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Out16
Mutilação a serviço da arte: Os cantores castrados
António Garrochinho
Já imaginou a possibilidade de castração masculina para fins musicais? Pois isso realmente ocorreu e estes artistas mutilados eram conhecidos como castrati. Esta prática de castração teve início no século XVI, quando coros infantis encantavam os ouvidos de admiradores de boa música nas igrejas, mas as vozes dos talentosos cantores mudavam com a chegada da puberdade, então ocorreu que impedir essa mudança seria um meio eficaz de preservar os timbres vocais dos meninos cantores e a castração foi o meio encontrado para tentar amenizar aquilo que a natureza realiza nas transições entre a infância e a fase adulta.
No século XX teve destaque Alessandro Moreschi, que cantou até 1913 e que fora conhecido como o “Anjo de Roma”, além de ter sido o último dos castrati. Algumas gravações de Moreschi podem até ser conferidas, a exemplo desta aqui abaixo.
VÍDEO
Entre famílias muito pobres passou a ocorrer a oferta de meninos para integração dos corais de vozes finas e agudas e estes jovens cantores eram recrutados pelos organizadores desses grupos musicais. A castração dos meninos ocorria entre os 7 e 8 anos de idade e era empregada porque por meio dela o desenvolvimento do processo que levava ao engrossar das vozes era gravemente afetado (hoje sabe-se que isso se deve a inibição hormonal que resulta num processo através do qual as pregas vocais acabam não engrossando ao ponto de alterar a voz). O que levava famílias a oferecerem seus meninos para este destino era a ânsia de obtenção de melhores condições de via e uma chance de ascensão social que não eram amparadas em nenhuma garantia.
A castração era realizada cirurgicamente e geralmente de forma clandestina ou mesmo diante de alguma justificativa falsa, alegando que a criança sofrera algum acidente que resultou na necessidade de realizar a retirada de canais escrotais (geralmente não ocorria a amputação dos testículos, mas estes sofriam algumas atrofias decorrentes da operação). Claro que era um procedimento arriscado e não eram raros os resultados trágicos das cirurgias, que podiam resultar em complicações e até em mortes. Boa parte do risco envolvia o processo de anestesia, que podia envolver ópio, sangramentos propositais para provocação de desmaios, uso de gelo para provocar dormência na área a ser operada. Entre os efeitos da castração também estavam a possibilidade de moderação do crescimento, eventuais problemas ósseos que resultavam em desproporções nas pernas e braços, crescimento de mamilos, de mandíbula e até de nariz, conforme registravam os observadores do processo.
O mais famoso castrato foi o italiano Farinelli, que viveu no século XVIII. A exumação de seu esqueleto em 2006 indicou que ele possuiu problemas possivelmente decorrentes da castração, tais como hiperostose frontal interna (que a concentração anormal de massa óssea no crânio), o que poderia causas fortes dores de cabeça, vertigem, depressão, convulsão e outros efeitos. Farinelli fez sucesso porque não apenas possuía uma bela voz infantil e feminina como também por ser virtuoso conhecedor de música. Depois dele os castrati deixaram de ser populares e foram pouco a pouco sumindo das igrejas, dos palcos teatrais e até das espeluncas onde iam parar os mais desafortunados deles.
Farinelli
Farinelli
No século XX teve destaque Alessandro Moreschi, que cantou até 1913 e que fora conhecido como o “Anjo de Roma”, além de ter sido o último dos castrati. Algumas gravações de Moreschi podem até ser conferidas, a exemplo desta aqui abaixo.
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