão monetária implica um aumento do preço de ativos, como ações. Uma vez que os ricos possuem mais ativos que os pobres e as classes médias, o raciocínio é de que as políticas da Reserva Federal estão a aumentar as disparidades de riqueza.”
Por outro lado, a enorme injeção de liquidez nos mercados não favorece apenas o investimento em setores produtivos, mas também a especulação financeira. Na verdade, enquanto o investimento permaneceabaixo dos níveis pré-crise nestas economias, a evolução dos índices dos mercados bolsistas sugere que a última década tem sido marcada pelo ressurgimento de bolhas especulativas. Em vez de contribuir para uma recuperação económica sustentada, o QE parece reforçar a especulação financeira e o aumento do risco - o Economist questiona a racionalidade desta 'exuberância'.
Contudo, a solução contrária (uma política monetária contracionista) afigura-se ainda menos desejável que a atual, já que a consequente subida das taxas de juro teria efeitos recessivos sobre as economias (sobretudo as mais endividadas, como é o caso da portuguesa), poderia desencadear colapsos financeiros nos mercados onde os títulos se encontram sobrevalorizados, e não resolveria o problema da desigualdade. O risco de redução do programa de compra de ativos já foi discutido, por exemplo, aqui.
Na zona euro, este aparente paradoxo da política monetária é a expressão de problemas mais profundos. Depois do colapso financeiro de 2007, a estratégia seguida pelas instituições responsáveis tem sido a de procurar minimizar as perdas do sistema financeiro sem alterar a sua estrutura e o seu funcionamento, o que se reflete na ausência de alterações significativas na regulação do setor. Além disso, as normas europeias impedem que os países complementem o QE com uma política orçamental expansionista sem incorrerem em incumprimento das metas acordadas, limitando a capacidade de estes adotarem políticas de redistribuição do rendimento ou de reforço do investimento público. Assim, a enorme injeção de liquidez no sistema financeiro tem fracassado no objetivo de crescimento económico robusto das economias ocidentais, e parece ter aumentado a instabilidade do sistema financeiro. O risco de uma nova crise mantém-se.