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POESIA E MÚSICA DA RESISTÊNCIA

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06
Set16

Os pescadores de barcos redondos Thung Chai – Hôi an

António Garrochinho



Perguntar-se-ão estes homens sobre a fibra de que são feitos?
São pescadores de barcos redondos, barcos que lembram a era colonial francesa e o desenrasque e necessidade dos pescadores vietnamitas mais pobres que, para contornarem as taxas que os franceses passaram a cobram a quem possuía um barco, construíram estes barcos que dizem não ser barcos.
– São cestas, cestas de bambu.
Justificavam-se eles. São cestas, feitas de tiras de bambu entrelaçado, revestidas com uma resina feita a partir de óleo de coco, alcatrão ou fibra de vidro. São cestas que eles habilmente usam para pescar. São cestas-barcos: sem proa, sem popa, sem estibordo, sem bombordo mas, ainda assim, barcos e eles pescadores.
Às cinco da tarde, e durante o tempo que dura toda uma noite, estes homens, de corpos esguios, que cabem numa estatura baixa, respondem a esta pergunta, quando entram pelo mar diante dos olhos, sozinhos, com um barco redondo, com um só remo que toca o mar. As noites deles são mais longas que as nossas, e feitas de um tempo que não cabe nas horas do relógio. Enquanto o ponteiro dá voltas no tempo eles terão de dar a volta ao medo, às incertezas e imprevisibilidade: do mar, do tempo, esse outro tempo, que não se passa no relógio mas o que se passa nos céus, esse tempo que é dono do sol, do vento, da acalmia e das tempestades, esse tempo que é dono do mar.
Esse mar, que é o medo maior, é o que lhes põe comida na mesa; o ganha pão. Esse mar, que passa de pais para filhos, passa e repete-se. Passa quando os filhos são pequenos e há comida na mesa. Passa quando os filhos são homens e vão enfrentar o mar, num barco ao lado do barco do pai e passa quando os pais – já cansados, já sem força para segurar o remo, já sem olhos para cozer a rede, já sem força para enfrentar o mar, já sem força – ficam em terra a ver os filhos partir.
Nesta tarde, pelas cinco da tarde, estes homens preparavam-se para um a um, embarcarem no seu Thung Chai. Juntos levam cada barco à beira da água, depois, já sozinhos, lançam o barco e lançam-se nele.  Não lhes vemos os olhos, esses eles dão-nos ao mar, como quando não queremos mostrar medo, olhando para o que receamos.
Têm de ser fortes, estes homens. Têm de ser valentes, estes homens.
Daqui vejo-lhes a força, a força que mora em cada um dos lados: do mar e dos homens (do mar).
Enfrentam a rebentação das ondas, em pé, com um remo que os sustenta, o mesmo com que comandam o barco. Pelo percurso vão largando as redes e com elas as bandeiras vermelhas – como a do seu país-casa – que lhes ensinarão o caminho de regresso (à sua casa e aos seus), quando o mar deixar de ser azul, quando o céu deixar de ser azul, quando tudo o que os rodeia for apenas o escuro e negro da noite.
Têm de ser fortes estes homens: franzinos. Têm de ser valentes. E é difícil não encontrar aqui a história de resistência que este país viveu: parece repetir-se em cada homem, em cada pele gasta pelo sol, pelo sal, pelo mar, pela vida.




















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