Vamos contar a história resumida em cinco actos, para quem não tem tempo para os anestesiantes meandros do nosso pobre meio editorial. Era uma vez uma gaja alegadamente chamada Elena Ferrante, uma desenxabida escritora como milhares de outras:
Portanto, quase não vendeu, passou completamente despercebido. Nada de novo, acontece.
Não vamos agora citar Kant e o seu famosíssimo artigo «O que é o Iluminismo» onde se pergunta logo a abrir e sem merdas: o que significa controlar o próprio entendimento? Significa ter calma, e não correr logo à livraria quando um crítico qualquer, numa revista chegada pelo paquete vinda dos países civilizados, recomenda uma qualquer fulana, por ser estimulante (quanto a estímulos não recomendo ao leitor o recurso à literatura) chamando a atenção para o carácter privado da sua existência. Ou seja, num mundo onde os escritores fazem figura de urso em tudo quanto é meio de comunicação, o interesse em Elena Ferrante decorreu em 99% do facto de ninguém saber quem diabo era a Elena Ferrante, como prova o excelente artigo de Annalisa Merelli, «Elena ferrante's writing is better in english than italian». Todavia, o truque é antigo, é permitido, é inteligente e dá dinheiro. Só podemos lamentar não termos, pois, a fortuna de Ferrante no nosso bolso, restando-nos continuar a trabalhar, Domigo a Domingo, incluindo toda a semana e grande parte dos feriados.
Aqui meus caros leitores, começam os apuros. Quando o escritor em vez de proclamar um sonoro «não me fodam o juízo» e acrescentar: «leiam os livros, façam bom proveito e paguem o que devem», se põe antes com justificações infantis, arriscando passos no pântano fétido da filosofia política. Enlameou-se o escritor, pois claro. Se os estimados leitores podem passar sem os meios de comunicação, já Ferrante não passaria, nem passará, sem os meios de comunicação, como bem sabemos. Aliás, os meios de comunicação querem caras, personagens, protagonistas excêntricos. Sim, tal como os editores e os escritores, por isso, Ferrante e os seus editores ajudaram a criar o totalmente lateral e desinteressante mistério acerca da identidade da autora, provavelmente, um anonimato inicialmente devido ao medo do estrondoso insucesso - que começou por verificar-se - medo do insucesso ainda mais assustador quando a cabeça do autor é a de alguém ligado profissionalmente à edição e aos livros.
Passemos esta cornucópia, cujo interesse é apenas o de comprovar como a literatura ainda não entrou no século XXI, ou como diria um homem do povo, não me roubem o pão. Moral desta moralizante história:

Elena Ferrante, algures na Arábia Saudita.
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