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Out16
"Os maiores ladrões do aeroporto andam a trabalhar na Uber"
António Garrochinho
Entrevista a Carlos Ramos, Presidente da Federação Portuguesa do Táxi, administrador da cooperativa de táxis Autocoope
A Federação Portuguesa do Táxi quer que o mercado da Uber e Cabify seja para taxistas e defende preços mínimos tabelados. Mas o seu presidente, Carlos Ramos, admite que o setor tem muitos problemas e não tem conseguido autorregular-se: "Há muitos motoristas de táxi que não deviam estar a trabalhar."
A Federação Portuguesa de Táxis aliou-se à Antral para organizar a manifestação de hoje. Como viu as afirmações atribuídas a Florêncio Almeida, presidente da Antral, de que "vai haver porrada"?
Não sou advogado do Florêncio. Ele não terá dito isso com a intenção com que foi publicado, mas não deveria ter dito.
Mas existem episódios de violência entre taxistas e motoristas da Uber.
Como Mário Soares dizia: há o direito à indignação. Também sei de motoristas da Uber que andam a ameaçar com pistola. E o secretário de Estado [dos transportes] disse numa entrevista à Visão que os motoristas de táxi apalpam o terreno junto dos clientes para depois os vigarizarem. Ele não pode dizer isso. Eu também posso dizer que ouvi por aí dizer que o secretário de Estado está vendido à Goldman Sachs. Porque a Goldman Sachs é um dos principais financiadores da Uber. Ouvi dizer que tem emprego garantido na Goldman Sachs.
Essa é uma insinuação grave, sem provas. Coisa muito diferente é dizer que há taxistas que vigarizam: é algo mais que provado
Mas ele generalizou. Disse-lhe isso na cara e ele disse que a comunicação social tinha descontextualizado. Quem é o incendiário, o agressor? Eu ou o secretário de Estado?
O que estão à espera de conseguir com a manifestação?
Que o governo acabe com os ilegais. Estão a trabalhar ilegalmente, isso não pode acontecer. Não há razão nenhuma para haver dois tipos de transportes - um tabelado e outro livre. A lei do governo para legalizar a Uber é inconstitucional. Porque o governo não pode legislar sobre isto sem passar pela Assembleia da República e são as autarquias que têm o poder para fixar contingentes [estabelecer que número de veículos de transporte particular de passageiros há no respetivo território]. Em Lisboa, por exemplo, a câmara diz que há táxis a mais [3540]. Se a lei for aprovada em Conselho de Ministros há um partido que vai chamar a lei a discussão porque a considera inconstitucional.
Refere-se ao PCP.
Sim. E há coisa de 10 dias o PS, o PCP e o BE, com abstenção do PSD e CDS, aprovaram uma lei que vai ao encontro das nossas reivindicações e que desautoriza o ministro e o secretário de Estado. É uma lei parecida com o que se fez em Espanha. Primeiro, o governo espanhol disse que todos os carros que trabalhassem com a plataforma da Uber pagavam uma coima entre 4000 e 15 mil euros, depositando o valor da coima ao serem apanhados e indo depois para tribunal para discutir. E depois, desde março, fizeram o que nós propomos: em cada 30 táxis um descaracteriza-se e passa a trabalhar com a Uber. Porque é que o governo nunca perguntou às plataformas se aceitam essa solução? Se o PR promulgar a lei que a geringonça [PS, BE e PCP/Verdes] aprovou, as coimas entram em vigor cá.
E como ficou a fixação de preços em Espanha?
Para que não haja dumping, é preciso que o preço mínimo seja o valor de custo.
O custo é avaliado como?
O Estado é que tem de o impor. E também é preciso acautelar que não se constituam em cartel, ou seja, que os operadores combinem os preços. A lei que o governo fez não acautela isso. E sabe que eles, com a tarifa dinâmica [varia de acordo com a oferta e a procura], aumentam o preço quando o seu telefone tem pouca bateria? Como é que sabem isso? A Comissão Nacional de Proteção de Dados está preocupada. Porque estas plataformas, a Uber e a Cabify, estão a armazenar milhares de dados da população. E ninguém se está a preocupar com isso - porque é cool, é chic.
A vossa proposta significa que o mercado da Uber vai para os taxistas e que quem neste momento está a trabalhar com a Uber não poderá continuar.
Mas eles não podem trabalhar, não têm alvará. Os condutores da Uber têm de ser obrigados às mesmas regras que os taxistas. Há uma diretiva europeia que o impõe. Exige-se avaliação física e mental e os motoristas de táxi para poderem trabalhar têm de pagar uma formação que custa 400 e tal euros. São avaliados de cinco em cinco anos e criou-se um cadastro para cada um, em que as reclamações são consideradas. Concordamos com isso tudo. E há outras questões importantes: se houver um sinistro, a quem é que se pedem responsabilidades? O cliente contratou o serviço à Uber. Esse é um aspeto para o qual o regulador, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, chama a atenção.
Ninguém diria que os taxistas são sujeitos a formação e avaliação.
Concordamos que há muita gente que não devia estar a trabalhar. Que o comportamento de alguns motoristas deveria levar à retirada de Certificado de Motorista de Táxi. Conheço alguns casos de motoristas a quem foi retirado o certificado. Cobrar dinheiro a mais, ser mal educado. Mas os maiores ladrões do aeroporto de Lisboa andam a trabalhar na Uber. Só que andam de gravata.
Está a dizer que taxistas apanhados a vigarizar os clientes do aeroporto passaram para a Uber?
Sim, e posso provar. Porque foram corridos da minha cooperativa, da Autocoope, e estão a trabalhar na Uber. Agora até já apanham pessoas na rua e recebem em dinheiro.
Se recebem em dinheiro não estão a trabalhar para a Uber. Em relação a más condutas: a Uber identifica o motorista e a matrícula do veículo no ato da chamada e o cliente classifica-o a seguir.
Como é que identifico um taxista mal educado ou que me tenta vigarizar?
Está lá no táxi uma coisa pequenina com a identificação, nisso tem razão. Mas os burocratas do IMT como estão à secretária não percebem que isso não funciona, e não atendem às nossas sugestões.
Do mesmo modo, as regras do serviço, afixadas nas janelas, são impossíveis de ler.
Também é verdade. E não diz quanto custa a bandeirada, que era o que devia estar em local bem visível, mais quanto o preço da bagagem e o serviço de espera. Oiça, não tenho dúvida de que o setor precisa de mexer. Por exemplo, o governo deveria ter proibido que entrassem táxis com 13 e 14 anos ao serviço. Apresentámos uma proposta no sentido de que não pudessem andar ao serviço carros com mais de 10 anos. O cliente não pode entrar num táxi e sair de lá sujo. E devia haver pagamento automático em todos, e fatura automática. Temos de melhorar, o serviço não pode continuar assim. Até parece que dá jeito, para manter a má imagem dos taxistas, para parecermos uns javardolas.
Mas é preciso o governo impor essas regras, os taxistas não conseguem autorregular-se?
É preciso obrigar a cumprir normas. As associações não são ordens profissionais, não têm esse poder. É verdade que não há virgens nisto. Mas sabe qual é o problema? Estamos todos os dias a ser questionados porque toda a gente nos identifica. O problema da Uber é que estão escondidos, ninguém sabe quem são.
Certo é que têm procura. São um sucesso.
Têm procura, sim. Mas qual sucesso? Têm prejuízo todos os anos. E como é que uma empresa a nível europeu está a perder milhões? É que eles não estão a perder, estão a investir. Querem dominar as economias, arrasar as economias.
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