
Há oitenta anos o nosso Tejo foi palco da célebre “Revolta dos Marinheiros”, que colocou as duas margens do rio em polvorosa, pelos muitos tiros disparados e pela agitação nas águas, provocada pela fuga dos militares revoltosos. Na imagem podem ver o estado em que ficou um dos navios ocupados.
Embora o texto que se segue, seja um pouco extenso, achei que era importante saberem o que realmente aconteceu...
«A Revolta dos Marinheiros, de 8 de Setembro de 1936, foi uma das primeiras grandes agitações sociais promovidas com o apoio directo do Partido Comunista Português, através da ORA (Organização Revolucionária da Armada), a sua célula no interior da Marinha de Guerra Portuguesa, que começara a ter alguma força junto dos marinheiros, ao ponto de assustar os comandos da nossa Armada.
Esta revolta teve algumas singularidades, a maior das quais, ter sido desencadeada apenas por marinheiros e grumetes, com idades entre os dezoito e os vinte e dois anos.
As comemorações do décimo aniversário da revolução do 28 de Maio de 1926, que tiveram o ponto alto na Praça do Comércio que se encheu de gente, fruto da presença de uma grande massa de representantes dos sindicatos e trabalhadores obrigados a comparecer, transportados em camionetas fretadas pelos patrões, com a ameaça de desemprego para todos aqueles que se recusassem a participar na festa, marcariam o início da revolta.
As intimidações aos operários para engrandecerem a festa do Estado Novo também chegaram ao navio que prestava honras militares às altas individualidades do poder. A sua guarnição recebera ordens superiores para levantar os braços em frente do Cais das Colunas e soltar urras de aclamação. Mas os marinheiros fizeram ouvidos de mercador e quando passaram junto ao cais não fizeram qualquer gesto, permanecendo apenas em sentido. Essa atitude louvável fez com que o comando, e até a própria PIDE, começassem a ter alguns marinheiros debaixo de olho.
Com o começo da Guerra Civil Espanhola, o NRP Afonso de Alburquerque partiu para o país vizinho, com a missão de escalar alguns portos a sul e recolher os portugueses radicados nessas paragens que quisessem regressar a Portugal.
Quando o navio chegou a um porto ocupado pelas forças governamentais, foram dadas ordens superiores, proibindo toda a guarnição de sair para terra.
Os problemas surgiriam, dias depois, quando atracaram noutro porto, sob o domínio das tropas de Franco e foram concedidas licenças.
As praças recusaram-se a sair, como protesto pela dualidade de critérios do comando, provocando mau estar a bordo. O comandante do navio ao constatar que parte da sua guarnição simpatizava com o governo da Frente Popular Espanhola, eleito democraticamente pelo povo, fez a respectiva denúncia ao poder central.
A denúncia foi tal que mal o navio entrou no Tejo, já a PIDE estava plantada no cais, à espera dos prevaricadores. Quase toda a guarnição sofreu penas disciplinares, embora a fatia maior coubesse a 17 dos marinheiros envolvidos, que foram imediatamente expulsos da Marinha, sem direito a qualquer defesa.
A atitude injusta e prepotente da chefia da marinha semeou no seio da classe de praças um ambiente de indignação e de revolta que os levou a planearem uma acção de luta armada, que ficaria conhecida para a história como a “Revolta de Setembro”.
O grande objectivo era ocupar os três navios fundeados no Tejo e sair à barra, fora do alcance das peças de artilharia, ameaçando disparar contra a Assembleia da República, exigindo a libertação dos camaradas que ainda se encontravam presos.
A revolta acabou por ser reprimida sem dó nem piedade pelas forças afectas ao Estado, a que nem a aviação faltou.
O plano de sabotagem abortou devido à traição de alguns elementos que fingiram estar ao lado dos revoltosos.
Nessa noite de 8 de Setembro de 1936, em que estiveram envolvidas 200 praças, resultaram: 5 marinheiros mortos nos confrontos; 92 julgados em tribunal militar; 82 condenados a penas entre os 2 e os 16 anos de prisão; 34 dos quais foram inaugurar o Campo do Tarrafal (5 pereceram aos maus tratos e ao clima agreste da Ilha de Santiago).
O governo levantou logo o boato de que os marinheiros eram uns traidores que queriam entregar os navios à vizinha Espanha.
A ditadura tremeu com este acto de coragem. A prova foi a repressão que se seguiu no interior da Armada portuguesa.
Como os fascistas não se poupavam a meios para se manterem no poder, escolheram os marinheiros mais incómodos para estrearem o presidio do Tarrafal que ficou conhecido internacionalmente como o “Campo da Morte Lenta”.»
In "Almada e a Resistência Antifascista", de Luís Alves Milheiro
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